Fraude em licitação

Não há fundamento nas prisões da Operação Navalha, diz STF

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23 de maio de 2007, 16h36

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, continua a seguir o mesmo entendimento para conceder Habeas Corpus aos presos da Operação Navalha, da Polícia Federal. A sua atitude demonstra que faltam elementos jurídicos nos pedidos de prisão preventiva dos supostos envolvidos no esquema de fraude de licitações de obras públicas. A parte substancial das provas apresentadas pela PF foi baseada em escutas telefônicas, que na maior parte só comprovam o envolvimento dos acusados através de ilações da própria Polícia.

Nesta terça-feira (22/5), nos pedidos de Habeas Corpus de Luiz Carlos Caetano (prefeito de Camaçari – BA), Marcio Fidelson Menezes Gomes (secretário de Infra-estrutura de Alagoas) e José Édson Vasconcellos Fontenelle (empresário), o ministro utilizou o mesmíssimo argumento apresentado no alvará de soltura de José Reinaldo Carneiro Tavares (ex-governador do Maranhão), e Roberto Figueiredo Guimarães (presidente do Banco de Brasília).

Para o ministro, a prisão cautelar de qualquer cidadão necessita que o juízo competente indique e especifique, minuciosamente, elementos concretos que legitimem e fundamentem essa medida excepcional de constrição da liberdade. Caso contrário, a prisão assume caráter de ilegalidade, além de afrontar princípios constitucionais.

Gilmar Mendes considerou que o decreto de prisão dos envolvidos não individualizou “quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da atuação da suposta ‘organização criminosa’ à condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada”.

Até domingo (20/5), o ministro se mostrava mais cauteloso. Até então, ele teve pouco tempo para analisar os argumentos apresentados pela PF. Chegou a negar cinco pedidos de extensão de liberdade. Na quinta-feira (17/5), o ministro concedeu a primeira liminar em favor de um dos investigados. A decisão do ministro Gilmar Mendes garantiu a liberdade ao ex-procurador-geral do Estado do Maranhão, Ulisses Cesar Martins de Sousa. A decisão foi referendada na terça-feira (22/5) pela 2ª Turma do STF.

Neste HC, o argumento de Gilmar Mendes foi diferente. De acordo com o ministro, Sousa deixou de ser procurador-geral do Maranhão há sete meses. Portanto, não houve, aparentemente, risco de “continuidade delitiva pela suposta organização criminosa”.

A operação

A Polícia Federal deflagrou na manhã de quinta-feira (17/5) a Operação Navalha contra acusados de fraudes em licitações públicas federais. A PF prendeu 47 pessoas. Entre elas, o assessor do Ministério de Minas e Energia Ivo Almeida Costa, o ex-governador do Maranhão José Reinaldo Tavares, o deputado distrital Pedro Passos (PMDB), o prefeito de Sinop (MT) Nilson Leitão (PSDB), coordenador da campanha de Geraldo Alckmin à Presidência em 2006, e o prefeito de Camaçari (BA) Luiz Carlos Caetano (PT). Dos presos pela PF, 26 já foram soltos. Só nesta terça-feira (22/5), 13 pessoas foram beneficiadas com decisões do STJ e do STF.

Segundo Polícia Federal, o esquema de desvio de recursos públicos federais envolvia empresários da construtora Gautama, sediada em Salvador, e servidores públicos que operavam no governo federal e em governos estaduais e municipais. De acordo com a acusação, o esquema garantia o direcionamento de verbas públicas para obras de interesse da Gautama e então conseguia licitações para empresas por ela patrocinadas.

Ainda segundo a PF, as obras eram superfaturadas, irregulares ou mesmo inexistentes. A Polícia acusa a suposta quadrilha de desviar recursos do Ministério de Minas e Energia, da Integração Nacional, das Cidades, do Planejamento, e do DNIT. Cerca de 400 policiais federais foram mobilizados para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão em Alagoas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, São Paulo, Sergipe e no Distrito Federal. As investigações começaram em novembro de 2006.

Foi o procurador-geral da República, Antônio Fernando Souza, quem pediu ao Superior Tribunal de Justiça que ordenasse as prisões. A ministra do STJ Eliana Calmon determinou à PF o cumprimento de mandados. A ministra determinou também o bloqueio de contas e de imóveis dos integrantes do esquema.

Antônio Fernando chegou a pedir a prisão do governador do Maranhão, Jackson Lago (PDT). Pedido negado pela ministra Eliana Calmon. Em nota, a Procuradoria-Geral da República disse que irá designar dois subprocuradores-gerais para atuar no caso.

Leia os Habeas Corpus 91.393-8, 91.427-6 e 91.392-0

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.393-8 BAHIA,

RELATOR MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S) LUIZ CARLOS CAETANO

IMPETRANTE(S) FERNANDO SANTANA E OUTRO(A/S)


ADVOGADO(A/S) MAURÍCIO VASCONCELOS E OUTRO(A/S)

ADVOGADO(A/S) MILTON JORDÃO

COATOR(A/S)(ES)RELATORA DO INQ Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado por FERNANDO SANTANA e outros, em favor de LUIZ CARLOS CAETANO, ora recolhido na Superintendência da Polícia Federal do Distrito Federal, no qual se impugna decisão da Ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Relatora do Inquérito no 544/BA.

O paciente é o atual prefeito municipal de Camaçari/BA, ainda no exercício do mandato, tendo a sua prisão preventiva decretada pelo suposto envolvimento com a “associação criminosa” investigada pelo Inquérito no 544/BA, em trâmite perante o STJ, sob a acusação de que, na condição de Prefeito, teria assinado convênio e contratos administrativos fraudados.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese, a generalidade e a abstração do decreto prisional, afirmando-se que “Na hipótese vertente, inexiste comprovação da periculosidade do Paciente, somente meras especulações, aliás, é tida pela Autoridade Coatora como figura intermediária na estrutura da quimérica organização criminosa” – (fl. 10). Eis os principais argumentos da defesa:

“Infere-se da leitura do édito prisional que a investigação policial teve como investigado o Sr. ZULEIDO SOARES VERAS, um dos sócios da empresa GAUTAMA, que tem como ramo de atividade a construção civil.

Segundo se pode perceber, o Ministério Público Federal dividiu os supostos criminosos em três grupos, de acordo com o grau de participação e importância, dentro da fictícia ‘organização criminosa’.

Na graduação estabelecida pelo Acusador Público, reproduzida pela Autoridade Coatora, o Paciente se enquadraria entre aqueles que tiveram menor participação, o terceiro nível (vide p. 6/69 do Decreto).

‘No terceito e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamento dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de medições fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos projetos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São caracterizados como intermediários,’ [gizamos]

Dessume-se da referida ordem constritiva da liberdade individual que o Paciente estaria envolvido em estratagemas criminosas para lesar o erário, através de concessões e vantagens para a empresa de engenharia GAUTAMA.

IV – DA PARTICIPAÇÃO DOS INVESTIGADOS:

(…)

LUIZ CARLOS CAETANO, Prefeito do Município de Camaçari, juntamente com os outros servidores públicos do Município, foi corrompido pelo grupo e estava à frente dos atos criminosos nos episódios de direcionamento de recursos federais do Ministério das Cidades que favoreceu a empresa GAUTAMA; na qualidade de Prefeito, era o responsável pela assinatura dos convênios e dos contratos administrativos fraudados; recebeu de RODOLPHO VERAS convites para o camarote da GAUTAMA no carnaval de Salvador, além de passeios de lancha, passagens aéreas e hospedagem na cidade do Salvador.’ [g.n.]

Muito embora se cuidem de acusações graves, afinal, exige-se do homem público probidade além do comum, in casu, inexistem fatos concretos e determinados que indiquem a sua efetiva participação no denominado ‘esquema de corrupção’.

O Decreto Prisional, de lavra da Autoridade Coatora, em suma, aponta que as vantagens mencionadas consistiriam em contratos e convênios fraudados firmados entre a GAUTAMA e o Município de Camaçari, Bahia, e, passeios na lancha, passagens e hospedagens ofertadas por um dos sócios da multicitada empresa.

Entrementes, Eminente Ministro, tais contratos e convênios mencionados em seu édito NÃO EXISTEM, aliás, nem mesmo foram mencionados entre os documentos contidos na representação feita pelo Procurador-Geral da República.


Diga-se mais, o Município de Camaçari, desde que o Paciente assumiu a Prefeitura, não mantém nenhuma relação com a referida empresa.

Frise-se, que a GAUTAMA esteve sim presente na gestão antecedente, cujo alcaide era o Sr. Prefeito JOSÉ EUDORO REIS TUDE, conforme se aduz do Contrato de Obras e serviços celebrada entre o Município de Camaçari e a empresa Construtora GUATAMA – vide documentos encartados. Inclusive este contrato fora fruto da Concorrência Pública 01/99.

