O aprendiz

Advogados criticam proposta que altera Lei de Estágio

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2 de novembro de 2007, 23h01

A votação no Senado da polêmica proposta que altera as regras para estágios foi adiada para a próxima terça-feira (6/11) por esforço da oposição ao governo (o projeto é do Executivo) e da classe dos advogados. O Projeto de Lei 44/2007, que tramita em regime de urgência, limita o número de estagiários nas empresas, prevê que o estudante só pode passar dois anos no mesmo lugar, reduz a carga horária para seis horas diárias e determina o recolhimento obrigatório de INSS.

Aos olhos dos advogados, a proposta não condiz com a realidade e pode reduzir de forma brutal a contratação de estudantes que estejam no segundo ou terceiro ano dos cursos. Ninguém pretende formar e ensinar uma pessoa para que em dois anos ela deixe a empresa. A idéia é sempre a de que o estudante se transforme em um profissional da casa.

A fuga da realidade se traduz, de acordo com advogados que defendem a mudança do projeto, na impossibilidade de se limitar o número de estagiários. Se aprovado o projeto como está, a empresa que tiver de 11 a 25 funcionários só pode ter cinco estagiários. Com 25 ou mais empregados, o número de estudantes não pode ultrapassar 20%. Em geral, o número de estagiários em uma empresa ultrapassa esses limites, que tornaria complicada a sua aplicação.

Além do limite de vagas para estudantes, a proposta reserva de 10% das vagas para deficientes físicos. E nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio deve ser reduzida pela metade.

Uma das justificativas do Executivo para a apresentação do projeto é a de acabar com as contratações apresentadas como estágio em que as pessoas desempenham papel e responsabilidade de profissionais. Para o advogado Alexandre de Almeida Cardoso, do escritório Tozzini Freire Advogados, a proposta só vai atingir as empresas que cumprem as regras já em vigor. “Quem não cumpre, não tem porque passar a cumprir”, observou, durante participação na reunião mensal do Cesa (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados).

Segundo o advogado, os desvios só serão evitados com melhor fiscalização. Ao mesmo tempo, ele critica o poder que será concedido aos fiscais. O artigo 15 do projeto prevê que qualquer irregularidade encontrada “caracteriza vínculo de emprego do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária”.

Nos casos de reincidência, a empresa fica proibida de contratar estagiários por dois anos. Cardoso entende que a norma é radical nesse sentido. Muitas vezes, diz, pode haver problema no contrato, mas isso não quer dizer que há irregularidades na prática do estágio em si.

O advogado Wolnei Tadeu Ferreira, do escritório Honda, Dias, Estevão, Ferreira Advogados, concorda com as colocações do colega. E ressalta que a proposta nasceu de uma junção de vários projetos sobre o mesmo assunto que correm há anos no Congresso Nacional e virou um “Frankenstein”.

“A maioria das empresas usa esse tipo de mão-de-obra para qualificá-las”, declara. E ressalta que as novas possíveis regras não atendem às suas necessidades. Ferreira lembra do dispositivo do projeto de lei que oferece recesso de 30 dias remunerados aos estudantes. O advogado diz que a Lei do Estágio é voltada para a formação e não pode ter caráter social, como gosta de fazer o atual governo federal.

Em relação à contribuição obrigatória ao INSS, ele dispara mais a crítica: “O governo quer criar uma nova categoria de contribuintes para a Previdência”.

Braz Martins Neto, presidente da Comissão de Exame de Ordem e Estágio da OAB-SP, defende que a classe dos advogados deve ser excluída do alcance dessa proposta. Isso porque, segundo ele, o Estatuto dos Advogados já trata desse assunto com muita propriedade.

O presidente da Associação Paulista dos Estagiários de Direito, Felipe de Andrea Gomes, entende que a matéria deve sair da pauta de votação do Senado porque merece ampla discussão e opinião da sociedade sobre o assunto. “Não há dúvidas que a matéria tratada pela Lei do Estágio (Lei 6.494/77) deve ser atualizada, porém não em tramitação de urgência e sem a participação de todos os setores e entidades representativas da comunidade jurídica”, diz.

Gomes ressalta que o estágio é uma etapa de suma importância para o futuro profissional do estudante de Direito e, portanto, deve ser observado pelo legislador como aprendiz de um ofício e não simplesmente como uma modalidade de mão-de-obra disponível no mercado. Para ele, o Projeto de Lei 44/2007 traz avanços, como o direito a 30 dias de férias. E retrocessos, como a limitação de dois anos de estágio na mesma empresa.

A senadora Ideli Salvatti (PT-SP) é a relatora do projeto. Em relatório anexo ao substitutivo, recomenda a sua aprovação.

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