Saúde constitucional

Não se deve confundir direito à saúde com direito a remédio

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2 de março de 2007, 12h32

O artigo 196 da Constituição Federal, ao assegurar o direito à saúde, se refere, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando o acesso universal e igualitário. Não garante situações individualizadas, como o fornecimento de remédios excepcionais e de alto custo que estão fora da lista do Sistema Único de Saúde.

O entendimento é da ministra Ellen Gracie, presidente do Supremo Tribunal Federal, ao acolher parte do pedido de Suspensão de Tutela Antecipada do estado de Alagoas. A intenção era suspender o fornecimento de todos os medicamentos necessários para o tratamento de pacientes renais crônicos em hemodiálise e pacientes transplantados. A ministra aceitou que o estado forneça apenas os que estão listados pelo SUS.

O pedido, por envolver matéria constitucional, foi enviado ao STF pela presidência do Superior Tribunal de Justiça. Trata-se da interpretação e aplicação dos artigos 23, inciso II (“É competência comum da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios: (…) cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência”) e 198, inciso II da Constituição Federal (“As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: (…) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais”).

A Procuradoria Geral do Alagoas sustentou ocorrência de grave lesão à economia pública, porque a liminar concedida generalizou a obrigação do estado de fornecer “todo e qualquer medicamento necessário ao tratamento dos transplantados renais e pacientes renais crônicos”. Ainda impôs “a entrega de medicamentos cujo fornecimento não compete ao estado dentro do sistema que regulamenta o serviço”.

O estado de Alagoas ainda afirmou existência de grave lesão à ordem pública porque o fornecimento de medicamentos, além daqueles relacionados na Portaria do Ministério da Saúde e sem o cadastramento dos pacientes, inviabiliza a programação orçamentária do estado e o cumprimento do programa de fornecimento de medicamentos excepcionais.

A ministra Ellen Gracie, ao admitir a competência do STF para analisar o pedido, declarou estar configurada a lesão à ordem pública, já que a execução de decisões como esta “afeta o já abalado sistema público de saúde”. A presidente do Supremo considerou que “a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários”.

Ellen Gracie também afirmou que a norma do artigo 196 da Constituição, ao assegurar o direito à saúde, “refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário, e não em situações individualizadas”.

A ministra concluiu pela aceitação parcial do pedido diante da constatação de que o estado de alagoas não está se recusando a fornecer tratamento aos associados. A decisão limita a responsabilidade da Secretaria Executiva de Saúde do estado de alagoas ao fornecimento apenas dos medicamentos listados na Portaria 1.318, do Ministério da Saúde.

Orientação

A posição do Supremo, apesar de não ser definitiva, deve mudar a interpretação dada até hoje pelo pela primeira e segunda instâncias em relação à matéria. Juízes e desembargadores têm aplicado o artigo 196 da CF (”A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”) para obrigar as Secretarias de Saúde a garantir tratamento médico para os pacientes com o fornecimento de remédios, independentemente da previsão do SUS.

O entendimento é de que o direito à saúde é uma garantia constitucional e um dever do Estado. Por outro lado, existe uma corrente minoritária que entende não caber ao Poder Judiciário implementar políticas públicas de saúde.

O advogado especialista em Direito Administrativo Carlos Ari Sundfeld explica o motivo da divergência. Para ele, enquanto os tribunais têm uma visão mais complexa do problema, levando em conta em suas decisões o interesse coletivo com todas as implicações, os juízes de primeiro grau são mais sensíveis aos interesses particulares do cidadão de classe média. “São vítimas do mundo simplório em que vivem”, diz.

“O juiz olha o caso e se sente muito tentado a resolver a situação, porque parece que aquilo está ao seu alcance e não tem efeito negativo. Só que, evidentemente, quando se soma o dinheiro necessário para isso, acaba se desviando recursos que o Estado investiria em outra coisa. Os juízes são espécies de vítimas do mundo simplório em que vivem. É o mundo da ação individual, da ação proposta como um conflito binário isolado. E ele acaba sendo um administrador de Justiça no sentido mais tradicional”, defende.

STA 91

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