Terra envenenada

Contaminação ambiental pode custar R$ 620 milhões à Shell

Autor

13 de março de 2007, 13h01

Uma ação milionária deu entrada na Justiça do Trabalho de Campinas pedindo que as empresas Shell e Basf sejam condenadas a pagar indenização, por dano moral coletivo, no valor de R$ 620 milhões. O valor reclamado corresponde a 3% do lucro líquido das empresas. A Ação Civil Pública, com pedido de liminar, foi apresentada pela procuradora do Trabalho Clarissa Ribeiro Schinestsck.

A procuradora do Trabalho responsabiliza a Shell e a Basf por expor a riscos de contaminação todos os ex-trabalhadores que prestaram serviço às empresas na fábrica que produzia agrotóxicos na cidade de Paulínia, localizada a 126 km da capital paulista. “Pelo conjunto de provas juntados aos autos, especialmente documentos e estudos produzidos pelas próprias rés, estou convencida de que a contaminação na área da fábrica por diversos produtos químicos altamente tóxicos e com potencial carcinogênico e mutagênico, expuseram a risco a saúde dos trabalhadores e já comprometeram a vida de muitos deles”, afirma a procuradora.

O Ministério Público do Trabalho (MPT) reclama que além do pagamento da indenização as empresas sejam obrigadas a contratar um plano de saúde vitalício para todos os ex-trabalhadores. No plano, o MPT pede que sejam incluídos os moradores do bairro Recanto dos Pássaros, que fica próximo da fábrica. A procuradora pede que o valor da indenização seja revertido para Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

A ação civil pública também é assinada pela Associação de Combate aos Poluentes Orgânicos Persistentes (ACPO). A empresa Cyanamid também integra a ação, como co-ré, mas encerrou suas atividades após ser incorporada pela Basf.

Ações pontuais

Para proteger os trabalhadores expostos à contaminação, o MPT firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério da Saúde e os Municípios de Paulínia e Campinas. Pelo TAC haverá um monitoramento permanente da saúde dos trabalhadores expostos. A equipe de trabalho é formada por médicos e enfermeiros e tem 90 dias para estruturar um plano de ação e métodos de atendimento, sob pena de incidência de multa de R$ 10.000,00.

Neste período devem ficar prontas as análises de material colhido em janeiro nas paredes dos prédios que estavam prestes a serem demolidos pela BASF. Uma ação cautelar suspendeu os trabalhos de demolição para coleta do material, e após um acordo judicial que viabilizou a perícia, o material foi enviado para análise.

Outro acordo judicial realizado com a empresa Kraton, que adquiriu da Shell uma parte das instalações, permitiu também a coleta de poeira em uma unidade que estava interditada desde 2001, por estar gravemente contaminada. A análise do material da primeira coleta será custeada pela Basf e a da segunda coleta pelo Sindicato dos Químicos (Sindiquímicos).

Em outra frente, o Ministério Público Estadual conseguiu, em 2001, por meio de Ação Civil Pública, a antecipação de tutela e remoção dos moradores do bairro Recanto dos Pássaros para um hotel, onde moram até hoje. A liminar foi confirmada pelo Tribunal de Justiça paulista. Cerca de 840 ex-trabalhadores da Shell e da Basf tentam na Justiça provar que foram intoxicados durante anos de trabalho com produtos cancerígenos. Ao menos cem ações individuais tramitam na Justiça.

Contaminação

Entre 1975 e 1993, a Shell fabricou agrotóxicos em sua fábrica de Paulínia. A empresa contaminou o lençol freático com os organoclorados: Aldrin, Endrin e Dieldrin. Três vazamentos destes componentes químicos foram oficialmente registrados durante os anos de produção. A contaminação atingiu moradores do bairro Recanto dos Pássaros.

A comercialização destes produtos foi interrompida no Brasil em 1985, através da portaria 329, de setembro de 1985, do Ministério da Agricultura. Mas foi permitido o comércio de iscas para formigas e cupinicida elaborados a base de Aldrin e destinados a reflorestamentos. Entretanto, a fabricação para exportação continuou até 1990.

Em 1998, através da Portaria 12 do Ministério da Saúde, estes produtos foram completamente proibidos. Hoje os “drins” também são banidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) por estarem associados à incidência de câncer e a disfunções dos sistemas reprodutor, endócrino e imunológico.

