Juiz substituto

Reclamar de juiz faz parte das prerrogativas de advogado

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3 de outubro de 2007, 0h00

Não é crime de difamação a reclamação que um advogado fez de uma juíza para a Corregedoria do tribunal. Com este entendimento, a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça trancou Ação Penal contra o advogado Léo Vinícius da Rosa Araújo.

O advogado foi punido por mandar reclamação contra a juíza Rosane Ramos de Oliveira Michels, do 1º Juizado da Vara Cível do Foro Regional da Tristeza, no Rio Grande do Sul. Ele foi condenado à pena de um ano e 15 dias de detenção e multa, substituída por prestação de serviço. A sentença do Juizado Especial foi confirmada pela Turma Recursal do Rio Grande do Sul. Segundo o advogado, a juíza deixou seu secretário presidir uma audiência de conciliação no seu lugar.

Léo Araújo foi denunciado por difamação junto com o jornalista Marco Antônio Birnfeld, que publicou notícia sobre a reclamação. Este já havia sido absolvido da acusação.

Baseado na decisão que absolveu Birnfeld, Araújo pedia também sua absolvição. No STJ, no entanto, o pedido de extensão da decisão foi negado. Segundo os ministros, apenas o tribunal que absolveu Birnfeld é quem poderia estender a decisão para Araújo.

No entanto, os ministros votaram por conceder Habeas Corpus de ofício para trancar a Ação Penal por entenderem que não é difamação o advogado reclamar de uma juíza. Faz parte de suas prerrogativas e eventual excesso tem de ser analisado pela própria OAB.

O caso

A reclamação do advogado teve em uma audiência de conciliação no foro de Tristeza. Em vez da juíza, dirigia a audiência um jovem desconhecido. Desconfiado da maneira como o suposto juiz conduzia a audiência, o advogado de uma das partes perguntou se ele era o juiz da causa. A resposta foi de que se tratava do secretário da juíza, fazendo com que o advogado se recusasse a participar da continuação da audiência. Os fatos se deram em agosto de 2003.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul entendeu que relatar o fato seria difamatório e denunciou o advogado que representou contra a juíza bem como o jornalista que veiculou o acontecimento como autores do crime de difamação. O jornalista impetrou pedido de Habeas Corpus na Turma Recursal, que indeferiu o pedido. No Supremo, a defesa reafirmou o pedido feito anteriormente.

Veja a decisão

HABEAS CORPUS Nº 73.649 – RS (2006⁄0284153-3)

RELATOR: MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA

IMPETRANTE: LÉO VINICIUS DA ROSA ARAÚJO

ADVOGADO: LUCINDO SEVERINO BERTOLETTI

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PACIENTE: LÉO VINICIUS DA ROSA ARAÚJO

RELATÓRIO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA:

O ora paciente LÉO VINÍCIUS DA ROSA ARAÚJO, que impetra este habeas corpus em causa própria, juntamente com o jornalista MARCO ANTÔNIO BIRNFELD, foi denunciado em face do suposto cometimento do tipo previsto no art. 21, c⁄c 23, II, da Lei 5.250⁄67, na forma prevista no art. 29 do Código Penal.

Narra a peça acusatória que (a) os denunciados teriam difamado, por meio de artigo publicado em jornal, Rosane Ramos de Oliveira Michels, MM. Juíza de Direito do 1º Juizado da Vara Cível do Foro Regional da Tristeza, Porto Alegre⁄RS, “imputando-lhe fatos ofensivos à sua reputação” (fl. 27); (b) MARCO ANTÔNIO BIRNFELD, jornalista, publicou versão inverídica e distorcida de fatos ocorridos na sala de audiências da mencionada Vara, imputando à ofendida responsabilidade sobre uma “anomalia procedimental”, consistente na realização de audiência sem a sua presença e sob a presidência de serventuário; e (c) o paciente concorreu para a difamação, ao elaborar, divulgar e transmitir ao jornalista, o teor da representação dirigida à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado, em que relata a referida versão.

Ao réu MARCO ANTONIO BIRNFELD, jornalista, o Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 85.929-2, concedeu a ordem para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta (fl. 122).

A ação penal em desfavor do ora paciente prosseguiu e foi julgada procedente para condená-lo, por haver incorrido no tipo previsto no art. 21, c⁄c 23 da Lei 5.260⁄67, à pena de 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de detenção e multa de dois salários mínimos, substituída a pena privativa de liberdade por prestação de serviços comunitários em igual período e prestação pecuniária, no valor de 10 dias-multa, cada qual no valor de 1⁄3 do salário mínimo (fl. 58).

Mencionada sentença restou confirmada em grau de apelação (fls. 86⁄102).

