Convivência harmoniosa

Nestlé pode usar a marca Moça Fiesta em seus produtos

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21 de novembro de 2007, 12h55

A Nestlé pode usar a marca Moça Fiesta nos produtos relativos a doces e coberturas. A decisão foi tomada pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de uma ação da Nestlé contra o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e contra a Agrícola Fraiburgo, dono da marca Fiesta Bebidas.

A Agrícola Fraiburgo fabrica sucos, xaropes e bebidas fermentadas. A empresa entrou com pedido de anulação de marca no INPI, afirmando que tinha registrado o verbete Fiesta primeiro que a Nestlé e que a marca Moça Fiesta provocava dúvidas no consumidor quando expostos nas prateleiras dos mercados. O INPI anulou o registro da Nestlé. A empresa entrou, então, com Ação Ordinária contra o INPI e contra a Agrícola Fraiburgo. Saiu vitoriosa em todas as instâncias.

No STJ, o relator do caso, ministro Humberto Gomes de Barros, entendeu que não há razão para confusão. “É possível a existência harmônica das duas marcas, ainda que a mais recente contenha a reprodução da mais antiga”, considerou.

Para impedir o registro de uma marca, são necessários três requisitos: imitação ou reprodução no todo ou em parte de uma marca ou com acréscimo de marca alheia; semelhança ou afinidade entre produtos; ou a possibilidade de confusão ou dúvida no consumidor. Para os ministros da 3ª Turma, os produtos oferecidos pelas duas empresas são bem distintos e não provocam dúvida alguma.

“As marcas em questão são de produtos completamente distintos (uma de sidra, outra de leite condensado), pertencentes a classes também distintas (uma de bebidas, xaropes e sucos, e outra de concentrados laticínios em geral e leite de soja) e apresentam-se ao consumo com embalagens e rótulos totalmente diferentes. É possível a coexistência harmônica das marcas, ainda que a mais recente contenha a reprodução da mais antiga, se inexistente o terceiro requisito apontado na lei — possibilidade de erro, dúvida ou confusão”, concluiu o relator.

A decisão da 3ª Turma foi unânime. O acórdão já transitou em julgado.

REsp 949.514

Leia a decisão

RELATOR: MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS

RECORRENTE: AGRÍCOLA FRAIBURGO S⁄A

ADVOGADO: LUIZ EDGARD MONTAURY PIMENTA E OUTRO(S)

RECORRIDO : SOCIÉTÉ DES PRODUITS NESTLÉ S⁄A

ADVOGADO: ROBERTO MAURÍCIO MONTEIRO VIEIRA E OUTRO(S)

INTERES.: INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL INPI

ADVOGADO: VERA LÚCIA GOMES DE ALMEIDA E OUTRO(S)

E M E N T A

PROPRIEDADE INDUSTRIAL. COLISÃO DE MARCAS. “MOÇA FIESTA” E “FIESTA”. POSSIBILIDADE DE ERRO, CONFUSÃO OU DÚVIDA NO CONSUMIDOR. NÃO CARACTERIZAÇÃO.

— Para impedir o registro de determinada marca é necessária a conjunção de três requisitos: a) imitação ou reprodução, no todo ou em parte, ou com acréscimo de marca alheia já registrada; b) semelhança ou afinidade entre os produtos por ela indicados; c) possibilidade de a coexistência das marcas acarretar confusão ou dúvida no consumidor (Lei 9.279⁄96 – Art. 124, XIX).

— Afastando o risco de confusão, é possível a coexistência harmônica das marcas.

RELATÓRIO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Societé des Produits Nestlé S.A ajuizou ação ordinária contra o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI. Pretende a declaração de nulidade do cancelamento do registro nº 813502780, referente à marca “MOÇA FIESTA”.

Agrícola Fraiburgo S.A. integra o processo, como litisconsorte necessário.

O pedido foi julgado procedente, anulando-se o ato e restabelecendo-se o registro.

O INPI e a litisconsorte apelaram. Os recursos foram desprovidos. Eis a ementa do acórdão:

“Direito de propriedade industrial. Marca mista. Extensão da proteção da marca fraca.

I – A marca ‘MOÇA FIESTA’ é mista, dotada de distintividade específica em relação à marca ‘FIESTA’, como se deflui da complexidade das palavras, letras, figuras e rótulos submetidos a exame por este tribunal, em especial diante da ofuscante nitidez das formas distintivas reveladas pelo conjunto de fotos comparativas dos dois signos nos respectivos produtos (leite condensado e sidra), o que afasta ex hypothesi qualquer dissídio fundado em reprodução ou imitação de uma pela outra.

II – A aplicação do princípio da especialidade não se confunde com as divisões de classe operadas pelas convenções de Genebra e Nice.

