Terrorismo no trabalho

Banco do Brasil é condenado a pagar R$ 600 mil por assédio moral

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15 de maio de 2007, 19h50

Reconhecer o assédio moral não é fácil. Pode ser uma palavra do superior hierárquico, intencional e frequentemente pronunciada, capaz de causar um estrago físico e mental no empregado. Assim, por ser um processo gradual, não é possível estabelecer o tempo de prescrição.

O entendimento é do juiz Márcio Roberto Andrade Brito, da 1ª Vara do Trabalho de Brasília, que condenou o Banco do Brasil a pagar R$ 600 mil de indenização a uma funcionária. O motivo foi o assédio moral, justamente, no setor de ouvidoria da instituição. Ficou comprovado que o banco, ao saber das queixas contra a gerente daquele departamento, não tomou as providências necessárias para resolver a situação.

Segundo o juiz, ordens confusas, cobranças desmedidas, excesso de tarefas e mesmo o fato de ser ignorado impõem uma pressão desnecessária ao trabalhador. O mais singular é esse tipo de situação ter ocorrido na ouvidoria do banco, setor destinado a lidar com reclamações e sugestões.

Ele destaca que o funcionário da ouvidoria, geralmente, é dedicado, tem uma visão ampla da empresa, gosta de trabalhar para ela e sabe que o bom resultado só será alcançado com o empenho e harmonia de todos. Mas, enquanto as ações externas do “BB responde” apresentavam resultados, os funcionários, que trabalhavam nesse setor, não percebiam “no próprio ambiente de trabalho a aplicação dos princípios então pregados. A impressão é de que, internamente, havia nítido distanciamento entre o discurso e a prática”.

A gerente do banco, responsável pelo assédio, defendia, em palestras, o papel do ombudsman, que “humaniza e personaliza o atendimento e, ao mesmo tempo, possibilita a interação da organização com o ambiente, consolidando sua imagem junto à sociedade”. Entretanto, humilhava seus subordinados, sobrecarregava a funcionária apenas para mostrar que ela não tinha competência e se referia a ela como “gerentinha”, segundo o juiz.

De acordo com ele, as provas desse tipo de atitude, aliada aos danos psíquicos causados à funcionária, devidamente comprovados através de laudo médico, caracterizam o assédio moral.

Por fim, ele definiu a quantia da indenização com base no “porte e o valor histórico do agente responsável, o cenário do ilícito, a repercussão social da ocorrência de terrorismo psicológico no ambiente de trabalho, a capacidade intelectual do preposto responsável (gerência da ouvidoria), entre outros”. Cabe recurso.

Leia íntegra da decisão

ATA DE AUDIÊNCIA

Em 04 de maio de 2007, às 17h05, na sala de sessões da 1ª Vara do Trabalho de Brasília, sob a direção do Exmo. Juiz MÁRCIO ROBERTO ANDRADE BRITO, foi proferida SENTENÇA nos autos da reclamação trabalhista nº. 00148-2007-001-10-00-0, movida por LUCRÉCIA WELTER RIBEIRO contra BANCO DO BRASIL S/A, nos seguintes termos:

I – RELATÓRIO

Vistos os autos.

A reclamante propôs a condenação do reclamado ao pagamento de indenização em valor a ser estipulado pelo Juízo, alegando ter sido vítima de assédio moral. À causa deu o valor de R$ 15.000,00 para fins de alçada. Juntou documentos.

Notificado, o reclamado contestou às fls. 185/211, argüindo prejudicialmente a prescrição. A defesa foi acompanhada de documentos.

A reclamante produziu réplica às fls. 244/254.

Em audiência, foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas e um informante.

Encerrada a instrução processual.

Houve entrega de memoriais.

Impossível a conciliação.

É o breve relatório.

