Mobilização política

Para Nelson Jobim, voto é do candidato, não do partido

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7 de outubro de 2007, 13h03

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, discorda da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal na quinta-feira (4/10), que impôs a fidelidade partidária e determinou que o parlamentar que troque de partido pode perder o mandato. Ex-deputado constituinte, ex-ministro da Justiça e ex-presidente do STF, ele avalia que o voto, tal como está montado o sistema eleitoral no Brasil, é do candidato e não da legenda.

A declaração do ministro se deu em entrevista aos repórteres Expedito Filho e Tânia Monteiro, do jornal O Estado de S. Paulo. Jobim ressalva que decisão do STF tem que ser cumprida e vê um lado positivo, que resume assim: “Antes não se fazia a reforma política porque os parlamentares podiam transitar de um partido para outro, levando seus votos. Agora não se pode transitar nem também ficar congelado”.

Por isso, ele acha que o Congresso pode finalmente se mobilizar para fazer a reforma política.

Com relação ao ministério, Jobim diz ter com os militares uma relação de transparência absoluta. “A relação é ótima. E tem uma coisa que já aprenderam: eu sei dizer não. Outra coisa importante é ter capacidade decisória. Você não pode ter uma relação em que banque o esperto. A relação é de absoluta transparência, com tranqüilidade.”

Durante a entrevista, Jobim confirmou que os dias de Milton Zuanazzi no comando da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) estão contados.

Leia a entrevista

O sr. concorda com a decisão do STF sobre a fidelidade partidária?

Nelson Jobim — Decisão do Supremo tem que ser cumprida. Eu tenho dúvida se acompanharia a maioria. Entendo que isso seria matéria a ser decidida pelo Congresso. Mas uma vez decidido, está resolvido o problema. Agora, do meu ponto de vista pessoal, tenho a leitura de que o voto é dado ao candidato, não ao partido. Os candidatos têm votos próprios. Por isso eles trocam de partido. O eleitor vota no candidato e não no partido.

Mas sem a filiação partidária não existe candidato.

Nelson Jobim — Essa é uma questão formal. Você não pode afirmar que o voto seja do partido. É do candidato. Em 1986 eu me elegi porque havia dois candidatos que tinham votos.

Mas ao fortalecer os partidos, a Justiça não está também fortalecendo a democracia?

Nelson Jobim — O problema é o nosso sistema eleitoral. Essa é a discussão básica. A fidelidade tem que surgir do sistema eleitoral, não de uma posição legal. Como é que fica, agora, a criação de novos partidos? O sujeito, teoricamente, teria que sair ou abandonar o cargo e deixar de concorrer. Para concorrer na próxima, você tem estar filiado um ano antes. Se for para criar um partido, tem que criar um ano antes da eleição. E os parlamentares que resolveram entrar nesse novo partido, perdem o mandato?

Mas a solução não seria reduzir o número de partidos, em vez de criar mais partidos?

Nelson Jobim — Como faz para reduzir? Você tem que extinguir os que já existem. E aí como extingue? Espero que o Congresso agora resolva. Sou favorável ao sistema da lista partidária, é isso que dá o voto ao partido, e não ao candidato. Eu tenho a impressão de que a decisão do Supremo será frutífera nesse sentido. O sistema não pode ser congelado porque estamos no momento de transição. Temos que resolver o problema partidário. Mas só se resolverá isso com uma legislação, que, face às circunstâncias, o Congresso se sinta premido a fazer.

Então, a decisão foi desastrosa do ponto de vista político?

Nelson Jobim — Não. Do ponto de vista político foi boa, porque provoca um processo decisório. Antes não se fazia a reforma política porque os parlamentares podiam transitar de um partido para outro, levando os seus votos. Agora não se pode transitar nem também ficar congelado.

Isso vai forçar a reforma política?

Nelson Jobim — Claro.

O senhor será candidato?

Nelson Jobim — Volto a repetir uma coisa que aprendi há muitos anos, desde o tempo do Congresso. Não misture tarefa com projeto. Porque, nessa mistura, o projeto prejudica a tarefa. Eu não faço projeto. O que eu tenho é de cumprir uma tarefa. Tem colegas políticos que dizem: ‘Jobim, tu és maluco, um imbecil. Tu te expões em coisas que te prejudicam nos projetos.’ E eu respondo: aí está o erro, eu não tenho projeto. Eu tomo decisões, eu enfrento situações.

