Operação Navalha

Ministro Gilmar Mendes tocou na ferida não cicatrizada

Autor

  • Érick Vanderlei Micheletti Felicio

    é advogado criminalista delegado regional da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp) em Sorocaba (SP) membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e especialista em Direito Constitucional Brasileiro pela Universidade São Francisco.

25 de maio de 2007, 15h56

Causou espanto, principalmente àqueles que não convivem no meio jurídico, as declarações oportunas do ministro Gilmar Mendes, chamando de “canalhice” o envolvimento precipitado e vil de seu nome, em vista da existência de homônimo, nas investigações da Polícia Federal, o que teria ocorrido, segundo o ministro, como represália decorrente das ordens concedidas em Habeas Corpus, ajuizados contra prisões ilegais originadas da recente operação daquela que busca ser, numa verdadeira e lamentável crise de identidade, quase sem limites, o “FBI Brasileiro”.

Porém, o ministro Gilmar Mendes — como o seu companheiro ministro Marco Aurélio — tocou na “ferida” sócio-jurídica não cicatrizada, de maneira correta e corajosa, ao expressar que as prisões estão sendo banalizadas no Brasil. A crítica procede.

Não apenas no caso de prisões temporárias, as quais nasceram de anterior medida provisória e representam, hoje, nada mais, do que a “legalização” das nefastas e antigas “prisões para averiguação”. Também no caso de prisões preventivas o abuso na decretação é latente, chegando a dar a impressão, aos operadores do Direito, de que se instituiu, novamente, a sua obrigatoriedade.

Fundamentação precária, baseada em presunções, ilações, enfim, qualquer dado, por mais insignificante e desprovido de objetividade, abstrato, é motivo para “justificar” o cárcere. Pior, dando-lhe o apelido de “cautelar”, mesmo quando nenhuma instrumentalidade represente tal encarceramento.

Cadeia virou regra, “termo” inicial e “oficial” de qualquer investigação ou processo criminal, invertendo-se a ordem das coisas e os valores democráticos. A expiação e condenação públicas como gênese dos procedimentos criminais.

E a defesa dos cidadãos — suspeitos ou acusados — e de seus direitos fundamentais pétreos?

Aliás, para que Defesa? Por que permitir que advogados tenham acesso a inquéritos ou autos processuais? Advogados só atrapalham. Se o suspeito é inocente, garantir-lhe acesso aos autos e informações sobre a imputação é verdadeiro absurdo? Mera formalidade que atrapalharia e criaria impunidade, ferindo o sigilo das investigações!

Sigilo, diga-se de passagem, que apenas existe para os advogados dos precariamente encarcerados, mas não atinge a imprensa, imune a qualquer segredo decretado, principalmente se o caso — que originou a prisão — representa escândalo digno do horário nobre da TV. Prender alguém, então, sob as lentes televisivas, virou atração circense. Palhaçada generalizada.

Lembro-me da prisão veiculada numa emissora, gravada — segundo o meio de comunicação — pela própria polícia, em que um policial colocava as algemas em suspeito que sequer esboçava reação ou resistência, dando-lhe, ainda, lição de moral demagógica, talvez destinada ao referido horário nobre. Berrava o policial, olhando – com o chamado “canto de olho” — para a câmera: “Este país está mudando”. Sem notícias de que isso lhe tenha rendido o “Oscar”, o show rendeu aplausos dos que acreditaram na cena.

Os pensamentos supramencionados, em forma de indagações, povoam as mentes e determinam as condutas de determinadas “autoridades autoritárias”. Repudiados os abusos pelo STF, resta estabelecida a polêmica. Essa consciência da prevalência dos Direitos Fundamentais e da proibição de banalização das prisões deveria ser verificada também nas as instâncias inferiores, pois nem todos os atuais e futuros réus têm, ou terão, possibilidade de levar suas súplicas aos Tribunais Superiores.

Como asseverou importante vulto, até o inferno, que é o centro de toda e qualquer confusão, apresenta certa ordem! Porém, no Brasil, em nome de uma ilusória segurança pública e do pseudo combate à corrupção, o Estado permite o desvirtuamento do Ordenamento Jurídico, criando desordem sequer verificada nos recintos infernais — de acordo com o vulto parafraseado — transformando a prisão (exceção) em regra, sob os “discursos de autoridade” inflamados, sofismas mascarados pela idéia de prestação de contas a ser dada à população, esta cansada da criminalidade crescente. E mais: continua-se a combater o crime em sua conseqüência, esquecendo-se de sua verdadeira origem.

Com razão, nessa perspectiva, as palavras do atual Presidente do Conselho Federal da OAB, quando menciona o surgimento de um eventual Estado que preza o “marketing facista”.

Fico tentando entender a “mágica” da sedução no discurso desses ditadores do Direito, que conseguem desvirtuar garantias constitucionais e normas/princípios da mesma natureza, alegando a defesa, pasme-se, do Estado de Direito e Democrático, por eles violado.

O desrespeito à Constituição não pode ser considerado meio rápido e eficiente para combater a criminalidade crescente. O Estado não pode se igualar, em artifícios e ardis, àqueles que visa punir.

A verdade é que o STF, atualmente, vem cumprindo seu nobre dever, com equilíbrio e ponderação. E tal atividade não pode ser cerceada por “paixões” e interesses obscuros ou corporativistas. Ampla defesa, por exemplo, que engloba o respeito às prerrogativas daqueles que a exercerão tecnicamente (advogados) , não é mera formalidade, “capricho legal e constitucional”, enfim, não é “dispensável” conforme os momentos e as ocasiões aparentemente propícios, decorrentes de clamores, dos rótulos de classificação de determinados delitos, e dos demais elementos apócrifos que acabam por ferir as liberdades públicas em sentido geral, com a supressão das normas e garantias constitucionais pétreas.

O bom Juiz deve ter um compromisso com a “imparcialidade” e não pode ter “medo” de desagradar mídia, Polícia ou Ministério Público. Somente sem cerceamento “explícito” ou “implícito” da defesa e dos direitos fundamentais, essa imparcialidade poderá ser visualizada e atingida, seja qual for o resultado final dos procedimentos e processos criminais.

No entanto fica o alerta: essas mesmas normas e garantias constitucionais devem ser respeitadas nas instâncias inferiores, seja qual for o status social e econômico do acusado ou suspeito, pois, como alertou Rui, em sua Oração aos Moços, não é lícito ignorar “o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua de recursos”.

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    é advogado criminalista, delegado regional da Associação dos Advogados Criminalistas do Estado de São Paulo (Acrimesp), em Sorocaba (SP), membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e especialista em Direito Constitucional Brasileiro pela Universidade São Francisco.

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