II – FUNDAMENTOS

(1) PRESCRIÇÃO – INEXISTÊNCIA

O reclamado suscitou prescrição em relação a todo e qualquer pedido que tenha origem em data anterior a 15/02/02, realçando em razões finais que a relação de subordinação entre a reclamante e a gerente ODILA DE LARA PINTO, apontada como responsável pelo assédio moral, foi rompida em 06/02/02.

A questão não possui os contornos simples delineados pelo banco, até porque o último ato praticado pela gerente aconteceu em 19/02/02, quando registrou na avaliação funcional da reclamante a informação “Funcionária não confiável. Perda de Confiança”.

No assédio moral, o efeito danoso ao trabalhador pode se consolidar tempos depois da violência praticada, tal como ocorre nas mesopatias e tecnopatias, circunstâncias em que se deve aplicar o entendimento das súmulas nº. 230 do STF e nº. 278 do STJ.

É importante notar que o assédio moral caracteriza-se a partir de uma conduta rotineira e freqüente, o que pressupõe dizer que o dano físico ou psíquico apresenta-se de forma lenta e silenciosa.

Assim, não é possível fixar-se uma data certa para o início da contagem do prazo prescricional, tal como acontece nos danos oriundos de evento certo, único e determinado.


Na hipótese dos autos, a violência sofrida pela reclamante teve início no período em que esta trabalhou na ouvidoria do banco, havendo, todavia, constatação de ato posterior à mudança de setor.

Os efeitos da violência, entretanto, somente foram sentidos de forma mais grave no decorrer dos sintomas psicológicos detectados clinicamente nos últimos cinco anos.

Assim, não há falar em prescrição. Rejeita-se a prejudicial invocada.

(2) BANCO DO BRASIL – PATRIMÔNIO NACIONAL – ORGULHO DO BRASILEIRO

1808 – A Guerra que Napoleão movia contra a Inglaterra provocou conseqüências drásticas à Coroa portuguesa e o Príncipe Regente transferiu a sede da monarquia para o Brasil, mudando substancialmente o quadro das relações internacionais no contexto da América do Sul.

Numa viagem longa e cheia de atropelos, todo o aparelho burocrático de Portugal, ministros, conselheiros da Corte Suprema, funcionários do tesouro, patentes do exército e da marinha, membros do alto clero, vieram para o Brasil, trazendo o tesouro real, os arquivos do governo, uma máquina impressora e várias bibliotecas. Era o início de uma reviravolta na vida administrativa da Colônia.

A família real, instalada definitivamente no Rio de Janeiro, alterou também a fisionomia daquela cidade, que teve a sua população dobrada de 50 mil para 100 mil pessoas.

Abriram-se teatros, bibliotecas, academias literárias e científicas; fundou-se o primeiro jornal brasileiro (A Gazeta do Rio de Janeiro); chegaram imigrantes de grande importância à cultura, dentre naturalistas, mineralogistas, botânicos, arquitetos e pintores; tudo para atender aos requisitos da Corte e da população em rápida expansão.

Num conjunto de ações que visavam à criação de indústrias manufatureiras (com isenção de tributos à importação de matérias-primas) e à manutenção da monarquia, o Príncipe D. João VI fundou o primeiro banco brasileiro.

O alvará de 12 de outubro de 1808 dizia:

“Determino que os saques dos fundos do meu Real Erário e as vendas dos gêneros privativos dos contratos e administração da minha Real Fazenda, como são os diamantes, o pau-brasil, o marfim e a urzela, se façam pela intervenção do referido Banco Nacional. (…) Ordeno que se haja por extinto o cofre de depósito que havia nesta cidade a cargo da Câmara dela; e determino que no referido Banco se faça todo e qualquer depósito judicial ou extrajudicial de prata, ouro, jóias e dinheiro.”

Surgiu o BANCO DO BRASIL.

A história dessa instituição financeira se confunde com a própria história do Brasil. É um dos poucos, talvez o único banco do mundo, que carrega em sua razão social o nome do país.

O Banco do Brasil foi criado para propiciar o desenvolvimento do país e não há como se negar que a sua participação nesse objetivo foi coroada com êxito.

