Pedestre atropelado

Supremo discute alcances da responsabilidade objetiva

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9 de março de 2007, 0h01

Para o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, empresa de transporte público responde objetivamente pelos danos de atropelamento, ainda que a vítima não seja usuária do serviço. Com este entendimento o ministro, relator do caso, rejeitou Recurso Extraordinário contra decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, que condenou a transportadora Borborema pelo atropelamento de uma pessoa.

Acompanharam o voto do relator a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e os ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto.

O julgamento foi suspenso com pedido de vista do ministro Eros Grau.

No recurso, a empresa alega violação ao artigo 37 da Constituição Federal, argumentando que no caso não cabe responsabilidade objetiva, já que “a pessoa atropelada não era usuária do serviço de transporte coletivo em questão”. Por isso, “se faz necessária a perquirição da culpa, para que possa consubstanciar-se o direito à indenização. Neste caso, a aplicação da responsabilidade objetiva extrapola os termos da vigente Constituição, o que brada por reforma”, conclui a empresa.

Barbosa disse que o fundamento da decisão do TJ pernambucano é o parágrafo 6º, artigo 37 (pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes causarem a terceiros).

O ministro lembrou que o Brasil adota, desde 1946, “um regime de responsabilidade do estado que figura entre os mais liberais, um sistema que é mais propício a atender aos interesses da vítima – pessoa física ou jurídica que sofre danos em razão de atos praticados pelo Estado, ou por seus prepostos, agentes ou colaboradores”.

A responsabilidade objetiva do Estado se baseia em dois fundamentos jurídicos irretocáveis, para Barbosa. Primeiro, que ao “atuar e intervir nos mais diversos setores da vida social, a administração submete seus agentes e também o particular a inúmeros riscos”.

Para o ministro, os riscos são da essência da atividade administrativa e resultam da multiplicidade das suas intervenções, indispensáveis ao atendimento das diversas necessidades da coletividade. “O risco administrativo decorre de uma atividade lícita e absolutamente regular da administração, daí o caráter objetivo desse tipo de responsabilidade, que faz a abstração de qualquer consideração a respeito de qualquer culpa do agente causador do dano”.

O segundo fundamento é o da igualdade de todos os cidadãos perante os encargos públicos. Segundo este princípio, os danos sofridos pelos cidadãos, em função das atividades do Estado, devem ser compartilhados por toda a coletividade.

Para ele, o fato de uma prestação de serviço ser transferida para uma empresa privada, não tira da atividade sua natureza eminentemente pública e estatal. “Na concessão, o particular concessionário apenas faz as vezes do Estado”.

Desta forma, Joaquim Barbosa discorda do entendimento de que a responsabilidade objetiva de empresas privadas, prestadoras de serviços públicos, se refere apenas ao usuário e não em relação às pessoas não integrantes dessa relação.

“Penso ser incabível tal distinção em matéria de responsabilidade civil do Estado. Para fins de fixação dessa responsabilidade, é inteiramente irrelevante uma ou outra qualidade ou condição pessoal da vítima dos danos. Introduzir uma distinção adicional entre os usuários e não usuários do serviço significa um perigoso enfraquecimento do princípio da responsabilidade objetiva, cujo alcance o constituinte de 1988 quis o mais amplo possível”, concluiu Joaquim Barbosa. Acompanharam o voto do relator a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e os ministros Ricardo Lewandowski e Carlos Ayres Britto.

Ao iniciar seu voto, Eros Grau disse que o recurso lembra um caso histórico muito conhecido no meio jurídico, o de Agnès Blanco. Por isso, e por considerar o tema “extremamente complexo”, o ministro Eros Grau pediu vista.

No caso Blanco, a menina Agnès Blanco foi atropelada por uma vagonete da Companhia Nacional de Manufatura de Tabaco, de exploração do Estado, em 1873, em Bordeaux, na França. O pai da menina acionou a justiça, com um pedido de indenização, alegando a responsabilidade civil do Estado por prejuízos causados a terceiros, em face das atividades de seus agentes. O pedido chegou ao Conselho de Estado Francês, que decidiu pela responsabilização do Estado pela reparação dos danos causados à menina atropelada.

Recurso Extraordinário 459.749

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