Porém, este contrato, objeto da licitação supramencionada, nem mesmo chegou a ser cumprido, visto que a Procuradoria-Geral daquela cidade detectou graves erros na licitação, determinando, assim, a sua REVOGAÇÃO – inclusive, acosta-se o parecer do Procurador-Geral, bem como a publicação no Diário Oficial dos dias 20 a 26 de janeiro de 2007 (docs. 04 e 05)

(…)

O paciente, na qualidade de Prefeito, em atenção a este posicionamento da Procuradoria-Geral do Município, acatou o opinativo e revogou a licitação, em resolução assim publicada no D.O. de 20 a 26 de janeiro de 2007” – (fls. 4-7).

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa argumenta que: “Em relação ao periculum in mora, segundo requisito para a concessão da liminar, é latente a ausência de necessidade da custódia, ressalvando-se a vedação expressa da lei nestes casos” – (fl. 13).

Assim, alegando a não-comprovação dos fatos que estariam a indicar o envolvimento do paciente no “esquema criminoso” e a fundamentação genérica da prisão preventiva “para garantir a ordem pública e econômica, bem como a conveniência da instrução criminal”, postula-se a concessão da liminar para que seja determinada a expedição do Alvará de Soltura em favor do Paciente.

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Neste writ, o impetrante impugna a validade da fundamentação do decreto de prisão preventiva expedido contra o ora Paciente (LUIZ CARLOS CAETANO), afirmando, em síntese, a inexistência de fatos concretos que comprovem o seu envolvimento no suposto “esquema criminoso”.

Seguem-se trechos da decisão que decretou a prisão preventiva relativos ao paciente, verbis:

“No terceiro nível da organização criminosa estão agentes públicos municipais, estaduais e federais, os quais agem como intermediários, removendo obstáculos que possam se antepor aos propósitos do grupo, mediante o recebimento de vantagens indevidas.

A participação desses integrantes apresenta-se mais ou menos intensa, a depender dos interesses do momento, como exposto no relatório policial às fls. 5 e 6. São eles:

[…]

LUIZ CARLOS CAETANO;”(fls. 6/7 da decisão do STJ; fl. 21/22 dos autos).

[…]

“ZULEIDO VERAS, agindo através de RODOLPHO SOARES DE VERAS, JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE, JORGE E. DE BARRETO e FLÁVIO HENRIQUE ABDELNUR CANDELOT, corrompeu servidores públicos da cidade de Camaçari, na Bahia, no intuito de direcionar recursos federais do Ministério das Cidades, para obras cuja execução, antes mesmo da assinatura do Convênio entre a Prefeitura e o Ministério, estavam previamente dirigidas à empresa GAUTAMA.

Dentre os servidores públicos municipais destacam-se: LUIZ CARLOS CAETANO, Prefeito de Camaçari, IRAN CESAR DE ARAÚJO E SILVA – Secretário de Obras, EVERALDO JOSÉ DE SIQUEIRA ALVES, Subsecretário de Obras, EDÍLIO PEREIRA NETO, Assessor do Secretário de Obras e ZAQUEU DE OLIVEIRA FILHO.


A atuação delituosa do Superintendente de Produtos de Repasses da Caixa Econômica Federal em Brasília, FLÁVIO PIN, contribuiu para a perpetração dos ilícitos naquele Município.

Segundo o MPF, em abril de 2006, a organização criminosa, através de FLÁVIO CANDELOT, obteve do Ministério das Cidades R$ 9.750.000,00 (nove milhões e setecentos e cinqüenta mil reais) para obras de urbanização no Município de Camaçari. Os áudios revelam que os recursos foram dirigidos ao Município através de RODOLPHO VERAS:” – (fls. 39 da decisão do STJ; fl. 53/54 dos autos).

[…]

“A organização criminosa, através de ZULEIDO VERAS, RODOLPHO VERAS, EDSON FONTENELLE, JORGE BARRETO e FLÁVIO CANDELOT, passou a articular a celebração do convênio entre o Município e o Ministério das Cidades, providenciando a documentação necessária à celebração do acordo, que deveria ser apresentada pelo Município à Caixa Econômica Federal. Incumbe à CEF analisar a viabilidade das propostas selecionadas pelo Ministério das Cidades e a documentação apresentada pelos municípios, bem como fiscalizar o processo de licitação. Os diálogos a seguir reproduzidos demonstram a movimentação do grupo para a concretização desse ‘plano de trabalho’ (já nos últimos dias do prazo, bem como a absoluta ausência de compromisso da organização criminosa com o interesse público a que os recursos deveriam atender, qual seja: proporcionar melhores condições de moradia à população carente). Inclui, ainda, encontros de ZULEIDO VERAS com o Prefeito de Camaçari, LUIZ CARLOS CAETANO nos dias 09 e 12 de maio de 2007, cuja assinatura era imprescindível na documentação a ser entregue pela Prefeitura à CEF:” – (fl. 40 da decisão do STJ; fl. 54/55 dos autos).

[…]

“Segundo o MPF, nesse caso, o único objetivo do grupo era viabilizar a celebração do convênio entre a Prefeitura e o governo federal para que pudessem, como já predeterminado, executar as obras e embolsar os valores dirigidos ao Município. Tanto o plano de trabalho como o projeto básico foram elaborados sem observâncias das exigências técnicas para obras daquela natureza e sem a mínima preocupação com a qualidade da obra que seria executada.

Auxiliaram na elaboração dos mencionados documentos o assessor do Secretário de Obras, EDÍLIO PEREIRA NETO e o Subsecretario de Obras do Município EVERALDO JOSÉ DE SIQUEIRA ALVES. Diz o MPF que, durante o período, foram registrados encontros entre eles, inclusive com o Secretário de Obras do Município de Camaçari, IRAN CESAR DE ARAÚJO E SILVA, tendo sido captados diversos diálogos onde trataram de detalhes da elaboração dos documentos.

FLÁVIO PIN, Superintendente Nacional de Produtos de Repasses da CEF, ficou incumbindo, dentre outras relevantes funções de interesse da organização criminosa, de analisar a documentação apresentada pelos municípios para a realização do convênio e fiscalizar o processo da licitação junto à Caixa Econômica Federal. A autoridade policial captou vários diálogos em que FLÁVIO PIN orientou FLÁVIO CANDELOT sobre a obtenção dos documentos, de onde depreendeu o MPF que ele agiu consciente de que as obras e os respectivos recursos públicos já estavam destinados à GAUTAMA.


Corroborando essas assertivas, relata o MPF que, em 16.6.2006, o Contrato de Repasse nº 563035 foi assinado entre o Ministério das Cidades e a Prefeitura de Camaçari, no valor total de R$ 11.524.675,57 (onde milhões, quinhentos e vinte e quatro mil, seiscentos e setenta e cinco reais e cinqüenta e sete centavos), sendo R$ 9.750.000,00 (nove milhões e setecentos e cinqüenta mil reais) de recursos federais e R$ 1.774.675,57 (um milhão, setecentos e setenta e quatro mil, seiscentos e setenta e cinco reais e cinqüenta e sete centavos) relativos à contrapartida do Município.

Em contrapartida, os agentes públicos de Camaçari que atuaram nesse episódio receberam de ZULEIDO VERAS e RODOLPHO VERAS, como recompensa, convites para o camarote da GAUTAMA no carnaval de Salvador, passeio de lancha, passagens aéreas e hospedagem na cidade de Salvador, incluindo-se entre os beneficiários o Prefeito LUIZ CARLOS CAETANO, por duas vezes:” – (fls. 40 da decisão do STJ; fl. 54/55 dos autos).

[…]

“Em fevereiro de 2007, quando reiniciadas as interceptações telefônicas dos envolvidos, o grupo já antevia a possibilidade de apropriação de recursos públicos, mais especificamente, do PAC, no valor de R$ 18.000.000,00 (dezoito milhões de reais). Segundo afirmado pelo MPF, esses recursos somente poderiam ser destinados a obras em andamento, tendo a organização criminosa apressado a elaboração de plano de trabalho, de modo a viabilizar a transferência do dinheiro ao Município de Camaçari:” – (fls. 43/44 da decisão do STJ; fl. 57/58 dos autos).

[…]

“A partir das provas colhidas pela autoridade policial, em minucioso trabalho de inteligência, contando-se, para tanto, com as novas técnicas autorizadas em lei na apuração de delitos cometidos por organização criminosa, foi possível apurar o poder de corrupção de um grupo que foi crescendo em número de componentes. Atualmente, acha-se dividido em três níveis organizacionais:

[…]no terceiro e último nível estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, no contexto dos objetivos da organização, têm como principal função remover os óbices que se apresentam na consecução das atividades criminosas. Alguns têm atuação destacada em termos de qualidade participativa, estando sempre presentes, enquanto outros têm participação menos relevante, mais discreta.