A empresa tem a existência praticamente dedicada à execução de políticas públicas voltadas à agricultura, ao comércio e às pequenas e médias empresas e viabilizou, ao longo desse tempo, a realização dos sonhos de muitos brasileiros.

Uma singela demonstração disso está registrada no cancioneiro popular; Luiz Gonzaga, imortalizando a obra de Hildelito Parente e José Clemente, cantou em versos a estória de um matuto que foi bater no banco de Juazeiro para tomar um empréstimo e comprar cinco vaquinhas. Feliz, o sertanejo cuidou de contratar um vaqueiro tangedor, que montou um alazão e fez a boiada, encabulada, seguir com o chocalho tocando assim: “eu sou do banco, do banco, do banco… eu sou do banco, do banco do Brasil”.

No interior deste País, todo município, por menor que seja, possui uma igreja, uma mercearia, uma escola, um posto de saúde, um juiz e uma agência do Banco do Brasil.

A trajetória desse banco o transformou num verdadeiro agente de investimentos na cultura e no esporte. Além de conceder grandes incentivos às diversas manifestações artísticas, através de seus centros culturais (Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília), o banco é, por exemplo, o patrocinador oficial do Vôlei Medalha de Ouro.

Enfim, é motivo de orgulho para os brasileiros.

(3) ASSÉDIO MORAL – CENÁRIO DAS AÇÕES – A OUVIDORIA DO BANCO DO BRASIL – BB RESPONDE

A figura do Ouvidor está presente no Brasil desde 1538, quando Antônio de Oliveira foi nomeado o primeiro ouvidor, acumulando o cargo de Ouvidor da Capitania de São Vicente com o de capitão-mor.

Os ouvidores possuíam o poder de lavrar e promulgar leis, estabelecer Câmara de Vereadores, agirem como comissários de justiça e, principalmente, ouvir as reclamações e reivindicações da população sobre improbidades e desmandos administrativos.

Depois disso, em 1809, na Suécia, há registro da implantação Constitucional do Ombudsman Sueco, com missão de verificar a observância das leis pelos tribunais, tendo o poder de processar aqueles que cometessem ilegalidades ou negligência no cumprimento de seus deveres.


No Brasil, a consolidação das ouvidorias teve início em 1986, com a criação da primeira Ouvidoria Pública do Brasil, em Curitiba-PR. A importância desses órgãos foi intensificada pela sua boa atuação até que as empresas privadas passaram a adotar a figura do Ombudsman em seus quadros.

Ombudsman, expressão de origem sueca que significa representante, corresponde ao profissional contratado por um órgão, instituição ou empresa, com a atribuição de receber críticas, sugestões, reclamações da comunidade de forma imparcial.

Em 1988, a Comissão de Notáveis, coordenada pelo jurista Afonso Arinos, tentou sem êxito incorporar o instituto ao texto constitucional; mas esta frustração não reduziu o universo de ouvidorias, que, ao contrário, se espalharam como excelente canal de comunicação para se relacionar com a sociedade.

Em 16/03/95, foi criada a Associação Brasileira de Ouvidores/Ombudsman (ABO), com o objetivo de estimular e promover o congraçamento e o relacionamento entre todos aqueles que exerçam a função de Ouvidor no Brasil.

O Banco do Brasil é uma das instituições associadas à ABO e está ali representado por Odila de Lara Pinto, então gerente da ouvidoria e, conseqüentemente, superior hierárquica da reclamante.

A Assembléia Geral Extraordinária da ABO, convocada em 19/12/97, instituiu o Código de Ética do Ouvidor/Ombudsman, baseado nos seguintes princípios:

“A natureza da atividade da Ouvidoria está diretamente ligada à compreensão e ao respeito às necessidades, direitos e valores das pessoas.

Entende-se por necessidades, direitos e valores não apenas questões materiais, mas também questões de ordem moral, intelectual e social, e que direitos só têm valor quando efetivamente reconhecidos.