Em 1994, quando a Shell estava prestes a vender a área para a Cyanamid Química, foi realizado um levantamento do passivo ambiental da unidade para que a transação fosse concluída. Foi identificada uma rachadura numa piscina de contenção de resíduos que havia contaminado parte do lençol freático.

A empresa realizou uma autodenúncia junto ao Ministério Público, que deu origem a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A Shell teve que se encarregar da construção de uma estação de tratamento que processa toda a água que passa por baixo do terreno. Entretanto, ela não admitiu qualquer contaminação com drins, nem vazamentos para fora do seu terreno.

A nova proprietária da unidade, a Cyanamid, acabou vendendo a fábrica para a indústria química alemã Basf em dezembro de 2000.

Em 1996, a Shell encomendou dois laudos técnicos sobre a contaminação do lençol freático fora da área da empresa aos laboratórios do Instituto Adolpho Lutz, de São Paulo, e Lancaster, dos Estados Unidos. O laboratório brasileiro não detectou a presença de contaminantes, mas o norte-americano confirmou a presença de drins na água do subsolo.

A Shell manteve em sigilo o relatório do laboratório Lancaster até março de 2000. Alegou que o seu resultado foi um “falso positivo”. Na época, a agência ambiental paulista, a Cetesb, recolheu, pela primeira vez, amostras de poços e cisternas do bairro, que foram analisados pela própria Cetesb, pelo laboratório Ceimic, contratado pela Shell e pelo laboratório Tasqa, pago pela Prefeitura de Paulínia. Os exames constataram a presença de dieldrin na água.

Em dezembro de 2000, novas amostras foram coletadas pela Cetesb, o Instituto Adolfo Lutz e o laboratório Ceimic. As análises comprovaram a contaminação da água dos poços com níveis até 11 vezes acima do permitido na legislação brasileira. Diante de tais resultados, pela primeira vez a Shell admitiu ser a fonte da contaminação das chácaras da redondeza.

Em fevereiro de 2001, cerca de 100 moradores da região fizeram uma vigília de vários dias em frente à fábrica. Em abril, a Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública em Brasília para discutir o assunto e criou uma comissão para acompanhar seus desdobramentos.

Na mesma época, um ex-funcionário da empresa confirmou a existência de quatro aterros clandestinos dentro da área da fábrica, onde a Shell depositava cinzas do incinerador e resíduos industriais. Na seqüência, a Cetesb admite que errou ao não solicitar uma avaliação das condições do solo e da água do Recanto dos Pássaros.

Doenças

Vários órgãos começam a avaliar a saúde dos vizinhos da fábrica. A Prefeitura de Paulínia pediu ao laboratório da Universidade Estadual Paulista (Unesp) para que realizasse exames de sangue.

Divulgados em agosto de 2001, os exames indicaram que 156 pessoas — 86% dos moradores do bairro — apresentavam pelo menos um tipo de resíduo tóxico no organismo. Desses, 88 apresentam intoxicação crônica, 59 tinham tumores hepáticos e da tireóide e 72 estavam contaminados por drins. Das 50 crianças avaliadas, que tinham até 15 anos, 27 manifestavam um quadro de contaminação crônica. Outros exames constataram a presença de metais pesados no organismo de três moradores, Os metais encontrados foram arsênico, alumínio, níquel, berílio e chumbo.

A empresa contestou tais resultados, que considerou inconsistentes e incompletos. Um laudo, encomendado pela Shell, concluiu que não havia nenhum caso de contaminação no bairro. A empresa também negou que tivesse manipulado metais na unidade de Paulínia.

Em dezembro de 2001, a Justiça de Paulínia determinou que a Shell removesse os moradores de 66 chácaras do Recanto dos Pássaros, atendendo pedido do Ministério Público Estadual. Ela também deveria garantir os tratamentos médicos necessários. A empresa, juntamente com a Cetesb, também é alvo de uma Ação Civil Pública movida pela Prefeitura de Paulínia, Ministério Público e pela associação dos moradores do bairro. Na seqüência, a Shell começou a comprar propriedades dos moradores dispostos a vendê-las.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!