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Leia voto de Lewandowski sobre varas especializadas

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28 de maio de 2007, 0h00

Uma resolução que criou varas especializadas, depois que o processo já estava em andamento, não tem condão para retirar a competência do juiz escolhido para cuidar do caso. É assim que pensa o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal.

A sua conclusão foi apresentada em voto-vista no julgamento de um pedido de Hábeas Corpus apresentado em favor de Roberto de Barros Leal Pinheiro. Ele é acusado de crimes contra o sistema financeiro, contra a ordem tributária e apropriação indébita.

O processo a que responde começou a ser julgado pela 12ª Vara Judiciária do Ceará. Depois de uma resolução do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que criou varas especializadas, o seu processo passou a correr na 11ª Vara.

O Superior Tribunal de Justiça entendeu que a resolução poderia, sim, alterar a vara competente para julgar o caso. Por isso, a defesa recorreu ao Supremo. Os advogados alegam que a Resolução 10-A/2003 do TRF-5 é inconstitucional, por ferir o artigo 96, II, da Carta Magna, a separação de poderes e o princípio do juiz natural. Além disso, argumentam afronta ao artigo 75, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

As três primeiras alegações não foram acolhidas pelo ministro Lewandowski, que seguiu entendimento da ministra Cármen Lúcia, relatora do processo.

A violação à separação de poderes foi afastada pelo ministro, porque, segundo ele, ao Poder Judiciário é dado, no exercício da autonomia administrativa que a Constituição Federal lhe confere, fixar a competência dos órgãos judicantes que o integram.

Para o ministro, também não houve ofensa ao princípio do juiz natural — “aquele cuja competência jurisdicional é prévia e formalmente estabelecida antes dos fatos”. Isso porque, esclareceu Lewandowski, a resolução do TRF-5 conferiu à 11ª Vara Federal determinadas competências, in abstracto, sem fazer menção a pessoas ou situações.

O que houve foi uma afronta ao artigo 75 do Código de Processo Penal. “Tal regra diz respeito à situação em que, havendo uma pluralidade de juízes competentes, um deles deverá ser escolhido pelo critério temporal quanto ao conhecimento dos fatos”.

Neste caso, prosseguiu o ministro, tanto o juiz da 12ª quanto o da 11ª Vara Federal eram igualmente competentes, “fixando-se a 1ª vara em detrimento da 2ª pela regra do Código do Processo Penal”.

Leia o voto do ministro

22/05/2007

1ª TURMA

HABEAS CORPUS 88.660-4 CEARÁ

V O T O

(VISTA)

O Sr. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI – Trata-se de investigação movida contra o paciente, por meio de inquérito policial, que tramitava perante a 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, suspeito de haver cometido delitos contra o sistema financeiro nacional e a ordem tributária, bem assim os crimes de branqueamento de capitais e apropriação indébita.

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região, resolvendo conflito de competência perante ele suscitado, entendeu que o inquérito em questão deveria ser encaminhado à 11ª Vara Federal daquela mesma Seção Judiciária.

Isso porque a Resolução nº 10-A, de 11 de junho de 2003, daquele Tribunal conferiu à mencionada 11ª Vara Federal a atribuição de cuidar de inquéritos policiais relativos a crimes contra o sistema financeiro nacional e de lavagem e ocultação de bens, dentre outros. Esse diploma normativo, cumpre notar, regulamenta a Resolução nº 314, de 12 de maio de 2003, do Conselho de Justiça Federal.

Segundo os impetrantes, a Resolução nº 10-A/2003 seria inconstitucional por ferir (i) o art. 96, II, da Carta Magna, (ii) a separação de poderes e (iii) o princípio do juiz natural. Seria, ainda, ilegal, por contrariar o art. 75, parágrafo único, do Código de Processo Penal.

Nenhuma das alegações acima foi acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça, que denegou habeas corpus impetrado contra a redistribuição do inquérito policial em tela, por maioria de votos.

As mesmas teses, grosso modo, embasam o presente writ.

Passo a examiná-las uma a uma.

Inicio afastando a pretensa violação à separação de poderes, que consistiria no fato de não se ter proposto ao Poder Legislativo a alteração da organização e da divisão judiciárias, nos termos do art. 96, II, da Constituição Federal.

Ocorre que, como bem observou a eminente Relatora, Ministra Carmem Lúcia, ao Poder Judiciário é dado, no exercício da autonomia administrativa que a Constituição Federal lhe confere, fixar a competência dos órgãos judicantes que o integram.

De fato, o texto constitucional não exige que o Poder Judiciário submeta sua organização interna ao Poder Legislativo, salvo naquelas situações em que se alterem as estruturas estabelecidas em lei formal. Mas não é esse o caso dos autos, porquanto a competência das Varas Federais não foi estabelecida pela via legislativa. Assim, não há que se falar em inconstitucionalidade do diploma normativo impugnado por violação da separação de poderes.

Também não colhe o argumento de que teria sido ferido o princípio da reserva legal, visto que os poderes do TRF/5 para a confecção da Resolução em comento decorrem, como visto, da própria autonomia administrativa que o texto constitucional confere aos tribunais.

Não prospera igualmente a terceira tese defensiva, segundo a qual teria havido violação ao princípio do juiz natural, isto é, aquele cuja competência jurisdicional é prévia e formalmente estabelecida antes dos fatos, porque a Resolução nº 10-A, de 11 de junho de 2003, do TRF/5, conferiu à mencionada 11ª Vara Federal determinadas competências, in abstracto, sem fazer menção a pessoas ou situações.

Acolho, todavia, tal como o fez a ilustre Relatora, a quarta tese da defesa, qual seja, a de que teria havido afronta ao art. 75 do Código de Processo Penal, porquanto a remessa do inquérito policial à 11ª Vara feriria a regra da precedência na distribuição.

Tal regra diz respeito à situação em que, havendo uma pluralidade de juizes competentes, um deles deverá ser escolhido pelo critério temporal quanto ao conhecimento dos fatos traduzidos em linguagem jurídica nos autos.

Tenho que no caso em apreço, à época da distribuição do IP, tanto o juiz da 12ª como da 11ª Vara Federal eram igualmente competentes, fixando-se a primeira em detrimento da segunda pela regra do art. 75 do CPP.

Com efeito, a alteração de competência por meio da Resolução 10-A/2003, embora constitucional, não tem o condão de alterar a condição de juiz competente do magistrado da 12ª Vara Federal em relação aos processos nos quais, segundo consta, deferiu medidas liminares de busca e apreensão na fase investigatória, dentre outras, razão porque não se sustenta a exceção contida no referido diploma normativo em face do art. 75 do referido diploma processual.

Ante o exposto, acompanho integralmente a Ministra Relatora para, também eu, conceder a ordem de habeas corpus requerida, de maneira a que o paciente seja julgado pela 12ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Ceará, atento às circunstâncias do caso concreto.

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