No desempenho de suas atividades profissionais e, dependendo da forma como essas sejam desempenhadas, o Ombudsman pode efetivamente fazer aplicar, alcançando esses direitos.

A função do Ombudsman visa o aperfeiçoamento do Estado, da Empresa, a busca da eficiência e da austeridade administrativa.

No exercício das suas atividades, o Ombudsman deve defender intransigentemente os direitos inerentes da pessoa humana, balizando suas ações por princípios éticos, morais e constitucionais.”

Os termos do Código de Ética merecem ser enumerados, por guardarem total relevância com o caso que ora se aprecia:

“1. Preservar e respeitar os princípios da “Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Constituição Federal e das Constituições Estaduais”.

2. Estabelecer canais de comunicação de forma aberta, honesta e objetiva, procurando sempre facilitar e agilizar as informações.

3. Agir com transparência, integridade e respeito.

4. Atuar com agilidade e precisão.

5. Respeitar toda e qualquer pessoa, preservando sua dignidade e identidade.

6. Reconhecer a diversidade de opiniões, preservando o direito de livre expressão e julgamento de cada pessoa.

7. Exercer suas atividades com independência e autonomia.

8. Ouvir seu representado com paciência, compreensão, ausência de pré-julgamento e de todo e qualquer preconceito.

9. Resguardar o sigilo das informações.

10. Facilitar o acesso à Ouvidoria, simplificando seus procedimentos, agindo com imparcialidade e justiça.

11. Responder ao representado no menor prazo possível, com clareza e objetividade.

12. Atender com cortesia e respeito às pessoas.

13. Buscar a constante melhoria das suas práticas, utilizando eficaz e eficientemente os recursos colocados à sua disposição.

14. Atuar de modo diligente e fiel no exercício de seus deveres e responsabilidades.

15. Promover a reparação do erro cometido contra o seu representado.

16. Buscar a correção dos procedimentos errados, evitando a sua repetição, estimulando persistentemente, a melhoria da qualidade na administração em que estiver atuando.

17. Promover a justiça e a defesa dos interesses legítimos do cidadão.

18. Jamais utilizar a função de Ouvidor para atividade de natureza político-partidária ou auferir vantagens pessoais e/ou econômicas.

19, Respeitar e fazer cumprir as disposições constantes do “Código de Ética”, sob pena de sofrer as sanções, que poderão ser de advertência, suspensão ou expulsão dos quadros associativos, conforme a gravidade da conduta praticada, devendo a sua aplicação ser comunicada ao Órgão ou Empresa na qual o Ouvidor exerça sua atividade.

20. As sanções serão impostas pela Diretoria Executiva da ABO, ex-ofício ou mediante representação, com direito a recurso ao Conselho Deliberativo, em prazo de 15 dias após a imposição da penalidade aos membros do quadro associativo.

21. As Seções Estaduais poderão ter o seu “Código de Ética e Conduta”, que deverão ser submetidos à apreciação do Conselho Deliberativo da ABO.


22. As sanções impostas pelas Seções Estaduais da ABO poderão ser objeto de recurso ao Conselho Deliberativo da ABO, no prazo de 15 dias.

23. Os procedimentos para a avaliação e aplicação das sanções serão definidos por Resolução da Diretoria Executiva.”

Este Código de Ética é a cartilha que o banco deve seguir, ou seja, o BB RESPONDE está vinculado a cada um dos princípios aqui descritos.

Foi nesse cenário que ocorreram os fatos narrados nos autos.

(4) FUNCIONÁRIOS DA OUVIDORIA DO BANCO DO BRASIL – ORGULHO FERIDO – O PERFIL DOS ASSEDIADOS

A ouvidoria, em qualquer órgão público ou privado, é naturalmente um setor alvo de críticas, justamente pelo fato de lidar com queixas, conflitos e denúncias. Funciona como um termômetro do nível de satisfação do cliente (interno ou externo) em relação aos serviços prestados. Sendo assim, é essencial que os empregados que ali atuam sejam detentores de algumas qualidades específicas.