O Ministério Público Federal, na peça representativa, bem delineou a participação delitiva dos integrantes do segundo e terceiro níveis, classificando sua atuação em direta e efetiva ou indireta e periférica. Vejamos (fl. 10):

A atuação dos agentes públicos, que compõem o segundo e terceiro níveis da organização, pode ser classificada em direta e efetiva ou periférico e indireto, de acordo com o grau de comprometimento com a atividade-fim. Essa noção é importante também para a compreensão dos atos atribuídos às autoridades com prerrogativa de foro.

Na primeira situação, estão aqueles que, cientes dos fins almejados pela quadrilha, atuam efetiva e intensamente em suas áreas para garantir a prática criminosa. Seus atos são indissociáveis das ações centrais dos demais integrantes da organização criminosa. Na segunda situação, se enquadram os que agem sem compromisso com a atividade desenvolvida pela organização criminosa, envolvendo-se apenas o suficiente e o necessário para atender aos pleitos do grupo, normalmente recebendo em contrapartida vantagem indevida.


Conforme longamente descrito, não foram poucas as licitações fraudadas, obras desviadas de suas finalidades, inconclusas ou só existentes nos papéis públicos; não foi pequeno o volume de recurso liberados a partir de medições adulteradas, fraudadas ou forjadas, com o único intuito de liberar os pagamentos para a organização, práticas ocorridas nos Estados da Bahia, de Sergipe, de Alagoas, do Maranhão, do Piauí, de Mato Grosso e no Distrito Federal” – (fls. 56/57 da decisão do STJ; fl. 70/71 dos autos).

[…]

“No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamento dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de medições fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São categorizados como intermediários.

Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório (fl. 05/06):

… a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro da própria organização), ou pela quantidade de contatos, pagamentos, dados repassados ou outros indicadores de permanência do vínculo do servidor com o grupo criminoso.

Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:

[…]

4) LUIZ CARLOS CAETANO, Prefeito do Município de Camaçari, juntamente com outros servidores públicos do Município, foi corrompido pelo grupo e estava à frente dos atos criminosos nos episódios de direcionamento de recursos federais do Ministério das Cidades para execução de obras naquele Município, com fraude à licitação e ao Convênio com o Ministério das Cidades que favoreceu a empresa GAUTAMA; na qualidade de Prefeito, era o responsável pela assinatura dos convênios e dos contratos administrativos fraudados; recebeu de RODOLPHO VERAS convites para o camarote da GAUTAMA no carnaval de Salvador, além de passeios de lancha, passagens aéreas e hospedagem na cidade de Salvador.”(fls. 63/64 da decisão do STJ; fl. 77/78 dos autos).

[…]

“Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

34)LUIZ CARLOS CAETANO;” – (fls. 67/68 da decisão do STJ; fls. 81/82 dos autos).

Da leitura do ato decisório, observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva diz respeito ao fato de o ora paciente, na condição de Prefeito, ter assinado convênio e contratos administrativos fraudados.


Além das referências na decisão que decretou a prisão preventiva, há registros de diálogos telefônicos no quais o ora paciente (LUIZ CARLOS CAETANO) é indicado como um dos interlocutores e, ainda, algumas vezes citado por outros investigados nos diálogos de no 69, 70, 72 e 75, os quais ocorreram em algumas oportunidades no período compreendido entre maio de 2006 e março de 2007, verbis:

“DIÁLOGO 69:

ZULEIDO pergunta como é que faz para encontrar com ‘PREFEITO’ (cadastro: Prefeitura de Camaçari), ele diz que vai está em SALVADOR até as 14h00min… ZULEIDO fala que está em SALVADOR também… ‘PREFEITO’ pede que ZULEIDO ligue as 12h30min que vai encontrá-lo… ZULEIDO fala que tá bom. (09/05/2006 09:06:53)

ZULEIDO liga… PREFEITO pergunta onde ele está ZULEIDO fala que está no escritório, pergunta onde PREFEITO está, ele diz que está na LAYOUT, próximo ao BARBACOA… ZULEIDO pergunta se pode passar lá… PREFEITO fala que é no 1º andar do edifício COSTA ANDRADE… ZULEIDO fala que está indo lá… (09/05/2006 12:22:26)

ZULEIDO diz a TEREZA que está em reunião. TEREZA diz que liga mais tarde. (09/05/2006 12:52:19)

[…]

DIÁLOGO 70:

…ZULEIDO fala que saiu da reunião com CAETANO agora… RODOLPHO diz que se falam pessoalmente… ZULEIDO pergunta se ele está em BRASÍLIA, RODOLPHO diz que está em SÃO PAULO… ZULEIDO fala que com CAETANO foi bem… foi uma reunião com ele sozinho… RODOLPHO fala que está ótimo… ZULEIDO fala "eu tinha botado ontem essa reunião com o JW… então aconteceu hoje meio dia… tô saindo de lá agora…", RODOLPHO pergunta se ficou tudo bem… ZULEIDO diz que foi tudo bem, agora ficou de "arrematar amanhã de tarde uma ligação minha pra ele…", RODOLPHO diz que está combinado… ZULEIDO fala que amanhã "arremata com ele…", diz que ele (CAETANO) falou "… eu não saio sem isso resolvido… eu tenho um compromisso com você… você tá vendo aí meu problema…", RODOLPHO pergunta "e o negócio do MS lá… o que ele queria?… aquela conversa dele, que tinha de ser dele… foi dentro daquela linha?…", ZULEIDO diz que nem falou… nem falou porque "aquilo é inimigo né… é conversa deles lá…", RODOLPHO pergunta se ele justificou o porquê de nada até agora… ZULEIDO diz que não, ele teve vontade de dizer, mas não teve coragem de dizer… ZULEIDO diz que ele (CAETANO) sentou, ‘aí eu disse… eu tenho duas coisas pra falar com você, a primeira é que o … (inaudível) tá do nosso lado e quer resolver… e a segunda, aí eu conversei até com JAQUES… mas eu converso com você amanhã…’, RODOLPHO pergunta se só foi isso a conversa… ZULEIDO diz que foi… que não falou nada a mais do que isso… RODOLPHO fala ‘… então não achei boa, não, pai, porque isso daí é enrolação dele… é o jeito dele…’, ZULEIDO fala que não… que não falou mais nada porque não adianta falar mais nada… enquanto ele não chegar para sentar, e disser vamos resolver, não adianta falar… ‘naquele outro lado que nós conversamos…’, RODOLPHO pergunta se ZULEIDO vai ligar para ele (CAETANO) ou vão se encontrar… ZULEIDO diz que vai encontrar com ele… ‘foi muito boa à conversa, eu nunca o vi tão positivo...’, RODOLPHO diz ok… (09/05/2006 13:26:56)


[…]

DIÁLOGO 72:

RODOLPHO diz que está chegando em CAMAÇARI, vai pegar o material completo e volta para fazerem….diz ‘agora o que eu fico puto da vida…o que me irrita é essa porra…por que tudo na vida faço organizadinho…faço com antecedência…e esse filho da puta vai e faz um negócio desse…foi o primeiro e último negócio que eu fiz com <esse cara>, viu JORGE?’ …diz que passou o material todo pra ‘ele’ na terça-feira passada e ‘ele disse que estava tudo certo…’ diz ‘isso tem a seguinte sacanagem: ELE, querendo roubar a gente…ELE quer pegar os ONZE MILHÕES e botar em obras dele…contrato DELE fudido que ELE tem lá’… JORGE pergunta ‘Você está falando de quem? Você está falando do <pessoal lá> ou do <rapaz que estava aqui?> (possivelmente da empresa SETA, responsável por elaborar o plano de trabalho e indicado por NETO)… RODOLPHO diz ‘…do rapaz que estava ai…ele quer roubar a gente…o SECRETÁRIO também quer, porque o SECRETÁRIO quer fazer as obrinhas pequenininha dele lá porque ele também tem a EMPREITEIRAZINHA <fudidinha> lá dele…e o PREFEITO está querendo roubar os dois…porque o PREFEITO não vai assinar <porra nenhuma> pra eles…só que eles ainda não sabem disso"… JORGE diz que está preenchendo quase que aleatoriamente com o pouco conhecimento que tem de áreas afins… ‘…agora, um mínimo de informação eu realmente vou precisar…’.. RODOLPHO diz ‘…eu vou buscar absolutamente tudo, eu já falei para o SECRETÁRIO aqui…já esculachei todo mundo…já falei com o SECRETÁRIO, ele vai sentar a <bundinha> dele aqui do lado do carro e ele vai comigo em cada ÓRGÃO, a gente vai pegar cada uma das coisas…eu não quero ninguém pegando mais nada…eu mesmo vou com ele… ‘… JORGE pede pra colocar em contato uma pessoa que possa passar dados (nome, endereço, DDD,…)’ … RODOLPHO diz que não vai usar mais ninguém ‘vai ser o SECRETÁRIO…o SECRETÁRIO vai por a <bundinha> dele <suja> aqui, e a gente vai em todos os lugares pegar toda a documentação"… JORGE diz que a parte do PLANO DE TRABALHO propriamente dito ele preenche…diz ‘meu problema vão ser as assinaturas e os anexos…então você tem que arrumar uma pessoa que me identifique as coisas que eu estou querendo aqui…’ … RODOLPHO pergunta ‘essas informações são do que?’… JORGE diz que vai precisar: nome do município (CAMAÇARI), endereço da prefeitura, DDD da prefeitura, telefone da prefeitura, conta corrente onde vai ser depositado o dinheiro, número da conta corrente , banco, número da agência, praça de pagamento…diz que tem um titular e um segundo partícipe"… RODOLPHO pede pra JORGE anotar o telefone 91680671, do EVERALDO, da SECRETARIA de OBRAS… (15/05/2006 11:47:43)