Nesta sede, o impetrante alega, em síntese, que, “tendo a Corte Suprema julgado que a publicação não sustentava a incidência da norma penal da Lei de Imprensa, de modo que o Autor dos fatos tidos por ofensivos restou absolvido, o mesmo fato não pode ensejar a condenação do co-réu, face ao princípio constitucional da isonomia, pelo qual todos são iguais perante a lei” (fl. 7). Aduz, ainda, que, “do conteúdo da Representação apresentada à Corregedoria de Justiça, não se vislumbra nenhum ato ofensivo à moral da Juíza Dra. Rosane Ramos de Oliveira Michels, muito menos ‘versão inverídica e distorcida a respeito do episódio’ como quer a denúncia” (fl. 7). Requer, ao final, a extensão dos efeitos da ordem concedida ao co-réu, ou a procedência do writ, a fim de que seja extinta a ação penal, por falta da materialidade.


Este habeas corpus foi impetrado originalmente no Supremo Tribunal Federal, que dele não conheceu, ao fundamento de que o seu julgamento compete ao Superior Tribunal de Justiça, para o qual determinou a remessa dos autos (fl. 124).

Os autos vieram-me conclusos em 22⁄7⁄07, momento em que indeferi o pedido de liminar (fls. 151⁄152).

Em virtude de deferimento de pedido de diligência realizado pelo parquet (fl. 160 verso), a Corte a quo remeteu cópia integral da representação oferecida pelo paciente contra a ofendida à Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (fls. 164⁄253).

O Ministério Público Federal, em parecer da lavra da Subprocuradora-Geral da República MARIA ELIANE MENEZES DE FARIAS, opinou pela denegação da ordem quanto ao pedido de extensão e pela sua concessão, de ofício, por entender que a representação elaborada pelo paciente à Corregedoria de Justiça não contém teor difamatório e decorre de prerrogativa profissional.

É o relatório.

HABEAS CORPUS Nº 73.649 – RS (2006⁄0284153-3)

EMENTA

HABEAS CORPUS. DIFAMAÇÃO PELA IMPRENSA. LEI 5.250⁄67. PEDIDO DE EXTENSÃO. COMPETÊNCIA. TRANCAMENTO POR ATIPICIDADE. HIPÓTESE CONFIGURADA. ORDEM NÃO CONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO DE OFÍCIO.

1. “A competência para analisar pedido de extensão é do e. Tribunal que proferiu a r. decisão ao co-réu” (HC 15.418⁄SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ de 4⁄11⁄02).

2. O trancamento de ação penal, pela via estreita do habeas corpus, somente é possível quando, pela mera exposição dos fatos narrados na peça acusatória, verifica-se que há imputação de fato penalmente atípico ou que não existe nenhum elemento indiciário demonstrativo da autoria do delito imputado ao paciente ou, ainda, quando extinta encontra-se a punibilidade.

3. Não constitui difamação a reclamação dirigida por advogado, no exercício do seu mister, a órgão correcional sobre eventuais irregualidades cometidas no âmbito do Poder Judiciário, porquanto amparada pela imunidade assegurada pela Lei 8.906⁄94 (art. 7º, § 2º).

4. Ordem não conhecida. Habeas corpus concedido de ofício para trancar a ação penal, por atipicidade.

VOTO

MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator):

Inicialmente, observo que o pedido de extensão não merece ser conhecido, haja vista que o acórdão que concedeu a ordem ao co-réu, cujos efeitos o paciente pretende que lhes sejam alcançados, não foi prolatado por esta Corte.

Nesse sentido:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS… PEDIDO DE EXTENSÃO. INCOMPETÊNCIA.

I – A competência para analisar pedido de extensão é do e. Tribunal que proferiu a r. decisão ao co-réu.

………………………………………………………………………………………

……………………

(HC 15.418⁄SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ de 4⁄11⁄02)

PROCESSUAL PENAL. HABEAS-CORPUS. CONCESSÃO. EXTENSÃO A CO-RÉUS. CPP, ART. 580. JUÍZO COMPETENTE.

– A extensão dos efeitos benéficos do recurso aos co-réus que se encontram em idêntica situação processual, como previsto no art. 580, do CPP, tem aplicação também em sede de habeas-corpus, porém deve ser apreciada e decidida pelo órgão judiciário que julgou o primeiro pedido.

Habeas-corpus denegado.” (HC 5.197⁄RJ, Rel. Min. VICENTE LEAL, Sexta Turma, DJ de 30⁄06⁄97)

Enfrento, doravante, a alegação, defendida também pelo parquet, de que o paciente não cometeu conduta típica, haja vista que, além de a representação por ele dirigida à Corregedoria de Justiça não possuir caráter difamatório, está amparada pela inviolabilidade dos atos que advogados praticam no desempenho do seu mister.