Pelo que se constatou nos autos, o Banco do Brasil teve este cuidado ao selecionar os empregados que trabalhavam na ouvidoria. Todos contavam com muito tempo de casa.

Os que compareceram à audiência, por exemplo, trabalham ou trabalharam no banco há pelo menos 20 (vinte) anos, fator de suma importância para o tipo de atividade, que exige conhecimento profundo da estrutura da empresa, seu histórico, sua filosofia, sua marca.

Empregados com esse perfil normalmente sentem orgulho de trabalhar na instituição, consideram-se peças importantes da máquina e se dedicam com garra ao seu serviço, porque sabem que o sucesso do banco depende da participação de todos.

O setor que serve de medição da qualidade dos serviços do banco, ou seja, que cuida do relacionamento do banco com seus clientes e funcionários, abriga necessariamente um corpo de empregados de alto nível.

Diante disso, pode-se dizer que a prática de assédio moral nesse setor assume um nível de gravidade considerável. É preocupante, porque fere não apenas o orgulho daqueles empregados, mas também expõe ao risco a imagem do banco e a qualidade daquele serviço – o BB RESPONDE.

(5) TERROR PSICOLÓGICO NO TRABALHO – HISTÓRICO – CONCEITO

Embora os estudos sobre o assédio moral no ambiente de trabalho sejam relativamente recentes, o fenômeno em si é tão antigo quanto o próprio trabalho.

Hássada Ferreira, em sua obra Assédio Moral nas Relações de Trabalho, traça um histórico muito interessante sobre a evolução do fenômeno, que passamos a resumidamente relatar.

As pesquisas envolvendo a figura do assédio moral iniciaram-se no ramo da biologia, através dos estudos do etologista Konrad Lorenz, analisando a conduta de determinados animais quando confrontados com invasões de território por outros animais de maior porte. O que chamou a atenção do pesquisador foi o comportamento agressivo desenvolvido pelo grupo, que tentava expulsar o invasor solitário com intimidações e atitudes agressivas coletivas, conduta que Lorenz denominou mobbing, expressão do inglês que traduz a idéia de turba ou multidão desordeira.

Já na década de 60, um médico sueco, Peter-Paul Heinemann, analisava o comportamento de crianças reunidas em grupo no ambiente escolar e obteve resultados parecidos com aqueles alcançados na pesquisa de Lorenz. Foi reconhecida a mesma tendência dos animais nas crianças, ou seja, em demonstrar hostilidade a outra criança que invadisse o seu espaço.

Na década de 80, o psicólogo alemão Heinz Leymann descobriu o mesmo comportamento, desta feita no ambiente de trabalho. Segundo o pesquisador, a nota diferencial reside na ausência de violência física. A conduta insidiosa é marcada pelo isolamento social da vítima e é de difícil demonstração; porém, as conseqüências na saúde mental da vítima são devastadoras, sendo a causa de 15% dos suicídios na Suécia – comenta a psicanalista francesa Marie-France Hirigoyen.

O tema passou a ganhar proporções internacionais, com o surgimento de leis na França, Suécia, Noruega, Austrália e Itália, visando coibir o assédio moral nas relações de trabalho. No Brasil, entretanto, a discussão ainda é tímida.

Atualmente, entende-se por assédio moral toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamento, atitude, etc.) que, intencional e freqüentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

São consideradas condutas comuns de assédio moral: dar instruções confusas e imprecisas ao trabalhador; dificultar o trabalho; atribuir erros imaginários ao trabalhador; exigir, sem necessidade, trabalhos urgentes; impor sobrecarga de tarefas; ignorar a presença do trabalhador ou não cumprimentá-lo ou, ainda, não lhe dirigir a palavra na frente dos outros, deliberadamente; fazer críticas ou brincadeiras de mau gosto ao trabalhador em público; impor horários injustificados; retirar injustificadamente o instrumento de trabalho; agredir física ou verbalmente o trabalhador, quando estão sós o assediador e a vítima; promover revista vexatória; restringir o uso de sanitários; provocar insultos, ameaças e isolamento.