FONTINELE diz que está saindo para SALVADOR e pergunta se RODOLPHO vai direto pro escritório… RODOLPHO diz que vai direto, vai ficar trabalhando com o JORGE… FONTINELE diz que vai passar lá também, se precisar de alguma ajuda… RODOLPHO diz que ali está tranqüilo… FONTINELE diz "agora…esqueça a casa…vá só pra MACROS-DRENAGEM e coisa que fature"… RODOLPHO diz "não tenha dúvida’… FONTINELE diz que quanto à documentação ‘a pessoa é séria, é minha amiga e já está nas mãos dela’… RODOLPHO diz ‘eu não acredito, só vou acreditar quando o negócio estiver na minha mão, antes disso não acredito’… FONTINELE diz ‘bicho, eu vou pegar no aeroporto… só se o avião cair’…diz ‘isso aí pode deixar comigo’… RODOLPHO diz ‘tá bom, ok’… (15/05/2006 14:10:26)

…ZULEIDO diz que está no RECIFE… RODOLPHO diz que estava até agora "enchendo o saco" de EVERALDO e do SECRETÁRIO…mas EVERALDO conseguiu a assinatura do CHEFE… RODOLPHO diz que amanhã é só montar a peça e terminar de montar a peça e entregar... ZULEIDO diz "Tem que entregar cedo né RODOLPHO?"… RODOLPHO diz que o limite é 18 horas… ZULEIDO diz ‘mas fazer cedo, antes do meio-dia porque se tiver alguma dúvida corrige’… (15/05/2006 22:42:12)


RODOLPHO pergunta se na planta tem referência ao MORRO NOVA VITÓRIA… JORGE diz que não sabe, tem que olhar. RODOLPHO "ele me falou que vai ser no trecho MORRO NOVA VITORIA, alguma coisa, mas eu vou confirmar, então nessa confirmada que ele demorou de me passar, ele já morreu. Então é MORRO NOVA VITÓRIA…". JORGE pergunta se é CAMAÇARI ou afluentes. RODOLPHO diz que perguntou pra ele, o qual respondeu que seria alguma coisa em torno do MORRO NOVA VITÓRIA, mas qualquer dificuldade faz em QUALQUER LUGAR aí. JORGE diz que realmente está partindo para isso. RODOLPHO ‘…porque a gente tem que estar com isso pronto na hora do almoço para a gente poder corrigir qualquer deslizes, falhazinha que tenha cometido… JORGE diz que com certeza vai sair deslizes, que está trabalhando pra não perder, mas tudo ‘arrumadinho’ não vai sair…RODOLPHO diz que tem que ter tempo para corrigir. (16/05/2006 09:06:24)

[…]

DIÁLOGO 75:

TEREZA informa que ZAQUEU está pedindo passagens para o PREFEITO, SALVADOR-BRASÍLIA-SALVADOR, indo amanhã (quarta-feira 14/3) e voltando na sexta (16/3), bem como estadia em hotel no período de quarta a sexta; até já teria indicado GOL como empresa preferida, mas não o hotel, então será escolhido algum baratinho. RODOLPHO diz que deve ser um bem barato. TEREZA comenta que até ‘late check out’ (multa por sair depois do prazo da diária em hotel) eles pedem para empresa pagar. RODOLPHO comenta que são "caras-de-pau". (13/03/2007 14:18:54)

TEREZA informa que ZAQUEU está pedindo passagem (de vôo) novamente, bem como hospedagem, para ele e para o PREFEITO (de SÃO FRANCISCO DO CONDE, ANTÔNIO CALMON), de terça a quinta (27 a 29/3), dentro daquele padrão já determinado. RODOLPHO anui e pergunta quanto estão custando tais pedidos. TEREZA diz que seriam R$ 600 mais passagens; comenta que ZAQUEU tirou um bilhete por conta própria na semana passada, pois queria mudança de vôo (não efetivada); estaria aproveitando agora ‘uma perna’ que ele não usou na semana passada; (ZAQUEU) estaria achando ótimo hotel que propuseram, o qual teria diárias com metade do preço das daquele que pretendia” – (fls. 67/68 da decisão do STJ; fls. 41-44 dos autos).

Da leitura das transcrições acima, observa-se que somente nos diálogos referidos (69, 70, 72 e 75) o ora paciente é indicado como um dos interlocutores e, ainda, algumas vezes, citado por outros investigados em contextos que indicam, ao menos em tese, participação em atividades supostamente ilícitas.

Após essas indicações, é válido apresentar a fundamentação e a parte dispositiva do ato decisório ora impugnado no que concerne especificamente ao ora paciente (LUIS CARLOS CAETANO), verbis:

“Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com os episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e 9.296/96.


Como ressaltou o MPF, temos apenas o início das provas que foram colhidas com grande esforço, diante das técnicas de atuação próprias das organizações criminosas. Infiltradas no aparelho estatal e atuando na penumbra, facilmente apagam os vestígios da atuação delitiva, destruindo documentos, apagando arquivos eletrônicos, coagindo e comprando testemunhas.

O que aqui se apresenta são, portanto, resultados parciais das diligências que serão ampliadas pela autoridade policial, mas, no meu entender, já são suficientes para adoção de algumas providências judiciais, tornando ostensiva a colheita de prova que vinha sendo feita em sigilo.

Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República.

Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização, diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita.

Considero presentes, diante do que foi apurado e aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP, seja para garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa, dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.

Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

34) LUIZ CARLOS CAETANO;” – (fls. 67/68 da decisão do STJ; fls. 81/82 dos autos).

Da leitura dos termos da fundamentação da prisão preventiva, denota-se que a premissa maior para a indicação da necessidade da decretação da custódia cautelar é a de que: “segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República” – (fls. 67 da decisão do STJ; fls. 81 dos autos).

Conforme destacado acima, o ora paciente (LUIZ CARLOS CAETANO) é indicado e mencionado nos diálogos interceptados a partir do mês de fevereiro de 2007. A rigor, dos documentos constantes dos autos e/ou referidos pela decisão impugnada, a suposta participação do referido investigado está compreendida entre maio de 2006 e março de 2007.

Entretanto, um elemento que me parece decisivo corresponde ao fato de que tais menções não imputam necessariamente a prática de atos delituosos à pessoa do Prefeito.

A jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal entende que o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).


A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com a garantia constitucional da presunção de inocência qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Entretanto, tenho indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta.

Salvo melhor juízo quanto ao mérito, ressalto que o paciente LUIZ CARLOS CAETANO teve contra si ato judicial que não indicou fatos concretos que, ao menos em tese, associam-se ao investigado e que justificariam a prisão preventiva nos termos do art. 312 do CPP.

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Expeça-se alvará de soltura em favor do ora paciente.

Comunique-se, com urgência.

Após, abra-se vista dos autos, com urgência, ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Publique-se.

Brasília, 22 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.427-6 BAHIA

RELATOR MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S) MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES

IMPETRANTE(S) JOSÉ FRAGOSO CAVALCANTI E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) RELATORA DO INQ Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado em favor de MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES, em que se impugna prisão preventiva decretada pela Min. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do Inquérito no 544/BA.

O paciente é advogado e atualmente desempenha a função de secretário de infra-estrutura do Estado de Alagoas. A prisão preventiva foi decretada pelo suposto envolvimento do investigado com a “associação criminosa” em apuração nos autos do referido inquérito, sob a acusação de que teria recebido vantagem indevida de Zuleido Veras para liberação de recursos públicos, independentemente da mediação de obras e de que passou a relacionar-se com o grupo criminoso a partir de junho de 2006, em razão de amizade que mantinha com Bolívar Saback, quando tomou posse no cargo secretário de infra-estrutura do Estado de Alagoas.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese:

“O fumus boni iuris resta configurado na comprovada inexistência de fundamentação idônea no decreto de prisão preventiva, pois não se aponta fatos concretos que demonstrem seja necessária a aplicação da medida extrema, que se constitui, na hipótese em comento, em atentado ao ‘direito à liberdade’” – (fl. 08).


Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), a defesa argumenta que:

“O periculum in mora reside na circunstância de que o paciente se encontra preso e em não se concedendo a liminar postulada, a lesão ao seu sagrado direito da liberdade continuará se efetivando a cada dia, por força de decreto que se demonstra, de plano, desprovido de fundamentação idônea” – (fl. 08).

Com base nessa argumentação, a inicial postula “a concessão da medida liminar para o fim de restituir-se imediatamente a liberdade do paciente, fazendo cessar os efeitos do decreto de prisão preventiva, até o julgamento definitivo do writ of habeas corpus” – (fl. 08).

Passo a decidir tão-somente o pedido de medida liminar.

Neste habeas corpus, impugna-se, em síntese, a validade da fundamentação do decreto de prisão preventiva expedido em face do ora Paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES).

Seguem-se trechos da decisão que decretou a prisão preventiva relativos ao paciente, verbis:

No terceiro nível da organização criminosa estão agentes públicos municipais, estaduais e federais, os quais agem como intermediários, removendo obstáculos que possam se antepor aos propósitos do grupo, mediante o recebimento de vantagens indevidas.

A participação desses integrantes apresenta-se mais ou menos intensa, a depender dos interesses do momento, como exposto no relatório policial às fls. 5 e 6. São eles:

[…]

9) MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES;”(fl. 06 da decisão do STJ; fl. 15 dos autos).

“Segundo expõe o MPF, os fatos passados no Estado de Alagoas são muito semelhantes aos ocorridos no Estado do Maranhão.

Aqui, a organização criminosa vinha executando obra pública e para obter a liberação de recursos relativos às medições irregulares corromperam servidores públicos lotados na Secretaria de Infra-Estrutura do Estado, envolvendo-se nas negociações por parte da GAUTAMA ZULEIDO VERAS, e seus empregados BOLÍVAR RIBEIRO SABACK, ABELARDO LOPES FILHO, ROSEVALDO PEREIRA MELO e MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA, enquanto figuram do lado do Estado DENISSON DE LUNA TENÓRIO, à época Diretor de Obras da Secretaria de Infra-Estrutura do Estado de Alagoas, e MÁRCIO FIDELSON MENEZES GOMES, Secretário de Infra-Estrutura do Estado, com o auxílio do servidor ERNANI SOARES GOMES FILHO, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, atualmente cedido à Câmara dos Deputados” – (fl. 20 da decisão do STJ; fl. 29 dos autos).

Com a posse do novo Secretário de Infra-Estrutura, MÁRCIO FIDELSON, em 19 de junho de 2006, valeu-se o grupo da amizade que tinha BOLÍVAR SABACK com ele para integrá-lo ao esquema.

[…]

Os integrantes da organização criminosa, por intermédio de MARIA DE FÁTIMA PALMEIRA, que vai a Maceió para solucionar o impasse, oferecem vantagem indevida a MÁRCIO FIDELSON e a DENISSON TENÓRIO para que o primeiro liberasse os recursos independentemente de aprovação da medição e, o segundo, para que emitisse parecer favorável à aprovação da medição, o que efetivamente aconteceu, tendo o grupo recebido o pagamento de R$ 2.500.000,00, no dia 05 de julho de 2006.


[…]

Para viabilizar o pagamento da propina, foi adotado o mesmo esquema já referido com relação ao Estados do Maranhão. No dia 07 de julho de 2006, FLORÊNCIO VIEIRA sacou R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) junto ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica Federal, entregando-os a FÁTIMA PALMEIRA em Brasília, que foi pessoalmente a Maceió fazer a entrega a MÁRCIO FIDELSON e DENISSON TENÓRIO” – (fl.21 da decisão do STJ; fl. 30 dos autos).

“No terceiro e último nível da organização criminosa estão os agentes públicos municipais, estaduais e federais que, praticando de diversos delitos, viabilizam a atividade da organização na obtenção de liberação de verbas, direcionamento dos resultados das licitações, aprovação de projetos, liberação de medições fraudulentas, etc. Enfim, removem os óbices que se antepõem aos propósitos daqueles que integram o primeiro nível da organização, recebendo, para tanto, vantagens indevidas. São categorizados como intermediários.

Segundo esclareceu a autoridade policial em seu relatório (fl. 05/06):

… a participação desses integrantes pode ser efetiva e/ou intensa, sendo caracterizada essa intensidade do envolvimento pela qualidade da atuação (posicionamento do servidor dentro da própria organização), ou pela quantidade de contatos, pagamentos, dados repassados ou outros indicadores de permanência do vínculo do servidor com o grupo criminoso.

Nesse nível são apresentados dezenove integrantes, cujas participações estão assim descritas:

[…]

9) MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES, Secretário de Infra-estrutura do Estado de Alagoas, passou a relacionar-se com o grupo criminoso a partir de junho de 2006, em razão de amizade que mantinha com BOLÍVAR SABACK, quando tomou posse no cargo; recebeu vantagem indevida de ZULEIDO VERAS para liberação de recursos públicos, independentemente da mediação das obras” – (fls. 59/60 da decisão do STJ; fls. 70/71 dos autos).

“Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

39) MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES;”(flS. 63/64 da decisão do STJ; fl. 74/75 dos autos).

Da leitura do ato decisório, observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato de que o investigado, na condição de secretário de infra-estrutura do Estado do Alagoas, teria recebido vantagem indevida de ZULEIDO VERAS para liberação de recursos públicos; bem como teria passado a relacionar-se com o grupo criminoso a partir de junho de 2006, em razão de amizade que mantinha com BOLÍVAR SABACK, quando tomou posse no cargo de secretário de infra-estrutura do Estado de Alagoas.


Além dessas referências na decisão que decretou a prisão preventiva, há registros de diálogos telefônicos no quais o ora paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES) é citado por outros investigados no diálogo de no 27, ocorrido em oportunidade durante o mês de julho de 2006, verbis:

“DIÁLOGO 27:

BOLÍVAR diz a FÁTIMA que estava com ROSEVALDO na sala quando entrou o amigo do mesmo, que assina a OB (MARCIO), e entregou a ROSE um papel com ‘a quantidade de XEROX que tem que repassar no processo’, lembrando-o de que não podia haver furo; diz que, de fato, o cara fez tudo o que tinha sido combinado; diz que atrasou um pouco por causa da viagem de DENISSON, mas foi feito; diz que ele colocou ‘a referência’ no papel e disse: ‘ROSE, isso aqui não pode deixar de acontecer’; BOLIVAR diz que ficou acertado de que seria o pedido ‘seria enviado pelo correio no prazo de dez a quinze dias, para não ficar muito apertado’. (05/07/2006 15:17:40)

ROSE diz que quando foi com BOLIVAR pegar a OB (ORDEM BANCÁRIA), MÁRCIO passou o papel da quantidade de ‘XEROX’ e perguntou quando poderiam entregar isso e como fazem. ROSE diz que disse ao MÁRCIO que isso era como ‘fio de bigode’ – entre dez a quinze dias poderia repassar (05/07/2006 15:26:47)” – (fl. 21 da decisão do STJ; fl. 30 dos autos).

Da leitura das transcrições acima, observa-se que somente no diálogo referido (27) o ora paciente é apenas citado por outros investigados em contextos que indicam, ao menos em tese, participação em atividades supostamente ilícitas.

Após essas indicações, é válido apresentar a fundamentação e a parte dispositiva do ato decisório ora impugnado no que concerne especificamente ao ora paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES), verbis:

“Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com os episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e 9.296/96.

Como ressaltou o MPF, temos apenas o início das provas que foram colhidas com grande esforço, diante das técnicas de atuação próprias das organizações criminosas. Infiltradas no aparelho estatal e atuando na penumbra, facilmente apagam os vestígios da atuação delitiva, destruindo documentos, apagando arquivos eletrônicos, coagindo e comprando testemunhas.

O que aqui se apresenta são, portanto, resultados parciais das diligências que serão ampliadas pela autoridade policial, mas, no meu entender, já são suficientes para adoção de algumas providências judiciais, tornando ostensiva a colheita de prova que vinha sendo feita em sigilo.

Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República.

Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização, diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita.

Considero presentes, diante do que foi apurado e aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP, seja para garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa, dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.


Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

39) MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES;” – (fls. 62-65 da decisão do STJ; fls. 72-75 dos autos).