A solução da crise aérea pode se tornar seu cabo eleitoral?

Nelson Jobim — É absolutamente irrelevante essa questão. É absolutamente irrelevante porque eu não tenho nenhum projeto. Se você quer (saber de) um projeto, é o projeto que a minha mulher me determinou: faz isso e volta para casa.

E se sua mulher pedir para o sr. ser candidato?

Nelson Jobim — Ela não quer saber, ela quer que eu volte para casa.


Há resistência a um ministro civil mandando nos militares? O sr. se dá bem com eles?

Nelson Jobim — Me dou muito bem.

O sr. tem medo de general?

Nelson Jobim — Não. Eu não tenho medo de homem. Medo nenhum.

Como tem sido sua relação com os militares?

Nelson Jobim — A relação é ótima. E tem uma coisa que eles já aprenderam: eu sei dizer não. Outra coisa importante é ter capacidade decisória. Podem me culpar por ter errado, mas não podem me culpar por não ter decidido. Você não pode ter uma relação em que banque o esperto. Isso não existe. Transparência absoluta. Minha relação é de absoluta transparência, com tranqüilidade.

Dizem que o sr. anda batendo de frente com os militares, que o sr. se parece com um elefante andando em uma loja de cristais.

Nelson Jobim — É questão de estilo.

E como o sr. define seu estilo?

Nelson Jobim — Não defino. Eu não falo disso nunca. Quem tem de falar de mim são vocês.

Dizem que o sr. é volúvel, no sentido de que muda sempre de posto. Cansa rápido das tarefas?

Nelson Jobim — Não sou volúvel. Eu tenho um tempo de saturação. Eu fiquei oito anos no Congresso Nacional e saturei. Você tem um período em que faz as coisas e, depois, entra em um nível rotineiro. Nesse período, eu me irrito e saio. Não gosto da rotina.

O Ministério da Defesa não existe. Com o sr. ele vai existir?

Nelson Jobim — Existir, ele existe. Juridicamente, está aí. Agora, a questão é ser eficaz, ser efetivamente algo que congregue as Forças. A nossa grande função no Ministério da Defesa é fazer a ação combinada das Forças.

Que política de defesa nacional o sr. pretende propor?

Nelson Jobim — O trabalho mais importante que temos é a formulação do planejamento estratégico e nacional de defesa. Para os políticos que ascenderam pós-regime militar, segurança e defesa se confundiam com repressão política. E não se formulou nada em relação à defesa. O objetivo agora é formular um plano de defesa que esteja vinculado ao critério de desenvolvimento nacional. A política de reaparelhamento das Forças é a nacionalização, o desenvolvimento de tecnologia independente. E aí definir que aliança se pode fazer com o setor privado. A condição para comprar equipamentos fora do País é a transferência de tecnologia.

Então não dá para comprar avião, por exemplo, por licitação?

Nelson Jobim — Nós vamos ter uma política de compras públicas e lembrar que para os casos de defesa será preciso ter uma flexibilização no modelo de compra.

O Brasil está preparado para se defender de um eventual ataque ou de uma invasão na Amazônia?

Nelson Jobim — Não tem risco. A idéia é trazer a discussão da defesa para a agenda nacional.

Há alguma decisão sobre a possibilidade de o Exército atuar no Rio de Janeiro em missões com caráter de segurança pública?

Nelson Jobim — O problema é o estatuto jurídico. O estatuto jurídico das tropas brasileiras na ONU (na missão que está no Haiti) é distinto do estatuto jurídico das tropas brasileiras no Brasil. No caso da ONU, decorre de uma convenção internacional e de um tratado internacional.