Esses comportamentos podem ser classificados em quatro espécies: técnicas de relacionamento; técnicas de isolamento; técnicas de ataque e técnicas punitivas.

Entretanto, tal classificação não é rígida, admitindo-se outras formas de assédio moral, nas quais a agressão é dissimulada.

“Manifestam-se por suspiros seguidos pelo erguer de ombros, por olhares de desprezo, críticas indiretas, subentendidos malévolos, zombarias, murmúrios, rumores sobre a vítima, ironias, sarcasmo e outros toques desestabilizadores, geralmente em público. (…) A hostilidade do assediador é percebida, mas alguns, mais distraídos, confundem-na com brincadeiras. Não raro o assediador tenta reverter a situação e apresenta a vítima como se fosse o próprio assediador. (…) Marie-France Hirigoyen assevera que é muito comum o assediador utilizar-se de provocações e de indiretas. Quando a vítima se mostra irritada com a situação e reage, o perseguidor vale-se de justificativas como ‘Ah, nada disso me espanta, essa pessoa é louca, é desequilibrada, é temperamental, é hipersensível, é agressiva, é desajustada’. E em seguida acrescenta: ‘Imagina, eu estava só brincando! Aliás, eu nem estava falando de você!’ (Alice Monteiro de Barros, in Curso de Direito do Trabalho – 2ª Edição – São Paulo: LTr, 2006.)”

São elementos necessários à configuração do assédio moral: a intensidade da violência psicológica; o prolongamento no tempo; a finalidade de ocasionar um dano psíquico ou moral ao empregado, para marginalizá-lo no seu ambiente de trabalho; que se produzam efetivamente os danos psíquicos, os quais se revestem de índole patológica.

Em relação aos danos psíquicos, é importante dizer que constituem uma enfermidade a ser provada através de diagnóstico clínico.

“O dano psíquico poderá ser permanente ou transitório. Ele se configura quando a personalidade da vítima é alterada e seu equilíbrio emocional sofre perturbações, que se exteriorizam por meio de depressão, bloqueio, inibições, etc. Esses estados devem guardar um nexo de causalidade com o fato danoso. Poderá ocorrer de este último não gerar o desequilíbrio emocional, mas agravá-lo. Nessa última hipótese, aplica-se a concausa, e o responsável responde pelo agravamento. (Alice Monteiro de Barros; idem).”

Há vários perfis de assediador, denominados popularmente como o mala-babão, o pitt-bul, o troglodita, o tigrão, o garganta. Entretanto, para a configuração do assédio, o que menos importa são esteriótipos, mas sim que, através de meios nem sempre percebidos, como a comunicação hostil, o isolamento, e outras formas, a vítima é paralisada, anestesiada, e deve suportar tudo silenciosamente ou então tomar por si mesma as medidas para se livrar da situação humilhante – ensina Hássada Ferreira.

Em relação à forma do assédio, este pode se configurar em três tipos de relação: descendente, horizontal e ascendente.

A forma mais comum é a descendente, também denominada assimétrica, na qual o assédio moral advém do poder hierárquico do superior sobre o(s) subordinado(s). O objetivo é eliminar a vítima e valorizar o próprio poder, seja provocando a mudança de setor, a aposentadoria voluntária ou mesmo o pedido de demissão.

Outra forma de assédio é a horizontal, ou, como queiram alguns, simétrica, que se desenvolve entre colegas de trabalho. O objetivo é a disputa por espaço e acontece, normalmente, quando se postula o mesmo cargo ou uma promoção.

A terceira forma, não comum, é a ascendente, ou seja, quando um superior hierárquico é assediado por um ou mais subordinados, situação que pode ser exemplificada com a falsa acusação de assédio sexual.