Da leitura dos termos da fundamentação da prisão preventiva, denota-se que a premissa maior para a indicação da necessidade da decretação da custódia cautelar é a de que: “segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República” – (fls. 66 da decisão do STJ; fls. 76 dos autos).

Conforme destacado acima, o ora paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENEZES GOMES) não foi indicado, mencionado, nem sequer descrito como um dos interlocutores dos diálogos interceptados a partir do mês de fevereiro de 2007. A rigor, dos documentos constantes dos autos e/ou referidos pela decisão impugnada, a participação do referido investigado cinge-se estritamente ao período de julho de 2006.

A jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal entende que o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com a garantia constitucional da presunção de inocência qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Entretanto, tenho indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta.

Salvo melhor juízo quanto ao mérito, o paciente MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENES GOMES teve contra si ato judicial que não indica fatos concretos que, ao menos em tese, justificariam a prisão preventiva prevista nos termos do art. 312 do CPP.

No caso concreto ora em apreço, um dos elementos utilizados pela prisão preventiva é o de que seria necessário “paralisar a atuação da organização criminosa […] que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC” – (fl. 122).


É dizer, em relação ao caso específico do ora paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENES GOMES), o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente e a iminente atuação da suposta “organização criminosa” a partir das interceptações de diálogos ocorridas a partir do mês de fevereiro de 2007.

Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao paciente (MÁRCIO FIDELSON MENEZES OU MARCIO FIDELSON MENES GOMES) diz respeito ao elemento de que não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático-jurídica entre os fatos imputados ao paciente no período de julho de 2006 e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Expeça-se alvará de soltura em favor do ora paciente.

Comunique-se, com urgência.

Após, abra-se vista dos autos, com urgência, ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 22 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

MED. CAUT. EM HABEAS CORPUS 91.392-0 BAHIA

RELATOR MIN. GILMAR MENDES

PACIENTE(S) JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE

IMPETRANTE(S) FERNANDO SANTANA E OUTRO(A/S)

COATOR(A/S)(ES) RELATORA DO INQUÉRITO Nº 544 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado em favor de JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE, em que se impugna prisão preventiva decretada pela Min. Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, relatora do Inquérito no 544/BA.

O paciente é servidor aposentado do Departamento de Transportes da Bahia e, atualmente, desempenha a atividade de empresário. A prisão preventiva foi decretada pelo suposto envolvimento do investigado com a “associação criminosa” em apuração nos autos do referido inquérito, sob a acusação de que teria atuado junto aos sócios da GAUTAMA e da Prefeitura da Camaçari para desviar verbas públicas do Ministério das Cidades.

Quanto à plausibilidade jurídica do pedido (fumus boni iuris), a inicial alega, em síntese, a generalidade e a abstração do decreto prisional, afirmando-se que “não se encontrou um único documento idôneo à comprovação das imputações feitas ao paciente […]” (fl. 04). Os argumentos da inicial encontram-se assim sintetizados:

“[…] foram decretadas prisões preventivas de quarenta e sete pessoas e a ilustrada ministra, relembrando a odiosa e medieval figura do juiz inquisidor, não se deu sequer ao trabalho de especificar e descrever inequivocamente as condutas do paciente – restringindo-se a relatar que o mesmo supostamente atuou de maneira ilícita no caso relativo ao Município de Camaçari-BA. Todavia, ao final, considerou equivocadamente que o paciente estaria envolvido numa organização criminosa, ainda atuante! Não se preocupou, entretanto, de mencionar como, quando, onde, com quem, de que forma, enfim, não gizou uma única linha a respeito da conduta do paciente.

[…]

Em princípio, não se pode olvidar de que a ministra relatora tão-somente fez uma exposição genérica acerca de supostas condutas criminosas do paciente, não tendo a cautela e a atenção exigidas legalmente da imputação de um crime a alguém. É nítida a violação aos princípios basilares do contraditório e da ampla defesa, visto que o paciente nem mesmo sabe ao certo do que se defender de forma plena.


[…]

O paciente, como mencionado, é primário e possuidor de bons antecedentes, não havendo qualquer circunstância concreta a apontar a probabilidade de reiteração da conduta delituosa. Ao contrário, concedida a ordem de soltura, voltará o paciente ao regaço do seu lar e retomará sua vida normal, voltando-se para o tratamento de seus problemas de saúde, respondendo em liberdade ao processo criminal contra si eventualmente instaurado.

Ainda na análise das situações legais de risco à persecução penal, vê-se que a liberdade do paciente não trará qualquer obstáculo ao regular curso da instrução criminal ou mesmo à eventual aplicação de pena” – (fls. 7-14).

Com relação à urgência da pretensão cautelar (periculum in mora), além de indicar o fato de que o paciente é maior de 60 anos (fl. 27), a defesa argumenta que:

“Vislumbra-se, outrossim, a caracterização do periculum in mora, tendo em vista que, embora a ação de habeas corpus ostente uma tramitação mais célere do que as demais, ainda assim será preciso o decurso de algumas semanas até que a autoridade coatora preste suas informações, o Ministério Público exare o seu parecer, sem falar nos atos cartoriais que entremeiam esse procedimento. Nesse tempo, o paciente poderá permanecer injustamente privado do convívio com suas famílias, deixando, inclusive, de trabalhar. No particular, Alberto Silva Franco assevera que a lesão ao direito de liberdade é sempre imediata, real, consumada, sem nenhuma possibilidade de reparação, e nisso reside o perigo da demora em se aguardar o provimento final” – (fl. 23).

Com base nessa argumentação, postula-se “a concessão, em caráter LIMINAR, da ordem de habeas corpus, dada a inequívoca presença dos requisitos autorizadores da medida, quais sejam, o fumus boni juris (plausibilidade jurídica do pedido) e o periculum in mora (risco de dano de impossível reparação)” – (fl. 24).

Passo a decidir o pedido de medida liminar.

Neste habeas corpus, impugna-se, em síntese, a validade da fundamentação do decreto de prisão preventiva expedido em face do ora Paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE).

Seguem-se trechos da decisão que decretou a prisão preventiva relativos ao paciente, verbis:

“No segundo nível da organização estão os auxiliares e intermediários que, mediante recebimento de vantagem indevida, utilizam-se de influência pessoal para convencer agentes públicos na prática de atos que ajudam a organização criminosa a alcançar seus objetivos ilícitos, contactando-os com vista à prática de atos de ofício ou para intermediação de pagamento de propina. São eles:

[…]

4) JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE” – (fls. 5 da decisão do STJ; fl. 36 dos autos).

“JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE é empresário e, juntamente com RODOLPHO VERAS, filho de ZULEIDO, contribuiu para que o Município de Camaçari fosse beneficiado com recursos oriundos do Ministério das Cidades, destinados a obras de urbanização do Município” – (fls. 6 da decisão do STJ; fl. 37 dos autos).

“ZULEIDO VERAS, agindo através de RODOLPHO soares VERAS, JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE, JORGE E. DE BARRETO e FLÁVIO HENRIQUE ABDELNUR CANDELOT, corrompeu servidores públicos da cidade de Camaçari, na Bahia, no intuito de direcionar recursos federais do Ministério das Cidades, para obras cuja execução, antes mesmo da assinatura do Convênio entre a Prefeitura e o Ministério, estavam previamente dirigidas à empresa GAUTAMA.

[…]

A organização criminosa, através de ZULEIDO VERAS, RODOLPHO VERAS, EDSON FONTENELLE, JORGE BARRETO e FLÁVIO CANDELOT, passou a articular a celebração do convênio entre o Município e o Ministério das Cidades, providenciando a documentação necessária à celebração do acordo, que deveria ser apresentada pelo Município à Caixa Econômica Federal. Incumbe à CEF analisar a viabilidade das propostas selecionadas pelo Ministério das Cidades e a documentação apresentada pelos municípios, bem como fiscalizar o processo de licitação. Os diálogos a seguir reproduzidos demonstram a movimentação do grupo para a concretização desse ‘plano de trabalho’ (já nos últimos dias do prazo, bem como a absoluta ausência de compromisso da organização criminosa com o interesse público a que os recursos deveriam atender, qual seja: proporcionar melhores condições de moradia à população carente). Inclui, ainda, encontros de 12 de maio de 2007, cuja assinatura era imprescindível na documentação a ser entregue pela Prefeitura à CEF” – (fls. 39/40 da decisão do STJ; fl. 70/71 dos autos).


