Marcha interrompida

Ministra do STJ impede marcha do MST em cidades gaúchas

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14 de novembro de 2007, 14h08

A ministra Fátima Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, confirmou a decisão que impediu a marcha do Movimento dos Sem-Terra em dois municípios do Rio Grande do Sul – Carazinho e Coqueiro do Sul. Para a ministra, a conduta do Movimento dos Sem-Terra não garante protesto pacífico, sem invasão e ocupação de fazenda.

Entidades ligadas ao MST entraram com pedido de Habeas Corpus no STJ para derrubar decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que impediu a movimentação do grupo nestas cidades. O argumento foi o de que a decisão do TJ gaúcho fere os direitos constitucionais de locomoção e de livre associação. A Fazenda Coqueiros já foi invadida outras vezes e é alvo de reivindicação há algum tempo. Decisão do próprio TJ gaúcho já garantiu a reintegração de posse aos proprietários da fazenda.

Ao tomar conhecimento de uma nova marcha em direção à fazenda, o Ministério Público do Rio Grande do Sul propôs Ação Civil Pública para impedir o avanço. O pedido foi atendido na primeira e segunda instâncias. A ministra Nancy Andrigri confirmou a decisão. “As instâncias ordinárias colocaram em dúvida tanto a natureza pacífica da reunião quanto o compromisso dos manifestantes com o respeito às ordens judiciais, e que Direito nenhum tem natureza absoluta, especialmente quando está em questão a pacífica convivência social”, afirmou a ministra em sua decisão.

Os sem-terra haviam suspendido a caminhada, em outubro, para negociar com o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e com o Ministério do Desenvolvimento Agrário áreas assentamentos no Rio Grande do Sul. Sem progresso nas negociações, o movimento com cerca de 600 integrantes retomaram a marcha nesta semana reivindicando a distribuição de mais terras para reforma agrária. De acordo com reportagem da Folha de S. Paulo, o MST se comprometeu com o Incra a respeitar a decisão da Justiça e não forçar a entrada nas cidades em que não tem permissão.

Leia a decisão da ministra:

HABEAS CORPUS Nº 94.983 – RS (2007/0275617-2)

RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI

IMPETRANTE: FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NAS INSDÚSTRIAS METALÚRGICAS MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS

ADVOGADO: PATRICK MARIANO GOMES E OUTRO(S)

IMPETRADO: TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PACIENTE: MAURO CIBULSKI E OUTROS

EMENTA

Habeas corpus. Ação de reintegração de posse. Movimento dos Sem-Terra. Deslocamento em direção a fazenda já anteriormente invadida. Concessão de interdito proibitório em ação anterior. Impossibilidade de garantia quanto ao resultado pacífico da manifestação. Liminar concedida em ação civil pública para evitar a entrada dos manifestantes na comarca. Indeferimento de liminar em habeas corpus impetrado no Tribunal de Justiça. Necessidade de uma grave ponderação de interesses, desqualificando a alegação de teratologia na decisão.

– Não cabe habeas corpus contra indeferimento de liminar, salvo em casos de flagrante ilegalidade, sob pena de indevida supressão de instância. Súmula n.º 691/STF.

Petição inicial indeferida.

DECISÃO

Trata-se de habeas corpus coletivo impetrado por FEDERAÇÃO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS METALÚRGICAS MECÂNICAS E DE MATERIAL ELÉTRICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E OUTROS, apontando como pacientes MAURO CIBULSKI E OUTROS, contra liminar denegada pelo TJ/RS em outro habeas corpus, ali interposto contra decisão judicial proferida pela juíza de direito da comarca de Carazinho/RS que, em ação civil pública oferecida pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, concedeu liminar para “impedir que os Sem Terra, por meio do Coordenador do MST, Mauro Cibulski, e os Ruralistas e demais Produtores, pelo Presidente da FARSUL, Carlos Speroto, se abstenham de vir a Coqueiro do Sul/RS ficando desde logo, impedidos de ingressarem na Comarca de Carazinho para evitar confronto” (fls. 152-STJ).

Sustentam os impetrantes, resumidamente, que tal decisão fere os direitos constitucionais de locomoção e de livre associação dos pacientes, não restando comprovada, de forma nenhuma, que a intenção do MST com tal passeata seja invadir, novamente, a Fazenda Coqueiros – que já foi alvo de repetidas invasões, existindo inclusive decisão judicial favorável de reintegração de posse e de interdito proibitório em favor de seus proprietários.

É o breve relatório.

Nos termos da Súmula nº 691/STF, “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de “habeas corpus” impetrado contra decisão do relator que, em “habeas corpus” requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”.

