Dor trabalhista

Assédio moral entra na moda nas relações de trabalho

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7 de outubro de 2007, 9h18

Figura jurídica recente no Brasil, o assédio moral ainda gera discordâncias entre operadores do Direito do Trabalho. Como se trata de um assunto subjetivo sem uma legislação nacional específica, a questão está longe de chegar a uma unanimidade em seus pontos mais básicos.

Debate na Câmara Espanhola de Comércio no Brasil, na quarta-feira (3/10), evidenciou essas fissuras. A situação é tão estranha que não existe nem mesmo clareza sobre quais atitudes podem ser consideradas assédio moral. E isto sem contar aspectos mais técnicos, como o fator repetição, a posição hierárquica e o valor das indenizações.

O auditório lotado de advogados demonstrou a preocupação com o assédio moral, principalmente entre aqueles que têm empresas como clientes. Isto porque os valores podem sair salgados para os empregadores. As multas alcançam cifras de até R$ 30 milhões. Além disso, esta figura jurídica está se tornando tão comum que já pode ser comparada ao dano moral em seus primeiros momentos, quando a maioria das reclamações pedida indenizações milionárias.

Conceito

O professor Estevão Mallet, da Universidade de São Paulo, abriu os debates discorrendo sobre o conceito de assédio moral. Mesmo sem lei especifica, ele já poderia ser previsto a partir da Constituição.

No entanto, o professor lembrou que somente quando prefeituras e governos estaduais começaram a editar leis sobre o tema é que ele se popularizou. “O assédio moral mostra este caráter pendular. De uma situação em que quase não existia para um excesso de pedidos. Mas como o dano moral, o assédio moral chegará a um ponto de equilíbrio e de bom senso”, diz o advogado.

Citando a legislação francesa e portuguesa, Mallet afirmou que não existe um conceito rígido que define a situação de assédio moral. “O empregador pode cobrar resultados. Para que se caracterize assédio moral é preciso padrões excessivos”, explica o professor.

O ponto que gerou mais dúvidas foi o da repetição do assédio. “Não me parece essencial. Uma atitude, que aconteceu uma vez, pode ser considerada assédio moral”, diz Mallet. Em sua opinião, a relação de hierarquia também não é fundamental para a sua caracterização. “Um empregado pode ser processado se lançar rumores sobre o seu superior”, afirma. Outro fator complicado do assédio moral, segundo o professor, é a questão da prova, já que é difícil ter elementos que o comprovem.

Casos concretos

A procuradora Ana Francisca Moreira de Souza Sanden, do Ministério Público do Trabalho, buscou mostrar casos concretos. Em geral, o assédio moral acontece em quatro situações. Uma delas é a meta de vendas. Patrões estabelecem objetivos inalcançáveis e, depois, punem os empregados com situações vexatórias como deixá-los em pé durante uma reunião ou obrigá-los a vestir roupas ridículas como punição.

Também é comum o assédio moral nos casos em que o trabalhador, por motivos pessoais, tem a sua carreira prejudicada. Um exemplo comum é quando o superior deixa o funcionário na ociosidade ou impede sua promoção.

Outra situação é a referente a intimidade em que o empregado é obrigado a passar por revistas humilhantes ou tem sua privacidade invadida. “Já pegamos casos em que as funcionárias eram obrigadas a ficar nuas e tinham as suas partes íntimas revistadas”, conta Ana Francisca.

Segundo a procuradora, é comum o assédio moral no setor de telemarketing. A jornada de trabalho dos atendentes é completamente regulada. Ela lembra que é muito comum a limitação do uso de banheiro. Este tipo de atitude pode ser considerado assédio.

A procuradora também afirma que não existe um conceito legal preciso. “Mas a conscientização em relação a esta figura é importante tanto para a empresa quanto para o empregado”, afirma.

Ana Francisca conta que o valor das multas pode chegar a R$ 30 milhões. Por isso, o cuidado que as empresas devem ter já que também são responsáveis pelas atitudes dos prepostos. Segundo a procuradora, não existe um cálculo fechado para estipular as multas. Mas, nas suas atuações, Ana Francisca procura estabelece as multas em 1% do faturamento semestral da empresa. “A punição tem que ser educativa e significativa para evitar a repetição da infração”, explica.