III – O vocábulo ‘FIESTA’, de origem castelhana, é em si inapropriável enquanto expressão lingüística; mas como sinal distintivo de mercadorias, acompanhado de um ou mais designativos, comporta a proteção estendida à marca fraca, do que resulta a possível convivência de diferentes marcas que designam sidra (que é espocada em festas) e leite condensado flavorizado (ingrediente doméstico ou guloseima), sem possibilidade de confusão dos consumidores e demais agentes econômicos.

IV – Desprovimento dos apelos.”

A recorrente reclama de violação ao Art. 65, item 17, da Lei 5.772⁄71 – atual Art. 124, XIX, da Lei 9.279⁄96. Aponta, ainda, divergência jurisprudencial.

Alega, em resumo, que:

a) a marca nominativa “MOÇA FIESTA”, da Nestlé, colide com marca anteriormente registrada pela recorrente no mesmo segmento de mercado – “FIESTA”;

b) a recorrente tem o direito de “impedir terceiro de fazer uso ou registrar marca semelhante, para identificar produtos afins, suscetível de causar confusão ou associação com marca de sua titularidade” (fl. 532).

Contra-razões (fls. 605⁄614)

VOTO

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS (Relator): Discute-se a possibilidade de coexistência harmônica entre as marcas “MOÇA FIESTA” e “FIESTA”, pertencentes às classes 31.10 – 30 (laticínios em geral, leite de soja) e 35 (bebidas, xaropes e sucos concentrados), respectivamente.

Societé des Produits Nestlé S.A teve o registro de n. 813.502.780 da marca “MOÇA FIESTA” cancelado, pois concluiu o INPI que havia risco de confusão com a marca “FIESTA” da recorrente, destinadas a identificar produtos inseridos no mesmo segmento mercadológico.

O artigo tido por violado (Art. 65, item 17, da Lei 5.772⁄71) diz:

“Art. 65. Não é registrável como marca:

17) imitação bem como reprodução no todo, em parte, ou com acréscimo, de marca alheia registrada para distinguir produto, mercadoria ou serviço, idêntico, semelhante ou afim ao ramo de atividade, que possibilite erro, dúvida ou confusão, salvo a tradução não explorada no Brasil;”

Eis a atual redação da Lei 9.279⁄96 :

“Art. 124. Não são registráveis como marca:

XIX – reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia;”

Da leitura dos artigos percebe-se que para que a marca não seja registrável, se faz necessária a presença concomitante de três requisitos: a) imitação ou reprodução, no todo ou em parte, ou com acréscimo de marca alheia já registrada; b) que sirvam as marcas para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim; c) que a convivência das duas marcas possibilite erro, confusão ou dúvida no consumidor.

Dos fatos delimitados no acórdão recorrido, constata-se que a recorrente utiliza a marca para comercializar sidra (bebida fermentada). Já a recorrida, usa a expressão Fiesta para denominar leite condensado com sabores diversos.

Diz a sentença:

“Os produtos em questão apresentam embalagens completamente distintas, não havendo qualquer elemento que possibilite dúvida ao consumidor. Some-se a isso o fato do termo ‘FIESTA’ estar presente na designação de diversas outras marcas, conforme comprovado nos autos.” (fl. 359)

Não há, portanto, risco de confusão. As marcas em questão são de produtos completamente distintos (sidra e leite condensado), pertencentes a classes também distintas (laticínios em geral, leite de soja – bebidas, xaropes e sucos concentrados) e apresentam-se ao consumo com embalagens e rótulos totalmente diferentes.

É possível a coexistência harmônica das marcas, ainda que a mais recente contenha a reprodução da mais antiga, se inexistente o terceiro requisito apontado na lei – possibilidade de erro, dúvida ou confusão. Nesse sentido:

“III — POSSÍVEL E A COEXISTÊNCIA DE DUAS MARCAS NO UNIVERSO MERCANTIL, MESMO QUE A MAIS RECENTE CONTENHA REPRODUÇÃO PARCIAL DA MAIS ANTIGA E QUE AMBAS SE DESTINEM A UTILIZAÇÃO EM UM MESMO RAMO DE ATIVIDADE (NO CASO, CLASSE 25.10 DO ATO NORMATIVO 0051⁄81⁄INPI – INDUSTRIA E COMERCIO DE “ROUPAS E ACESSÓRIOS DO VESTUÁRIO DE USO COMUM”), SE INEXISTENTE A POSSIBILIDADE DE ERRO, DUVIDA OU CONFUSÃO A QUE ALUDE O ART. 67, N. 17, DA LEI 5.772⁄71.” (REsp 37.646⁄SÁLVIO)

Nego provimento ao recurso especial, ou dele não conheço.

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