Interesse jornalístico

Uso de imagem em reportagem não gera danos morais

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11 de março de 2007, 0h01

Configurado o interesse público e caráter jornalístico de reportagem não há que se falar em danos morais por uso indevido de imagens de personagens do tema abordado. Aplicando este entendimento, o juiz Flávio Abramovici da 20ª Vara Cível Central de São Paulo livrou a TV Globo de pagar indenização a Philippe Gioseffi.

De acordo com o processo, Gioseffi teria sido exibido em uma reportagem da emissora jogando um explosivo no meio da torcida do Santos durante uma partida de futebol no estádio do Santos, em 2002. O torcedor pediu ao juiz para a condenar a TV Globo ao pagamento de indenização equivalente a 3.600 salários mínimos (R$ 1,26 milhão) pelo uso indevido de sua imagem e danos morais.

O juiz negou o pedido e ainda condenou Gioseffi ao pagamento de custas e despesas processuais, além dos honorários advocatícios dos advogados da TV Globo, fixado em R$ 3.500.

O juiz observou que a fita de vídeo apresentada na audiência de instrução e julgamento por Gioseffi não era da Globo, mas da TV Gazeta. A fita apresentada pela Globo, pro sua vez, não contém nenhuma menção ofensiva ao autor. Para o juiz, não há dúvida de que Gioseffi jogou um explosivo sobre os torcedores, fato confirmado pelas reportagens sobre o jogo.

“A realização de reportagens, com a menção aos incidentes e à apuração dos fatos pelas autoridades policiais, não apresenta qualquer ofensa à honra do autor, limitando-se à descrição dos fatos ocorridos, sendo desnecessária, ainda, a autorização do autor para a divulgação da sua imagem (fato sequer demonstrado, ressalte-se), em razão do caráter jornalístico das reportagens, com evidente interesse público, com o regular exercício da atividade empresarial, pela requerida”, conclui o juiz.

Leia a íntegra da sentença

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Processo nº 583.00.2002.108932-0

20ª Vara Cível Central de São Paulo/SP

VISTOS.

PHILIPPE GIOSEFFI move “ação de reparação por uso indevido da imagem e dano moral”, via procedimento ordinário, contra TV GLOBO LTDA..

Alegou que, em 10 de março de 2002, “teve sua imagem indevidamente divulgada pela TV Globo”, que “estava assistindo a uma partida de futebol de campo, juntamente com seus colegas no Estádio do Santos Futebol Clube na Vila Belmiro na cidade de Santos, quando por volta das 16h30m fora envolvido em um incidente tendo sido divulgada a sua imagem como quem teria sacado e arremessado, de forma intencional, um material explosivo em direção à torcida do Santos”, que a Requerida “inadvertidamente permitiu que fossem levadas ao ar a imagem de um adolescente em detrimento das garantias constitucionais que lhe são reservadas”, que “o registro do fato enfatizado pelas câmeras que cobriam o evento, conduziu a uma falsa da culpa do peticionário, não se atendo às circunstâncias que as precederam, o que induziu vários outros jornais e Tvs a apontarem o menor como um delinqüente juvenil, enxovalhando o seu conceito e sua auto-estima”, e que “fora acusado de contrabandear um artefato explosivo para o estádio”.

Aduziu que a Requerida cedeu as imagens para outras emissoras de televisão, com a exploração indevida da imagem do Autor, que “foi lançada notícia de modo a distorcer e produzir um efeito sensacionalista com o escopo de propiciar e garantir a audiência e promover a Ré na pontuação do IBOPE”, que “Em razão do noticiário leviano, encartado pela Ré, mergulhou o Autor em um mar profundo de depressão”, que a Requerida “violou a honra subjetiva e objetiva do Autor, pois com o conteúdo do que foi noticiado, aquela sem qualquer consideração ignorou, da mesma forma, o princípio da dignidade da pessoa humana”, que houve o uso indevido e sem autorização da imagem do Autor e dano moral (“em razão da divulgação de sua imagem”), que “teve sua imagem veiculada de forma asquerosa, pois o meio empregado e a forma de que foram registrada imprimiu-lhe a pecha de uma adolescente de alta periculosidade”, que lhe foi “atribuído o adjetivo de marginal em flagrante violação à sua honra subjetiva a tipificar o delito de injúria”.

Pediu a tutela antecipada, para a requisição das fitas de vídeo que estão em poder da Requerida, e a procedência da ação, para a condenação da Requerida ao pagamento da quantia correspondente a 3.600 salários mínimos (“a título de uso indevido de sua imagem e dano moral”) e “veicular no mesmo dia da semana (Domingo) e horário (16h30m), a imagem do Autor (de forma distorcida para não identifica-lo) com a mensagem: ‘ – este jovem teve sua imagem divulgada sem a sua permissão e, mais, sequer ainda tinha sido julgado pelo juiz competente”.

A inicial (fls.02/14) veio acompanhada de documentos (fls.15/19).

A r. decisão de fls.22 indeferiu o pedido de tutela antecipada, e o Autor, a seguir, emendou a inicial (fls.23).

Citada (fls.27), a Requerida apresentou contestação (fls.34/40), com documentos (fls.41/44). Alegou que não divulgou o nome do Autor ou qualquer informação que pudesse levar à sua identificação pelo público, que “sua imagem foi mostrada de forma desfocada, justamente por ser o Autor menor de idade”, nas reportagens realizadas, que não veiculou qualquer fato inverídico, que o Autor “foi efetivamente preso na cidade de Santos aos 10 de março do corrente, por haver arremessado uma bomba de fabricação caseira na torcida adversária – bomba essa que explodiu, ferindo ao menos um torcedor”, que não demonstrado nenhum dano específico, e que eventual condenação deve ser concedida dentro dos parâmetros de moderação e razoabilidade.