O sr. chegou com carta branca, mas não conseguiu tirar Milton Zuanazzi da Anac…

Nelson Jobim — Nada disso. O que se passa é o seguinte: quatro diretores pediram demissão e eu já indiquei três novos. Não posso tirar Zuanazzi porque fica sem ninguém na Anac. Preciso, primeiro, nomear três e dar posse para eles. No início, se falou que os cinco sairiam ao mesmo tempo, mas eu brequei isso. Não é possível. Se cinco saíssem, paralisaria a entidade. Não dá para sair o Zuanazzi agora porque A Anac não teria como funcionar. Aprovados os três novos indicados, a perspectiva é a saída de Zuanazzi.

Viajar de avião no Brasil é seguro?

Nelson Jobim — Absolutamente seguro. Não há problema. A discussão que vamos abrir a médio e longo prazos é o problema da militarização ou desmilitarização do controle da aviação civil.

O que o sr. pretende com a contratação de uma consultoria internacional para o sistema de controle?

Nelson Jobim — Verificar quais são as modernizações eventualmente necessárias. O que precisamos ter presente é que está havendo crescimento da demanda de passageiros. Precisamos verificar qual é a capacidade de suporte do sistema de controle aéreo e fazer uma programação de crescimento desse sistema para não sermos atropelados pelos fatos. Minha previsão é estabelecer uma curva de crescimento do número de aeronaves e uma programação de modernização e atualização do sistema para suportar a demanda. Dependendo disso, poderemos aumentar o número de aviões monitorados pelos controladores, que hoje é de 14.


Dependendo do resultado da consultoria, o Brasil vai decidir se desmilitariza ou não o sistema. É isso?

Nelson Jobim — Isso é independente de desmilitarizar ou não. A otimização do sistema de tráfego aéreo para o seu crescimento independe se é civil ou militar.

O sr. é favorável ao sistema de controle do tráfego civil ou militar?

Nelson Jobim — Não tenho idéia. É um assunto que eu nunca examinei.

O comandante da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, já disse ser contra o controle civil.

Nelson Jobim — Vamos examinar, discutir. É uma decisão política de governo. Evidentemente, a decisão não é nossa. Mas submetemos ao presidente e queremos discutir longamente, para não ter atropelo. Isso não pode ser discutido a partir de uma perspectiva ideológica ou corporativista. É saber o que nos serve melhor e quem paga a conta.

Se o sr. chegar à conclusão de que o sistema civil é melhor, o governo adotará o sistema, independentemente da posição da Aeronáutica?

Nelson Jobim — Não é por ser civil que é melhor. Não existe bom ou mau nesse caso. Existe o mais adequado. É evidente que a defesa do espaço aéreo, que é um assunto exclusivo militar, não pode sair dos militares. Uma série de circunstâncias históricas acabou militarizando o sistema. Se tiver que desmilitarizar, nós vamos fazer isso.

A federação internacional dos controladores diz que não é seguro viajar de avião no Brasil. Previu até um novo acidente aéreo.

Nelson Jobim — Mande-os cuidarem da Suíça e do resto da Europa que nós cuidamos do Brasil. Isso faz parte do jogo político, do jogo da corporação internacional.

O sr. acha que o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) está demorando demais a sair do cargo?

Nelson Jobim — Isso é irrisório. Isto atrasa o processo decisório do Senado, mas faz parte do jogo político. A dinâmica política é diferente. Toda vez que você quer acabar com a crise é intervencionismo. As próprias instituições resolvem seus problemas na crise. Verificou-se que o pagamento tinha sido feito por Cláudio Gontijo e, a partir disso se exigiu que Renan provasse que o pagamento tinha sido feito com o dinheiro dele. Ou seja, se inverteu completamente a lógica do ônus da prova.

O sr. acredita na inocência dele?

Nelson Jobim — Estou me referindo aos fatos. Eu não examino isso. Eu não tenho juízo essencialista. O que eu examino é que houve a inversão do ônus da prova.

O advogado Eduardo Ferrão, seu amigo, deixou a defesa de Renan por recomendação sua?

Nelson Jobim — Não, absolutamente. Não me meto nesse assunto. A informação que tenho é que o acerto deles era que assim que terminasse o processo ele sairia.

O que o sr. disse a Renan, na casa dele, nas vésperas da votação no Conselho de Ética?

Nelson Jobim — Fui fazer uma visita de solidariedade. Foi reciprocidade do tratamento que ele me deu quando fui candidato à presidência do PMDB.

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