Eis o teor da referida reclamação (fls. 166⁄168):

LEO VINÍCIUS DA ROSA ARAÚJO, brasileiro, advogado, regulamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, seccional RS, com escritório profissional na Av. Aureliano de Figueiredo Pinto, 501, salas 702⁄704, vem, respeitosamente, trazer ao conhecimento de V. Exa. anomalia procedimental instaurada no Cartório Cível do Foro da Tristeza, a exigir providências da Corregedoria – geral da Justiça no sentido de ser restabelecida a ordem naquele cartório, visando precipuamente a observância do ordenamento ditado no Código de Processo Civil, a ética, e o mínimo de respeito para a comunidade de um modo geral, consoante passa a discorrer.

O peticionário fora contratado, pela Sra. Maria Luíza Barbosa da Rocha e outros, para proceder defesa no processo 113378989. Note-se, consoante mandato anexo, que a Sra. Dra. Juíza de Direito Rosane Ramos de Oliveira Michels deferiu em desfavor da Sra. Maria liminar de Manutenção de Posse, entendendo no entanto a necessária realização de audiência na tentativa de conciliação, a ser realizada no dia 27.09.03, às 13:30, fluindo, desta data, o prazo de 15 dias para apresentação da defesa.


No dia aprazado, lá estava o peticionário e seus clientes para a tão esperada audiência, momento em que finalmente poderiam retirar o processo em carga para levar ao conhecimento da juíza a verdade dos fatos.

Já com certo atraso, o que é perfeitamente compreensível, foi levado a efeito o pregão, acomodando-se as partes nos seus devidos lugares. No lugar do juiz estava sentado um senhor que exigiu somente a carteira profissional do firmatário da presente, sob a alegação de que a do outro advogado (advogando em causa própria) não precisava, tendo em vista que ele sempre estava lá.

A carteira profissional do ora peticionário foi passada para uma jovem, que estava datilografando a audiência, momento em que o rapaz que estava presidindo a audiência perguntou se havia como acertar “aquilo ali”.

O fato de a pessoa que estava presidindo a audiência haver pedido apenas a carteira de um dos advogados e o modo pelo qual tentou conciliar o litígio foi alvo de desconfiança do ora requerente, que incontinenti perguntou se ele era o juiz da causa.

Meio constrangido, ele respondeu que era o secretário da juíza, fato que fez, por motivos óbvios, com que fosse exigido a presença da magistrada para presidir a audiência.

Deselegantemente, o secretário da juíza, ordenou, então, que o firmatário da presente e seus clientes se retirassem da sala de audiências, e esperassem a juíza lá fora. Ato contínuo fora feita o pregão para a próxima audiência.

Ao se deparar com este quadro, o mais parecia uma “pegadinha do Faustão”, este procurador exigiu do escrivão uma certidão que contasse que o secretário da Juíza era a pessoa que estava presidindo as audiências, o que foi negado, sob argumento de que essa não é uma atribuição do escrivão. Foi perguntado então o nome do diretor do Foro, e a resposta foi a de que não havia nenhum, apenas uma juíza supervisora. E mais, no outro dia este procurador tentou um fotocópia da pauta de audiências do dia 27.03.03, visando provar o que até aqui se disse, e o Sr. Escrivão também negou-se a fornecê-la.

Tudo que se disse até aqui pode ser provado através da prova testemunhal, e até mesmo a acariação do firmatário da presente com o secretário da juíza e o Sr. Escrivão pode ser feita.

O peticionário pondera a esse órgão correcional a ilegalidade e a falta de respeito, de que fora vítima este procurador e seus clientes.

Para se ter razoável idéia, sequer foi podido retirar o processo em carga, na permissividade do princípio do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista que não havia juiz sequer para deferir a carga dos autos.

Com essas considerações, requer sejam tomadas providências no sentido do banimento da ilegal prática cartorária ocorrida na Vara Cível da Tristeza, segundo a ritualística do ordenamento processual civil vigente, a ética, e principalmente o respeito para com o cidadão, que tem somente o judiciário a lhe dar esperança de um futuro um pouco mais digno.

Como bem apontado pelo parquet, observa-se que o expediente acima não atenta contra a reputação da magistrada, na medida que se restringe a narrar procedimentos que o paciente entende irregulares, manifestação que se encontra sob o pálio da imunidade que reveste os atos praticados pelos advogados no desempenho de sua profissão.

Por oportuno, vale ressaltar que eventuais excessos no exercício da citada prerrogativa profissional estão, nos termos do art. 7º, § 2º, da Lei 8.906⁄94, sujeitos às sanções disciplinares pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Considerando que a denúncia tem por fundamento exclusivo a mencionada representação, não há justa causa para o prosseguimento da ação penal.

Ante o exposto, não conheço do writ e, de ofício, concedo habeas corpus para trancar a Ação Penal 001⁄2.05.0016959-5, da 9ª Vara Criminal de Porto Alegre⁄RS, por atipicidade.

É como voto.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do pedido, concedendo “Habeas Corpus” de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ⁄MG), Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 16 de agosto de 2007(Data do Julgamento)

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