O combate ao assédio moral também beneficia a empresa. Estudos da OIT (Organização Internacional do Trabalho) demonstram que os pequenos e grandes empregadores começaram a tomar consciência de que os transtornos mentais advindos de más condições de trabalho significam elevação de custo, tanto pelos gastos médicos como pelos afastamentos por incapacidade, apercebendo-se da relação existente entre saúde mental e produtividade. Para se ter uma idéia dos gastos, anualmente, perde-se 200 milhões de dias de trabalho nos EUA – comenta Hássada Ferreira.

A análise desses fatores é relevante para o presente caso.

(6) O DISCURSO E A PRÁTICA – QUANDO O DISTANCIAMENTO PROVOCA DESEQUILÍBRIO

A home page do Banco do Brasil apresenta a Ouvidoria como a instância à qual os clientes/cidadãos recorrem para buscar solução de problemas no seu relacionamento com o banco, mediante o registro de reclamações, denúncias e sugestões.

O objetivo da Ouvidoria do Banco do Brasil é tratar dos casos não solucionados pelo atendimento convencional e contribuir para a melhoria de processos, produtos e serviços do banco.


Nessa intenção, a Ouvidoria se compromete a disseminar a cultura de cidadania; mediar eventuais conflitos entre os clientes e a empresa, buscando soluções com agilidade e eficácia; atuar com transparência, isenção e respeito ao consumidor; garantir com facilidade de acesso o direito de manifestação do cliente/cidadão e propor soluções corporativas e melhorias à Organização.

“Originariamente voltado para controle da administração pública, a migração do ombudsman para as instituições privadas mostrou no Brasil a potencialidade do instituto em vários campos de atividade e os benefícios dele decorrentes, quer internamente, na melhoria do clima organizacional e da qualidade, quer externamente, atuando como eficiente elo entre o mercado e a empresa.

O ombudsman humaniza e personaliza o atendimento e, ao mesmo tempo, possibilita a interação da organização com o ambiente, consolidando sua imagem junto à sociedade.”

O trecho acima foi extraído do Informativo da Ouvidoria-Geral do Ministério da Fazenda (Ano I – Nº. 5 – Outubro de 2004), de autoria da Gerente Executiva do Banco do Brasil, Odila de Lara Pinto, citada nos autos.

O texto demonstra a importância da Ouvidoria na melhoria da qualidade e do clima organizacionais e realça o papel do Ombudsman na humanização do atendimento.

Segundo a autora, o princípio se aplica não exclusivamente ao público externo da instituição, mas também, e, sobretudo, ao cliente interno da empresa, ou seja, ao empregado.

Essa noção é de suma importância para a análise do caso dos autos, pois é público e notório que a gerente trata-se de pessoa inteligente e estudiosa; gozando de reconhecida competência perante o mais alto escalão da economia do País, o Ministério da Fazenda, tal como no Banco do Brasil.

A notoriedade da capacidade da gerente não se restringe, todavia, aos limites geográficos brasileiros. Ao contrário, alça vôos internacionais, como se pode observar de sua participação no VI Congresso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Buenos Aires, Argentina, 5-9 – Nov. 2001, com o trabalho: “O serviço de atendimento ao cliente e o respeito ao consumidor: o caso BB RESPONDE”.

O trabalho tem como referencial teórico a tese de mestrado da referida autora, na Universidade de Brasília (UNB), “Ombudsman nas instituições bancárias do Brasil: agente de mudanças”.

Após um breve relato sobre a história recente do Banco do Brasil, ODILA explica o processo de mudança por que passou a instituição a partir de 1986 e, nesse contexto, insere o BB RESPONDE como um instrumento de otimização de serviços e de canal de democratização de informações.