Além de propor ações civis públicas, o MPT tem procurado atuar na prevenção assinando termos de ajustamento de conduta com as empresas. É comum ainda a elaboração de cartilhas explicativas para ensinar os trabalhadores. “A demanda que nos chega não é um espelho, já que os setores mais organizados costumam procurar mais a procuradoria”, diz Ana Francisca.

Dano psicológico

Para a advogada trabalhista Sônia Mascaro Nascimento, o assédio moral é resultado da cultura administrativa mais recente. “A questão não é o cobrar, mas como cobrar. Vivemos em uma época com a síndrome do eu e em mundo muito competitivo, que às vezes extrapola o razoável”, afirma a advogada.

Sônia explica que o assédio moral é um gênero do dano moral, que comporta outras figuras como lesão à imagem e à honra. Para ela, o assédio moral deve ser um dano psicológico. Por isso, para que se concretize é preciso que seja repetitivo.

“Só pode ser considerado assédio moral, os casos em que se criou uma patologia. O que é complicado já que as doenças psicológicas são praticamente invisíveis”, argumenta Sônia. Para ela, a revista intimidadora, por exemplo, não é assédio moral, mas lesão à imagem.

A advogada opina que o estado deve ter entre as suas obrigações medidas preventivas contra o assédio moral. Como exemplo, ela cita os casos do Chile e da Suécia. No primeiro, existe uma regulamentação fechada que obriga as empresas com mais de 10 trabalhadores a elaborarem um manual de conduta. A norma ainda estabelece que as investigações devem ser rápidas de no máximo 30 dias. O sigilo também deve ser resguardado.

Já no país europeu, os procedimentos são mais flexíveis. O que se estabelece é a clareza nas relações entre empregador e empregado. O governo estimula o diálogo dos dois lados para resolver e prevenir problemas. “O que se percebe em outros países é que o assédio moral é uma aproximação dos direitos humanos com o trabalhista. Trata-se do valor social do trabalho”, opina a advogado.

Previsto na Constituição

Pontuando sua palestra com bom humor, o juiz Marcos Neves Fava da 89ª Vara do Trabalho de São Paulo, afirmou que não faria uma “metapalestra” e que, por isso, não se demoraria. Fava disse que sua visão sobre o tema é restrita já que como juiz conhece o assunto pelos processos.

Em sua opinião, mesmo que não exista uma lei específica sobre assédio moral, ele está previsto na Constituição e na Consolidação das Leis do Trabalho. “Não é preciso de uma lei civil. O assédio moral faz parte dos direitos objetivos que vêem evoluindo principalmente nos últimos 50 anos”, afirma.

O juiz é adepto da tese de que o assédio moral não se caracteriza em um ato único. No entanto, ele não acredita que seja preciso uma patologia para que seja considerado. “É necessário ainda distinguir o dano de sua potencialidade. Tem que haver o ato ilícito”, argumenta Fava.

Outro aspecto importante é em relação ao ambiente. “Há muita diferença em um palavrão dito em um porto entre estivadores e dito em um convento entre freiras”, explica o juiz.

Para Fava, é preciso considerar também a relação de poder, já que não se pode admitir assédio moral entre empregados do mesmo nível hierárquico. Outro fator, para o juiz, é a postura do próprio empregado. “Uma pessoa que não conversa com ninguém não pode reclamar que é isolado e ignorado”, argumenta.

Entre os casos mais comuns nos processos, o juiz elenca a ridicularizarão, o isolamento e a redução da importância e do status do trabalhador. “Também são muito comuns o assédio em auditorias internas, com interrogatórios intimidadores, ou em dinâmicas de grupo”, conta Fava.

Como os outros palestrantes, o juiz lembrou a importância do dano moral. Afirmou que um terço da população economicamente ativa já sofreu agressões de diversos tipos no local de trabalho.

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