Mão pesada

Para 61% dos juízes, legislação penal brasileira é branda

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12 de outubro de 2007, 0h00

O risco que as novas tecnologias podem trazer ao convívio social, ao meio ambiente e à saúde da população, por ainda ser desconhecido, gera angústia. Muitos dos pensadores da Justiça Criminal no mundo inteiro entendem que, ao invés de esperar pelas conseqüências, é preciso tomar medidas de prevenção. Nasce daí o Direito Penal do Risco, que acredita na expansão de punições para a defesa de bens jurídicos da sociedade como um todo, muitas vezes, em detrimento dos direitos individuais do cidadão.

Essa tendência já chegou ao Brasil e parece direcionar a forma de pensar dos juízes, ao menos, de mais de uma centena de juizes que atuam no Fórum Criminal da Barra Funda em São Paulo. Desses juízes, 85,4% acreditam que o Direito Penal deve expandir seu campo de abrangência aos novos bens jurídicos ameaçados, apostando na Justiça Criminal como forma de combater a criminalidade.

A inclinação à defesa de uma política criminal rigorosa, baseada na penalização e na criminalização de condutas, fica clara quando 61,9% desses juízes concordam, no todo ou em parte, que a legislação penal brasileira é excessivamente branda. Ao mesmo tempo, entendem que a aplicação de penas alternativas e as medidas de despenalização de certas práticas previstas na Lei 9.099/95 também colaboram para aumentar a eficiência do sistema penal.

Os dados são resultado da pesquisa “Visões de Política Criminal”, feita pelo Núcleo de Pesquisas do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), entre março de 2006 e agosto de 2007. Participaram da pesquisa, 111 juízes e 27 defensores públicos que atuam no Fórum Criminal da Barra Funda, d São paulo.

A intenção era também analisar a opinião dos membros do Ministério Público. No entanto, a pesquisa ficou prejudicada neste ponto pois houve recusa em bloco de promotores e procuradores, justificada por uma suposta parcialidade da entidade. Isso porque o IBCCrim é associado a movimentos de Direitos Humanos e a juristas contrários à expansão do Direito Penal e com ideais mais garantistas.

De delegado a juiz

Questionado sobre o resultado da pesquisa, o ministro Cezar Peluso do Supremo Tribunal Federal respondeu de forma bem humorada. Espera que seu filho, juiz no Fórum da Barra Funda, não esteja entre os 61,9% que disseram que a legislação penal é excessivamente branda. Brincadeiras à parte, ele observou que o Estado, como titular do monopólio da força, não precisa de processo para punir ninguém.O processo foi criado para garantia dos direitos das pessoas.

“Quando entramos na magistratura somos bons delegados. Passados alguns anos, bons promotores. Só depois nos transformamos em juízes de verdade”, diz. Ele ressalta que a Justiça não é o remédio para a sociedade. Quando se misturam os sentimentos de cidadão com a função do juiz, declara o ministro, o Judiciário passa a ser opressor e deixa de tutelar os direitos do indivíduo.

Gilmar Mendes, vice-presidente do STF, também é contra a idéia de que todos os problemas podem ser resolvidos pelo Direito Penal. “Não podemos criar o chamado Direito Penal Simbólico, que diz que punição será mais grave, mas não traz resultados”, alerta o ministro.

Ele citou a tipificação de crime hediondo para falsificação de cosméticos, por exemplo. Para Gilmar Mendes, a aplicação de uma Legislação Simbólica, que pune de forma exagerada, não é eficiente. O ministro lembra que há um avanço no Judiciário no sentido da adequação da criminalização. Isto é, quando se depara com incongruências normativas, não aplica.

Prisão

Questionados sobre os efeitos estigmatizantes da pena de prisão sobre o indivíduo, 51,2% dos juízes discordaram da crítica, no todo ou em parte. Essa posição se mostra contrária àquela defendida pelo Direito Penal Mínimo, que recomenda a prisão só para os casos em que o infrator oferece graves riscos à paz social. E mais ainda, à corrente dos abolicionistas, para quem a detenção é um mal que não traz nenhum resultado positivo no combate à criminalidade, muito menos para a pessoa que comete o crime.

Outro dado constatado pela pesquisa é que a maior parte dos juízes concordam com a afirmação de que a pequena criminalidade deve ser reprimida da mesma forma que aquela considerada mais grave, uma vez que os dois tipos estão associados. A idéia de punir crimes leves com medidas civis ou administrativas também é descartada por mais de 50% dos juízes pesquisados.

Defensoria pública

No geral, os defensores públicos pesquisados mostraram tendência a ser menos punitivistas em suas opiniões acerca da política criminal do que os juízes. 83% deles não concordam, em todo ou em parte, com a afirmação de que a legislação é excessivamente branda. E 60% dos defensores não concordam com a ampliação do raio de proteção do Direito Penal a novos bens jurídicos e a situações de risco.

Por outro lado, segundo a pesquisa, mesmo entre defensores menos punitivistas, há indicações de que concordam com o endurecimento da legislação penal como estratégia de política criminal. Apenas 15,8% dos defensores disseram discordar, no todo ou em parte, da afirmação de que a expansão do Direito Penal pode vulgarizá-lo e torná-lo ineficaz.

“Os defensores pesquisados, demonstraram, se não a inversão da tendência anti-repressiva por parte desse grupo profissional, ao menos maior grau de divergência interna, se comparadas às demais questões nas quais as respostas por parte de defensores foram mais uniformes e coesas”, conclui o estudo.

Poder das instituições

Juízes e defensores concordam com a afirmação de que a falta de aparelhamento do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria e da Polícia dificulta a aplicação efetiva da legislação penal (97,6% dos juízes e 100% dos defensores). Eles também concordam que é preciso uma adequação da estrutura de suas próprias instituições para atender à demanda de atuação na área criminal.

No entanto, discordam em relação ao poder de atuação do Ministério Público na fase do inquérito policial. Entre os juízes, 56,1% admitem a coordenação e presidência do MP nas investigações. Apenas 21,1% dos defensores acreditam nessa possibilidade.

Quando perguntados sobre a possibilidade de o Ministério Público realizar investigações paralelas às da polícia judiciária, 70% dos juízes concordaram no todo ou em parte com essa hipótese, e 63,2% dos defensores discordaram, total ou parcialmente.

Diante de todos esses números, o grupo de pesquisadores do IBCCrim, chegou à conclusão de que os operadores da Justiça Criminal parecem pressionados pela urgência de agir imposta pelas condições de trabalho e também pela imensidão dos problemas sociais. “E, assim, dada à urgência e à magnitude, mesmo sob o risco de vulgarização e ineficácia, ainda aprovam a expansão do Direito Penal a novos riscos sociais e condutas reprováveis, embora encontrem entre seus pares vozes dissonantes que insistem em não transigir à expansão de um mal necessário.”

Na opinião do pesquisadores, as números revelam que “as estratégias de reforma da legislação penal e processual penal baseadas exclusivamente no debate teórico entre “garantistas” e “defensores da sociedade” encontram seu limite na distância que separa a prática da teoria, e dessa forma, os teóricos e os práticos do direito”.

Leia a pesquisa

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