Bastidores da Justiça

Rotina do Judiciário ignora campanhas de democratização

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20 de maio de 2007, 0h01

Amplos setores da sociedade brasileira vêm destacando a necessidade de democratização do Poder Judiciário entre nós. Movimentos da sociedade civil organizada, do Poder Legislativo, do Executivo e do próprio Judiciário insistem nessa meta. Nada obstante, o que se observa é que, na prática, muito há que ser feito, ainda quando se disponha de uma Secretaria Especial da Reforma do Judiciário, ligada ao Ministério da Justiça, e de um sistema de controle externo exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, de acordo com o que ficou estabelecido pela Emenda Constitucional 45, formado por uma composição eclética e fecundado em um quadro de reformas institucionais ainda inconclusas.

Este artigo tem o propósito de demonstrar que o encaminhamento das ações da rotina do Poder Judiciário e de seus atos de gestão administrativa, com naturais reflexos para a sua atividade-fim (prestação jurisdicional), em grande medida, continua transparecendo como se nada disso existisse e como se esforço algum no sentido da requalificação da administração Judicial no país de fato não se mostrasse à inteligência nacional.

Realmente, o Poder Judiciário no Brasil continua a ser exercitado por um corpo de profissionais judiciários ainda descolados da pós-modernidade, assim por ignorância ou conveniência, e, por isso, ainda não de todo afetados da urgência pela mudança da cultura interna que em seus espaços públicos ainda é vergastada, sobranceiramente e sem pejo. Porque, afinal, sem mudar uma vírgula sequer do material normativo existente, pode-se dizer o que bem se entenda a respeito do episódio da lei e do seu sentido, sobretudo quando se dirija a regular aspectos interna corporis que tocam fundamente aos sentimentos arraigados de predomínio e hegemonia no âmbito dos Tribunais, haja vista a autonomia constitucional que lhes é reservada pela Ordem Jurídica.

Em uma consulta inteiramente fora da rotina dos trabalhos judiciários, o Conselho Nacional de Justiça, tomando a matéria para discussão à forma de “Pedido de Providências”, ex-officio, passou a considerar, novamente, a incidência do artigo 2º da Resolução 06/2005, de sua lavra, quanto ao acesso aos Tribunais Regionais Federais, haja vista aparente divergência no âmbito da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal a respeito do mesmo assunto.

A regra dispõe acerca da aferição do merecimento da magistratura Nacional à ordem da primeira quinta parte da Lista de Antiguidade dos juízes de quaisquer carreiras. Sobre isto, a não-incidência da regra moralizadora em questão, tanto em relação à Justiça Federal como a qualquer outra Organização Judiciária da União ou dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, vai acarretar não apenas insegurança jurídica e instabilidade no sistema de promoções da magistratura nacional, mas possibilitar que os velhos arranjos de bastidor, tomados como expressões corporativas da pior tradição, divirjam, com aparência de legalidade, da nova orientação prevista pela Ordem Constitucional (EC 45/2004).

Ela irá exigir transparência, objetividade e impessoalidade nas relações internas da Administração da Justiça em nosso país, sem exclusão de segmento algum, porque, afinal, a pacificada jurisprudência que vale, no sentido de aplicar a regra do art. 93, II, “b”, da Constituição Federal, à Justiça do Trabalho, não pode deixar de ser aplicada à Justiça Federal, porque igualmente concebida “sem entrâncias”, mas em cargos.

Um princípio simétrico e lógico exige que o tratamento seja igual, eis que análogas são as situações dessas ordens da carreira judicial. Sentido oposto é puro arbítrio que evidentemente desserve à Constituição. Por isso, o Órgão consulente, ante a proximidade da vacância de um de seus cargos e prestes a descumprir a saudável regra do artigo 2º da Resolução 06/2005 do CNJ, para o que chegou a ajustar Resolução local capaz de excluir os mais antigos pelo exame analítico seletivo das biografias de candidaturas judiciais ao acesso a seus próprios quadros, limitado ao período dos dois últimos anos de judicatura e com desprezo a tudo o mais, se houve com especial desenvoltura e menosprezo à principiologia constitucional aplicável, inclusive porque à lavratura do ato supostamente normativo concorreram, paradoxalmente, Juízes convocados que atuaram em causa própria.

O trágico de toda essa situação, todavia, é que o resultado da tal consulta, produzido pelo CNJ, após empate na votação regular e de proposta isolada para provocação do Procurador-geral da República no sentido da propositura de uma Ação Direta de Constitucionalidade que afastasse inteiramente os menores supostos de dúvida sobre a insubstituível correção da norma regulamentar em foco (artigo 2º, Resolução 06/2005-CNJ), é uma contradição elevada ao paroxismo de sua própria atuação constitucional de controle e sistematização das rotinas que decorrem da prática do Poder Judiciário no país, sobretudo em face do artigo 37 da Constituição Federal que é consubstancial ao modelo do Órgão de controle extrajudicial entre nós.

Ao que parece, o esforço do Órgão consulente traduz um nítido exercício de dirigismo, sob a circunstancial e precária proteção do Órgão que exerce o controle externo sobre aquele, que não se presta, na verdade, a realizar o objetivo do que afinal propugna: materializar uma meritocracia realmente inverossímil. Estamos prestes a assistir mais uma clara manifestação de injustiça na carreira da Magistratura, tida por muitos como “moeda” a debilitar a capacidade subjetiva dos Magistrados, protagonizada pelo próprio Poder ao qual se confia a responsabilidade pública de distribuí-la no varejo, em atacado ou na instrumentalização de seu próprio funcionamento institucional.

Não parece fazer o menor sentido ético que nomes carimbados que não constam da primeira quinta parte mais antiga da Lista de Antiguidade (artigo 93, II, al. “b”, CF), já venham a ser tomados como vitoriosos em uma disputa para a qual poucos se animam a postular. Last but not least, impressiona que o CNJ, instituído justamente para coibir situações do tipo, dentre muitas outras, acabe por disseminar, ainda que acidentalmente, uma nuvem de sombras que serve a objetivos nada justificáveis, ante o enredo autoritário e os devaneios egocêntricos de quantos ainda não se deram conta de que vivemos em um regime democrático e inter-grupal.

Sobre isto, uma motivação de pretensão hegemônica entre grupos dominantes nos tribunais é o que, na tradição brasileira, ainda hoje, explica esse tipo de fenômeno que, nada obstante, merece ser coibido, sobretudo para evitar que, no futuro, novos episódios de “venda de sentença” acabem sendo viabilizados em face desse tipo de atmosfera corporativa.

Antes de analisar as faltas, ainda quando graves, dos acusados em vestes talares, será sempre prudente que se evitem as condições para que as defecções humanas jamais aconteçam. A conferir!

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