Tal enunciado, aplicável também ao STJ quanto a decisões liminares proferidas pelos Tribunais de Justiça, indica que, “Excetuado casos de indeferimento de pedido liminar em decisão inquestionavelmente teratológica, despida de qualquer razoabilidade, não se admite habeas corpus contra decisão proferida pelo relator da impetração na instância de origem, sob pena de indevida supressão de instância” (HC 78.917/SP; 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 15.10.2007).

Na presente hipótese, o ato apontado como ilegal é, justamente, o indeferimento de liminar em HC impetrado perante o TJ/RS, sendo necessário, portanto, tratar a questão sob influência do que dispõe a supra citada Súmula.

Da leitura dos autos, verifica-se que a Fazenda Coqueiros, para onde declaradamente se dirigem os pacientes (fls. 08), já foi invadida em outras oportunidades pelos Sem-Terra. O imóvel vem sendo alvo de reivindicação, há algum tempo, por parte do Movimento e, no momento, há acórdão do TJ/RS garantindo a reintegração da posse aos proprietários da fazenda, além de interdito proibitório com fixação de multa pelo descumprimento da determinação judicial relativa à desocupação do imóvel.

Nesse acórdão (fls. 125/133-STJ), consignou o TJ/RS que, mesmo após o deferimento, pelo juízo, da liminar na ação de reintegração de posse, “os demandados continuaram turbando a posse do autor, destruindo cercas, cortando árvores e provocando incêndios” (fls. 127).

O Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, ao tomar conhecimento de que uma nova marcha em direção à fazenda estava em curso, propôs ação civil pública, que resultou no deferimento da medida liminar pleiteada. Tal decisão (fls. 149/153-STJ) faz referência não só à necessidade de respeito à anterior ordem judicial, mas também tece considerações relativas à preocupação com a segurança dos manifestantes, em face de eventual confronto com grupos ruralistas.

A decisão liminar ressaltou, também, que o grupo dos Sem-Terra, nas anteriores oportunidades em que pretendeu exercer pressão para a desapropriação do citado imóvel, não promoveu reunião de caráter pacífico como exige a Constituição Federal ao assegurar tal direito, ressaltando-se inclusive que o dispositivo da sentença proferida na ação de reintegração de posse ordenou que o grupo se abstivesse de condutas como “provocar incêndio, cortar árvores, subtrair gado ou qualquer outro bem” (fls. 151-STJ).

Da decisão do i. Des. Relator, por sua vez e em complemento, ressai nítida a preocupação com a impossibilidade de se garantir, desde logo, uma perspectiva pacífica para a manifestação, tanto no que concerne aos pacientes, quanto aos ruralistas (fls. 183/186-STJ).

Com base nesses elementos, e de acordo com o exame perfunctório que é possível fazer neste momento, entendo que, ao contrário do que alegam os impetrantes, a decisão alvejada não se encontra destituída de fundamentação coerente, ao menos na perspectiva exigida para a mitigação dos efeitos da Súmula nº 691/STF.

Com efeito, a assertiva de que a restrição judicialmente determinada é ilegal porque ’em nenhum momento foi afirmado que o Movimento iria ocupar a fazenda ou desobedecer a ordem judicial’ (fls. 09-STJ) tem que ser ponderada em face da própria conduta pregressa do MST, pois, conforme salientado, o imóvel já foi objeto de invasões anteriormente, e já houve, também, descumprimento expresso de ordem judicial nesse mesmo caso.

Ressaltando-se, uma vez mais, que as instâncias ordinárias colocaram em dúvida tanto a natureza pacífica da reunião quanto o compromisso dos manifestantes com o respeito às ordens judiciais, e que Direito nenhum tem natureza absoluta, especialmente quando está em questão a pacífica convivência social, nota-se que ocorre, na presente hipótese, conflito bastante grave e complexo relativo a uma série de direitos fundamentais como os de reunião, de locomoção, de propriedade e de segurança. A decisão atacada, assim, não se configura, a meu ver, desarrazoada e teratológica, conforme exige a jurisprudência para que se mitigue o rigor da Súmula nº 691/STF; ao contrário, ressalta a necessidade de uma séria ponderação de interesses e leva em conta o desenvolvimento histórico do conflito até o momento, dando devido relevo a todas as circunstâncias que compõem tal panorama sem que seja possível antever, nas conclusões a que se chegou – e em face da necessidade se ponderar, com cuidado, todos os elementos que compõem o conflito – ofensa gritante aos direitos constitucionais dos pacientes.

Forte em tais razões, com base nos artigos 34, XVIII e 210, do RISTJ, INDEFIRO LIMINARMENTE o presente habeas corpus.

Publique-se. Intimem-se. Oficie-se.

Brasília (DF), 12 de novembro de 2007.

MINISTRA NANCY ANDRIGHI

Relatora

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