“Integrando o segundo nível da organização criminosa apresentou o MPF onze membros, os quais estão agrupados entre si por identidade participativa: são auxiliares e intermediários que, mediante o recebimento de vantagem indevida, valem-se da influência que possuem para convencer os agentes públicos à prática dos atos necessários a que a organização criminosa alcance os seus objetivos ilícitos. São os empresários e agentes públicos que se interpõem, quando necessários, no contato com os agentes públicos, seja para obter a prática do ato de ofício, seja para intermediar o pagamento de propina. São eles:

[…]

4) JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE, empresário que atuou ao lado de RODOLPHO VERAS para possibilitar a escolha do Município de Camaçari como beneficiário de recursos oriundos do Ministério das Cidades, para aplicação em obras de urbanização do Município; juntamente com RODOLPHO SOARES DE VERAS, JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE, JORGE E. DE BARRETO e FLÁVIO HENRIQUE ABDELNUR CANDELOT, corrompeu servidores públicos na cidade de Camaçari e participou da elaboração do plano de trabalho e do projeto básico que a Prefeitura daquele Município deveria entregar à CEF para obtenção daqueles recursos” – (fls. 59-61 da decisão do STJ; fl. 90-92 dos autos).

“Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

21) JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE;” – (fls. 59-61 da decisão do STJ; fls. 97/98 dos autos).

Da leitura do ato decisório, observa-se que, em princípio, o elemento concreto apontado para a decretação da prisão preventiva do ora paciente diz respeito ao fato de o investigado, na condição de empresário, teria atuado conjuntamente com RODOLPHO VERAS para possibilitar a escolha do Município de Camaçari/BA como beneficiário de recursos oriundos do Ministério das Cidades, para aplicação em obras de urbanização do Município; bem como ter corrompido servidores públicos municipais, e participado da elaboração do plano de trabalho e do projeto básico que a Prefeitura do referido Município deveria entregar à CEF para obtenção de recursos.

Além dessas referências na decisão que decretou a prisão preventiva, há registros de diálogos telefônicos no quais o ora paciente (JOSÉ EDSON VASCONCELLOS FONTENELLE) é indicado como um dos interlocutores e, ainda, algumas vezes, citado por outros investigados nos diálogos de no 71 e 72, ambos ocorridos em algumas oportunidades durante o mês de maio de 2006, verbis:

“DIÁLOGO 71:

CLAUDIO pergunta "com relação ao PLANO DE TRABALHO de CAMAÇARI, quem é que está fazendo?"… RODOLPHO diz que é um pessoal nosso… CLAUDIO diz que é pra tirar algumas dúvidas…que o ‘nosso prazo é até terça-feira’… RODOLPHO diz que é terça-feira, dia 16… CLAUDIO diz que o PLANO DE TRABALHO já está disponível na INTERNET… é só pra fazer um acompanhamento…. RODOLPHO diz pra CLAUDIO dar uma ligada no 99714143… diz que cobrou dele ontem e ‘ELE’ disse que estava tudo encaminhado… diz que conversou com o SECRETÁRIO DE OBRAS e ele disse que estava faltando algumas poucas informações pro convênio… que o ‘cara’ do convênio não tinha na hora mas que ia buscar e que hoje ia estar tudo pronto… CLAUDIO pergunta de quem é esse telefone que RODOLPHO deu…. RODOLPHO diz que é de FONTINELI… CLAUDIO diz que tem que dar entrada no PLANO DE TRABALHO na CAIXA ECONÔMICA… RODOLPHO diz que pode cobrar dele, que pode ‘apertar’ ele à vontade… diz que vai conversar com ele (FONTINELI) hoje às três horas da tarde… (12/05/2006 12:11:07)


…RODOLPHO pergunta se falou com FONTENELLE… CLAUDIO diz que falou e que está tudo esquematizado… diz que o PLANO DE TRABALHO já está pronto…diz que já orientou ele (FONTENELLE) onde ele tem que dar entrada… diz que ‘ele’ está dando entrada na segunda-feira de manhã e aí vai passar o protocolo… RODOLPHO diz que vai conferir pra ver se ele está dando entrada com preço corrigido… diz que JORGE está fora.., mas que segunda-feira de manhã fazem isso. CLAUDIO diz que o ‘nosso prazo é até terça-feira’… RODOLPHO diz que falou que era segunda porque ‘esse cabra é mole pra caramba’… (12/05/2006 15:09:59)

FONTENELLE diz que o mais importante não falou, que ‘depois de tudo pronto tem que pegar a assinatura do CHEFÃO’… FONTENELLE diz ‘aí a gente combina eu e você como vamos, usar o MORENO, o que for…’. (15/05/2006 10:26:30)

FONTENELLE diz ‘já estive com o ALMEIDA aqui…to aqui esperando…ele não tinha se mexido porra nenhuma…e em quinze minutos eu estou com o CD completo e me <pico> pra aí…’… RODOLPHO diz ‘eu já estou indo pra aí, tá?’… FONTINELE pergunta pra que… RODOLPHO diz que vai pegar todo o material ‘que não tem nada, absolutamente nada’FONTINELE diz que está pegando tudo com a QUADRANTERODOLPHO diz que vai botar o EVERALDO no carro vai ‘botar a bundinha do Everaldo aqui no meu lado, e a gente vai em todos os lugares pegar cada documentação’… RODOLPHO diz que ‘eles estão achando que é brincadeira’… FONTENELLE diz ‘brincadeira não…’ … RODOLPHO diz ‘eles estão querendo pegar esses onze milhões pra fazer outras coisas…eles devem estar com interesse de fazer outra coisa’diz que está correndo atrás, vai pegar o material todo e vai fazer absolutamente tudo… (15/05/2006 11:43:54)

DIÁLOGO 72:

“RODOLPHO diz que está chegando em CAMAÇARI, vai pegar o material completo e volta para fazerem….diz ‘agora o que eu fico puto da vida…o que me irrita é essa porra… por que tudo na vida faço organizadinho… faço com antecedência… e esse filho da puta vai e faz um negócio desse… foi o primeiro e último negócio que eu fiz com <esse cara>, viu JORGE?’… diz que passou o material todo pra ‘ele’ na terça-feira passada e ‘ele’ disse que estava tudo certo… diz ‘isso tem a seguinte sacanagem: ELE, querendo roubar a gente…ELE quer pegar os ONZE MILHÕES e botar em obras dele…contrato DELE fudido que ELE tem lá’… JORGE pergunta ‘Você está falando de quem? Você está falando do pessoal lá’ ou do ‘rapaz que estava aqui?’ (possivelmente da empresa SETA, responsável por elaborar o plano de trabalho e indicado por NETO)… RODOLPHO diz ‘…do rapaz que estava aí… ele quer roubar a gente… o SECRETÁRIO também quer, porque o SECRETÁRIO quer fazer as obrinhas pequenininha dele lá porque ele também tem a EMPREITEIRAZINHA <fudidinha> lá dele…e o PREFEITO está querendo roubar os dois…porque o PREFEITO não vai assinar <porra nenhuma> pra eles… só que eles ainda não sabem disso’… JORGE diz que está preenchendo quase que aleatoriamente com o pouco conhecimento que tem de áreas afins… ‘…agora, um mínimo de informação eu realmente vou precisar…’ .. RODOLPHO diz ‘…eu vou buscar absolutamente tudo, eu já falei para o SECRETÁRIO aqui…já esculachei todo mundo…já falei com o SECRETÁRIO, ele vai sentar a <bundinha> dele aqui do lado do carro e ele vai comigo em cada ÓRGÃO, a gente vai pegar cada uma das coisas… eu não quero ninguém pegando mais nada… eu mesmo vou com ele…’ … JORGE pede pra colocar em contato uma pessoa que possa passar dados (nome, endereço, DDD,…)… RODOLPHO diz que não vai usar mais ninguém ‘vai ser o SECRETÁRIO…o SECRETÁRIO vai por a <bundinha> dele <suja> aqui, e a gente vai em todos os lugares pegar toda a documentação’… JORGE diz que a parte do PLANO DE TRABALHO propriamente dito ele preenche…diz ‘meu problema vão ser as assinaturas e os anexos… então você tem que arrumar uma pessoa que me identifique as coisas que eu estou querendo aqui…’… RODOLPHO pergunta ‘essas informações são do que?’… JORGE diz que vai precisar: nome do município (CAMAÇARI), endereço da prefeitura, DDD da prefeitura, telefone da prefeitura, conta corrente onde vai ser depositado o dinheiro, número da conta corrente, banco, número da agência, praça de pagamento… diz que tem um titular e um segundo partícipe’… RODOLPHO pede pra JORGE anotar o telefone 91680671, do EVERALDO, da SECRETARIA de OBRAS… (15/05/2006 11:47:43)


FONTINELE diz que está saindo para SALVADOR e pergunta se RODOLPHO vai direto pro escritório… RODOLPHO diz que vai direto, vai ficar trabalhando com o JORGE… FONTINELE diz que vai passar lá também, se precisar de alguma ajuda… RODOLPHO diz que ali está tranqüilo… FONTINELE diz ‘agora… esqueça a casa… vá só pra MACROS-DRENAGEM e coisa que fature’… RODOLPHO diz ‘não tenha dúvida’… FONTINELE diz que quanto à documentação ‘a pessoa é séria, é minha amiga e já está nas mãos dela’… RODOLPHO diz ‘eu não acredito, só vou acreditar quando o negócio estiver na minha mão, antes disso não acredito’… FONTINELE diz ‘bicho, eu vou pegar no aeroporto… só se o avião cair’… diz ‘isso aí pode deixar comigo’… RODOLPHO diz ‘tá bom, ok’… (15/05/2006 14:10:26)” – (fls. 41/42 da decisão do STJ; fls. 72/73 dos autos).