Réplica a fls.47/50, insistindo o Autor na procedência da ação.

A Dra. Promotora de Justiça manifestou-se a fls.51 e verso (ante a menoridade do Autor – nasceu em 05 de abril de 1.986 – fls.24).

Sobreveio o saneador de fls.83 que deferiu a produção de provas pericial (degravação da fita de vídeo apresentada pela Requerida), documental, e testemunhal, determinando-se, ainda, a expedição de ofício ao MM. Juízo da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Santos, para que informasse acerca do trâmite do procedimento instaurado em face do ato infracional atribuído ao Autor (com a remessa das cópias pertinentes), o que foi atendido (fls.241/260).

A decisão de fls.202 reconheceu que, em razão da maioridade civil do Autor, cessou a atuação do representante do Ministério Público.

Laudo pericial a fls.225/228, manifestando-se as partes (fls.231 e 233/235).

Na audiência de instrução e julgamento (termo a fls.277), infrutífera a tentativa de conciliação, o Autor apresentou documentos (fls.284 e fita de vídeo) e, incorrendo a produção de outras provas, foi declarada encerrada a instrução.

Em alegações finais, por memoriais, as partes insistiram em seus pontos de vista, cada qual sustentando a validade da prova em seu favor (fls.286/290 e 292/294). O Autor apresentou os documentos de fls.295/306, manifestando-se a Requerida (fls.308/309).

É o relatório.

DECIDO.

A ação está fundada nos alegados danos causados pela Requerida ao Autor, quando foi envolvido em incidente no estádio do Santos Futebol Clube, com a divulgação da imagem do Autor “como quem teria sacado e arremessado, de forma intencional, um material explosivo em direção à torcida do Santos”, e também no uso indevido da imagem do Autor. O Autor não apresentou a fita de vídeo relativa à gravação do jogo de futebol em que ocorreram os incidentes entre as torcidas, e a fita de vídeo apresentada quando da realização da audiência de instrução e julgamento (termo de fls.277) refere-se à gravação efetuada por emissora diversa (TV Gazeta).

A Requerida, por sua vez, apresentou fita de vídeo contendo reportagens referentes à partida de futebol (incluídos os incidentes envolvendo as torcidas) e ao ato infracional que teria sido praticado pelo Autor. A fita de vídeo trazida pela Requerida demonstra que, nas reportagens, inocorreu a menção ao nome do Autor e sequer a apresentação de dados que pudessem identificá-lo, tomando-se a cautela, ainda, da apresentação da imagem desfocada do rosto do Autor, ante a sua menoridade (naquela data).

Por outro lado, os fatos narrados (nas reportagens) correspondiam à realidade, pois afirmado que um torcedor arremessara a bomba, o que o Autor reconheceu que fez, mas negando que soubesse que se tratava de material explosivo (“arremessou o objeto em direção à torcida adversária, mas não sabia que se tratava de material explosivo” – declaração prestada na delegacia de policial – fls.17).

É incontroverso que o objeto arremessado pelo Autor era um artefato explosivo, e as reportagens mencionaram que houve o arremesso da bomba por um torcedor. As reportagens não traziam a informação de que o Autor teria “sacado” a bomba (da bolsa que portava), mas sim sobre o arremesso da bomba, e não houve a utilização do adjetivo “marginal”, como afirma o Autor.

A Requerida não foi notificada pelo Autor para a guarda e preservação da fita de vídeo relativa à gravação do jogo de futebol (com os incidentes), daí não estar obrigada à preservação do material, e o Autor, por sua vez, não apresentou documentos que comprovassem os fatos alegados, notando-se que a fita de vídeo gravada pela TV Gazeta não comprova que a Requerida tenha praticado ato ilícito que tenha causado dano moral ao Autor.

A realização de reportagens, com a menção aos incidentes e à apuração dos fatos pelas autoridades policiais, não apresenta qualquer ofensa à honra do Autor, limitando-se à descrição dos fatos ocorridos, sendo desnecessária, ainda, a autorização do Autor para a divulgação da sua imagem (fato sequer demonstrado, ressalte-se), em razão do caráter jornalístico das reportagens, com evidente interesse público, com o regular exercício da atividade empresarial, pela Requerida.

Destarte, não comprovando o Autor que a Requerida tenha praticado ato ilícito, reconhecido, ainda, o interesse público das reportagens realizadas (o que torna incabível a indenização por uso indevido da imagem), sendo lícita a conduta da Requerida, de rigor a improcedência da demanda. Não é caso de condenação do Autor às penas da litigância de má-fé, porque não evidenciado o preenchimento dos requisitos descritos no artigo 17 de Código de Processo Civil.

ANTE O EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE a ação, condenando o Autor ao pagamento das custas e despesas processuais (corrigidas desde as datas dos desembolsos) e dos honorários advocatícios dos patronos da Requerida, que fixo em R$ 3.500,00 (três mil e quinhentos reais), consoante o disposto no artigo20, parágrafo quarto, do Código de Processo Civil, incidindo correção monetária desde hoje.

A execução das verbas somente ocorrerá se comprovado que o Autor perdeu a condição de beneficiário da gratuidade processual.

Transitada esta em julgado, arquivem-se os autos.

P. R. I. C.

São Paulo, 07 de fevereiro de 2.007.

FLAVIO ABRAMOVICI

JUIZ DE DIREITO

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