Direito de família

Lei deveria estabelecer guarda compartilhada como regra

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26 de novembro de 2007, 23h01

Na tentativa de melhorar a imagem, altamente desgastada pelos processos por falta de decoro a que responde o seu presidente licenciado, o Senado desengavetou alguns “projetos do bem” e lhes deu andamento. Por essa estratégia andaram o projeto de extensão da licença maternidade para seis meses e o da proibição da infidelidade partidária; também andou o da instituição legal da guarda compartilhada. Por esse instituto os pais separados continuam responsáveis por seus filhos em condições de igualdade.

A guarda compartilhada (ou conjunta) deveria ser a regra, já que todos concordam que a separação dos pais não pode prejudicar a relação deles com os filhos. O fim do casamento, claro, repercute na vida das crianças, mas os separandos devem zelar para que as implicações do desenlace sejam as menores possíveis e nunca deveriam permitir que os problemas com o ex-cônjuge contaminassem a relação com a prole.

Para levar às últimas conseqüências o valor da máxima preservação dos filhos na separação dos pais, a lei deveria estabelecer a guarda compartilhada como princípio geral. Contudo, ela está prevista, no projeto aprovado pelo Senado, como exceção, cabível no caso de falta de acordo.

Por força da ideologia machista, convencionou-se que o modelo apropriado relativamente à guarda dos filhos no caso de separação seria a de atribuí-la à mãe, relegando-se ao pai o humilhante direito de visita. É a guarda partilhada (ou dividida) ainda o modelo predominante. Mesmo pessoas plenamente informadas têm enfrentado dificuldades na separação se querem compartilhar a guarda dos filhos.

Conheço o caso até mesmo de uma promotora de Justiça de São Paulo que precisou argumentar insistentemente com a colega, para conseguir a anuência ao acordo de separação exatamente porque ela e o ex-marido, um advogado, haviam concordado com a guarda conjunta.

O modelo predominante de partilha acarreta inevitável hierarquização dos pais. O que fica com a guarda passa a ter mais direitos e obrigações do que o outro. A hierarquização é perversa para as crianças, porque necessariamente muda as relações delas com os pais. O genitor com a migalha do direito de visita é um pai ou mãe de segunda categoria. A guarda dividida, ao transformar um dos pais em genitor de segunda categoria (com menos direitos e obrigações), estimula a instabilidade na relação filial que todos concordam deve ser evitada no momento delicado do término do casamento.

Três críticas se costumam ouvir acerca do compartilhamento da guarda. A primeira afirma ser a guarda compartilhada utopia e só funcionar em casos excepcionais, em que impera a razoabilidade entre os ex-cônjuges. Na verdade, tanto faz qual o modelo de guarda constante do termo judicial de separação ou divórcio, faltando esta razoabilidade, nenhum deles tem como funcionar.

Quer dizer, mesmo quando fica a guarda para um dos pais apenas, se a convivência com os filhos não for suficientemente preservada das demais questões que afetaram e afetam o relacionamento do ex-casal, o resultado também será o permanente conflito sobre atrasos na hora de pegar e devolver as crianças, tratamento das situações imprevistas, participação nos eventos familiares de cada lado e etc. A guarda conjunta não atrapalha em nada a convivência dos pais separados e seus filhos; o que atrapalha é o uso desse assunto como arma no fim do casamento.

A segunda crítica relaciona-se com a questão da moradia dos filhos. É infundada porque decorre de lamentável confusão conceitual. Quem considera que o compartilhamento tumultua indevidamente a fixação da residência dos filhos confunde a guarda compartilhada com a alternada, esta última correspondente a um esdrúxulo modelo, em que a criança passa a morar alternadamente com o pai e a mãe.

Fica uma semana, um mês ou seis meses vivendo com um dos genitores, esmolando-se o outro com o direito de visita, e no período seguinte faz-se o revezamento. Traz instabilidade psicológica aos filhos e só deve ser adotado em casos especialíssimos, como no de morarem os pais em países diferentes, por exemplo. Na guarda compartilhada, os separandos devem criar as condições para que a criança se sinta em casa nos dois endereços que passa a ter. Não há instabilidade, porque estão definidos os dias da semana em que ela irá dormir com o pai ou a mãe.

Por fim, critica-se a guarda conjunta em razão de alegada inexistência de alimentos. Mais uma confusão conceitual, que associa a guarda dividida à necessária atribuição, ao genitor contemplado com a humilhação do direito de visita, da obrigação de pagar alimentos às crianças. Para essa crítica, a guarda compartilhada exporia a criança ao risco de desamparo à medida que, nela, não haveria a obrigação alimentar. Na verdade, um assunto não tem nada a ver com o outro.

Qualquer que seja a espécie da guarda, se qualquer dos pais faltarem com a obrigação de pagar sua parte no sustento da prole, o outro poderá demandar a condenação judicial em alimentos. Claro, os pais separados no regime da guarda compartilhada costumam ser tão consciente de que a separação não altera suas obrigações com os filhos, que raramente deixam de arcar com sua parte nas despesas. Mas se vier um deles a incorrer em inadimplemento, mesmo sendo a guarda conjunta, será sempre cabível a condenação judicial na obrigação alimentar.

Como se vê, não procede nenhuma das críticas normalmente endereçadas ao compartilhamento da guarda. A lei contribuiria para a preservação do relacionamento dos pais e filhos, no difícil momento da separação, se estabelecesse a guarda compartilhada como diretriz, ficando o modelo hoje predominante (guarda para um, direito de visita para outro) como exceção, isto é, uma solução,o para casos em que houver graves motivos a justificarem a perda da guarda por um dos pais.

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