Da leitura das transcrições acima, observa-se que somente nos diálogos referidos (71 e 72) o ora paciente é indicado como um dos interlocutores e, ainda, algumas vezes, citado por outros investigados em contextos que indicam, ao menos em tese, participação em atividades supostamente ilícitas.

Após essas indicações, é válido apresentar a fundamentação e a parte dispositiva do ato decisório ora impugnado no que concerne especificamente ao ora paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE), verbis:

“Temos como identificada a participação de cada um dos quarenta e nove investigados, comprovados os diversos episódios pelos diálogos telefônicos interceptados com autorização judicial, os quais apresentam coerência entre si e com os episódios que, anunciados adredemente nas conversas, vão acontecendo, tudo acompanhado de perto pela autoridade policial que, sem interferir, vai monitorando e registrando, mediante a análise de histórico de chamadas interceptadas e vigilância ordenada, como permitido pelas Leis 9.034/95 e 9.296/96.

Como ressaltou o MPF, temos apenas o início das provas que foram colhidas com grande esforço, diante das técnicas de atuação próprias das organizações criminosas. Infiltradas no aparelho estatal e atuando na penumbra, facilmente apagam os vestígios da atuação delitiva, destruindo documentos, apagando arquivos eletrônicos, coagindo e comprando testemunhas.

O que aqui se apresenta são, portanto, resultados parciais das diligências que serão ampliadas pela autoridade policial, mas, no meu entender, já são suficientes para adoção de algumas providências judiciais, tornando ostensiva a colheita de prova que vinha sendo feita em sigilo.

Ademais, é preciso paralisar a atuação da organização criminosa que, sem freio e sem medo, continua em plena atividade, avança sobre o erário e, despudoradamente, corrói um dos pilares de sustentação do Estado: a credibilidade e moralidade das instituições estatais e a força econômica de implementação dos objetivos do Poder Público. A ambição dos integrantes da cúpula da organização é desmedida e, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República.

Entendo que se faz necessária a custódia preventiva e cautelar de todos os membros da organização, diante da participação inequívoca de cada um deles, conforme posição descrita.

Considero presentes, diante do que foi apurado e aqui exposto, os requisitos legais da prisão cautelar de que trata o art. 312 do CPP, seja para garantia da ordem pública e econômica, a extremada modalidade de coerção visa quebrar a espinha dorsal da organização criminosa, dando um basta nos desmandos administrativos e delitos praticados pelo grupo, os quais atingem os valores morais e éticos das organizações estatais, ao tempo em que minam os recursos públicos; seja por conveniência da instrução, assegurando maior liberdade na apuração dos fatos, evitando que os investigados, infiltrados nos organismos estatais destruam ou camuflem as provas necessárias a uma perfeita investigação. Afinal, tratando-se de organização criminosa, espraiada em diversos Estados da Federação, com atuação continuada de diversos agentes públicos e até de agentes políticos, a continuidade delitiva é fato incontrolável.


Por todas essas razões, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA, a ser cumprida pela Polícia Federal, das seguintes pessoas, todas identificadas e qualificadas nos autos do inquérito, onde estão indicados os artigos tipificadores de suas condutas:

[…]

21) JOSÉ EDSON VASCONCELOS FONTENELLE;” – (fls. 59-61 da decisão do STJ; fls. 97/98 dos autos).

Da leitura dos termos da fundamentação da prisão preventiva, denota-se que a premissa maior para a indicação da necessidade da decretação da custódia cautelar é a de que: “segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, novíssimo projeto lançado em fevereiro pelo Presidente da República” – (fls. 66 da decisão do STJ; fls. 97 dos autos).

Conforme destacado acima, o ora paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE) não foi indicado, mencionado, nem sequer descrito como um dos interlocutores dos diálogos interceptados a partir do mês de fevereiro de 2007. A rigor, dos documentos constantes dos autos e/ou referidos pela decisão impugnada, a participação do referido investigado cinge-se estritamente ao período de maio de 2006.

A jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Federal entende que o ato judicial que decreta custódia cautelar somente poderá ser implementado se devidamente fundamentado, nos termos do art. 93, IX da Constituição Federal c/c art. 312 do Código de Processo Penal (cf. HC no 88.537/BA, Segunda Turma, unânime, de minha relatoria, DJ 16.6.2006).

A esse respeito, considero que, não é possível conceber como compatível com a garantia constitucional da presunção de inocência qualquer imputação provisória de cumprimento da pena que não esteja devidamente fundamentada.

Nesse ponto, para se autorizar a prisão cautelar de qualquer cidadão (CPP, art. 312), é necessário que o juízo competente indique e especifique, de modo minudenciado, elementos concretos que confiram base empírica para legitimar e fundamentar essa medida excepcional de constrição da liberdade.

A depender da situação concreta em apreço, por conseguinte, ao se cominar custódia cautelar em matéria penal, a inobservância desses requisitos legais e constitucionais pode se configurar como grave atentado contra a própria idéia de dignidade humana – princípio fundamental da República Federativa do Brasil e elemento basilar de um Estado democrático de Direito (CF, art. 1o, caput e III).

O cerceamento preventivo da liberdade não pode constituir castigo ou punição àquele que sequer possui contra si juízo formulado pelo Parquet quanto à plausibilidade de persecução penal que deva, ou não, ser instaurada pelo Estado.

Caso se entenda, como enfaticamente destacam a doutrina e a jurisprudência, que o princípio da dignidade humana não permite que o ser humano se convole em objeto da ação estatal, não há compatibilizar semelhante idéia com a privação provisória da liberdade que seja determinada de modo carente de devida fundamentação.

Entretanto, tenho indeferido pedidos de medidas liminares nas circunstâncias em que: a) exista ato judicial que determine a prisão cautelar; e b) a fundamentação esteja em consonância com os pressupostos de cautelaridade, análogos, ao menos em tese, aos previstos no art. 312 do CPP. Nesse sentido, arrolo as seguintes decisões monocráticas proferidas em sede de medida cautelar, nas quais reconheci a idoneidade da fundamentação da custódia preventiva: HC no 84.434-SP, DJ de 03.11.2004; HC no 84.983-SP, DJ de 04.11.2004; HC no 85.877-PE, DJ de 16.05.2005; e HC no 86.829-SC, DJ de 24.10.2005, todos de minha relatoria.

A hipótese dos autos, porém, parece-me distinta.


Salvo melhor juízo quanto ao mérito, o paciente JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE teve contra si ato judicial que não indica fatos concretos que, ao menos em tese, justificariam a prisão preventiva prevista nos termos do art. 312 do CPP.

No caso concreto ora em apreço, um dos elementos utilizados pela prisão preventiva é o de que seria necessário “paralisar a atuação da organização criminosa […] que, segundo diálogos interceptados no mês de fevereiro, já estão se preparando para atacar as verbas que serão liberadas para atender ao PAC” – (fl. 122).

É dizer, em relação ao caso específico do ora paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE), o decreto cautelar não individualiza quaisquer elementos fáticos (transcrições de diálogos telefônicos etc.) indicativos da vinculação da condição pessoal e/ou funcional atualmente ostentada pelo ora paciente e a iminente atuação da suposta “organização criminosa” a partir das interceptações de diálogos ocorridas a partir do mês de fevereiro de 2007.

Um aspecto decisivo para a formação de um juízo preliminar acerca da alegação de carência de fundamentação da prisão preventiva quanto ao paciente (JOSÉ ÉDSON VASCONCELLOS FONTENELLE) diz respeito ao elemento de que não há, ao menos à primeira vista, no decreto cautelar, a exposição detalhada da concatenação fático-jurídica entre os fatos imputados ao paciente no período de maio de 2006 e a apontada iminência de risco de continuidade delitiva pela suposta organização criminosa.

Ante o exposto e ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito deste writ, verifico a presença dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora).

Nestes termos, defiro o pedido de medida liminar, para revogar a prisão preventiva decretada em face do ora paciente.

Expeça-se alvará de soltura em favor do ora paciente.

Comunique-se, com urgência.

Após, abra-se vista dos autos, com urgência, ao Procurador-Geral da República (RI/STF, art. 192).

Brasília, 22 de maio de 2007.

Ministro GILMAR MENDES

Relator

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