Currículo contencioso

Escolas não ensinam advogado a conciliar, diz desembargador

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6 de novembro de 2007, 23h01

É preciso mudar o modo como se ensina o Direito no Brasil. A conclusão é do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, e do advogado Aurélio Wander Bastos, no seminário O ensino jurídico e a formação do magistrado, nesta terça-feira (6/11), na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro.

Segundo Nalini, o foco das faculdades está em ensinar a resolver os problemas apenas em juízo. “A conciliação e a mediação são importantes, mas não são ensinadas”, afirmou. Com a ênfase nos procedimentos, o processo se tornou mais importante do que a solução do conflito. O risco dessa realidade é consolidar uma sociedade tutelada e tirar da pessoa a possibilidade de ela própria resolver seus problemas.

A OAB também tem suas responsabilidades nessa situação, de acordo com o desembargador do TJ paulista. Pensando em reserva de mercado, a entidade coloca o advogado para resolver tudo. Prova disso é o Exame de Ordem, eminentemente prático. “Há um entendimento de que o Judiciário é a única forma de se fazer Justiça”, constatou.

Para Nalini, como um dos meios para avaliar o desempenho da escola é o Exame de Ordem, as faculdades “defasadas” começam a treinar seus alunos para passar nas provas. Assim, proliferam-se também os cursinhos cuja prioridade é fazer com que o aluno tenha capacidade de decorar.

Outro problema apontado pelo desembargador nos cursos de Direito é a fragmentação das disciplinas e o fato delas não se relacionarem umas com as outras. Na visão dele, uma matéria como Ética deveria estar presente em todas as demais, e não ser lecionada apenas em seis meses. Além disso, a ênfase está no volume de informação, como se o conhecimento fosse enciclopédico. “O curso não ensina a pensar, mas a memorizar.”

O advogado Wander Bastos demonstrou entender no mesmo sentido: disciplinas compartimentadas geram um sistema de ensino deficitário. Mas o motivo é outro. Para ele, o fundamental é relacionar fato, norma e instrumento processual mais adequado, o que não é feito pelas faculdades. Falta reproduzir na escola a realidade complexa dos tribunais. “O juiz não vai dizer que não pode levantar uma questão que não seja penal só por fazer parte de uma vara criminal”, exemplificou.

Milagre da multiplicação

Hoje, são 1.139 faculdades de Direito no Brasil, 60 apenas na capital paulista. E há muitos pedidos de abertura de mais escolas pendentes no Ministério da Educação (MEC). Os dados foram apresentados pelo desembargador Renato Nalini no seminário.

Para ele, os números mostram uma questão mais complexa. Se há a multiplicação de advogados, acaba existindo uma profusão de conflitos, que, em geral, acabam sendo resolvidos apenas com a intervenção do Judiciário.

O advogado Wander Bastos foi categórico ao afirmar que o número de faculdades não demonstra a democratização do ensino de Direito. Isso porque, segundo ele, falta uma preocupação em refletir e discutir, imprescindível em uma sociedade democrática. Para ele, é preciso pensar o código, não apenas utilizá-lo.

“O número de faculdades de Direito é absolutamente irrelevante”, afirmou o juiz do Trabalho Roberto Fragale Filho. O número que se deve refletir é o da quantidade de matriculados. Segundo ele, em 10 anos o número de alunos quadruplicou. Mas a análise que se faz disso é relativa, já que houve uma expansão significativa de matriculados no ensino superior, em geral.

Para Fragale, houve uma massificação e democratização do acesso ao ensino. “Antes, a demanda tinha que ir atrás da oferta, hoje, a oferta vai atrás da demanda”, constatou. Segundo o juiz, isso faz parte de um processo social em curso que tem de ser pensado sem a gritaria de que não existe qualidade.

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