Essa evolução, no entender de ODILA, implica na mudança de paradigmas dentro do ambiente de trabalho, sobretudo no que diz respeito à postura dos funcionários, o que não se consegue de forma impositiva e autoritária:

“A mudança de postura exigida dos funcionários, entretanto, não pôde ser efetivada de imediato. Sabemos que mudanças culturais não se dão por decreto, mas após lenta e profícua maturação dos paradigmas e princípios que norteiam o novo ambiente.”

Com este discurso, sabe-se que a gerente ODILA acredita na necessidade de se estabelecer um cenário equilibrado, harmonioso, respeitoso, justo, maduro, onde prevaleça a cidadania.

O lema era a “saudável obsessão pela qualidade”, se é que se pode qualificar de saudável um sentimento como a obsessão.

Nessa busca, o BB RESPONDE conseguiu a certificação ISO 9002, em novembro de 1998.

A visão da gerente sobre o setor e sobre o seu trabalho como OMBUDSMAN pode ser traduzida na seguinte afirmação, extraída do mesmo trabalho:

“O BB RESPONDE, pelas melhorias e mudanças comportamentais alcançadas ao longo de seus quase cinco anos de atuação, contribuiu para um relacionamento mais equilibrado e respeitoso para com os seus clientes, que ao acionarem o serviço, exercitam a cidadania, aprimoram a Empresa e contribuem para uma prestação de serviço de melhor qualidade a toda sociedade.”

Embora os funcionários daquela Ouvidoria pudessem admitir e concordar com os efeitos externos positivos do trabalho virtuoso por eles exercido, não se pode dizer, entretanto, que enxergassem no próprio ambiente de trabalho a aplicação dos princípios então pregados; a impressão é de que, internamente, havia nítido distanciamento entre o discurso e a prática. No dizer popular, “faça o que digo, mas não faça o que eu faço”.

Quem comete uma falta, consciente da gravidade de seu ato, merece punição maior do que aquele que desconhece o mal que causou.

Para os cristãos, “a qualquer que muito for dado, muito se lhe pedirá; e ao que muito se lhe confiou, muito mais se lhe pedirá” (Evangelho de São Lucas, Capítulo 12, Verso 48). Do mesmo modo, São Paulo escrevendo à Igreja de Roma, questionava: “Tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei?”


Esse aspecto nos chama mais a atenção; ou seja, o fato da completa ausência de diálogo entre empregado e superior hierárquico acontecer justamente dentro do ambiente responsável pela solução de conflitos com o público externo. Note-se que este ambiente é comandado por quem voluntariamente aderiu ao código de ética da ABO, já mencionado anteriormente.

Analisemos alguns trechos da prova colhida em audiência:

“Os empregados se queixaram à gerência de pessoal, quando então foi encaminhado um funcionário para fazer um aconselhamento e averiguar que dificuldades tornavam aquele ambiente pesado. O empregado Fernando então conversou com todos e na ocasião reconheceu que o clima era um pouco pesado e sugeriu que os empregados conversassem com a gerente para buscarem uma estratégia de convivência. As reuniões não eram produtivas porque ODILA não dava prosseguimento ao diálogo e evitava discutir questões levantadas pelos empregados do setor.”

O responsável (OMBUDSMAN) por ouvir o seu representado com paciência, compreensão, ausência de pré-julgamento e de todo e qualquer preconceito, bem como por estabelecer canais de comunicação de forma aberta, honesta e objetiva, era o mesmo que, na prática, interrompia a comunicação, recusava a reflexão e o diálogo e frustrava a boa convivência.

“ODILA humilhava os empregados do setor; atribuía sobrecarga de trabalho à reclamante para demonstrar que esta não tinha bom rendimento; mandava a reclamante catar o lixo da sala; o depoente já presenciou ODILA se referindo à reclamante como gerentinha.”

O responsável (OMBUDSMAN) por atender com cortesia e respeito às pessoas, era o mesmo que expunha seus subordinados a situações vexatórias perante os colegas de trabalho, com críticas e brincadeiras de mau gosto, além de exigir dos mesmos esforços injustificados.

“ODILA prometeu que em um dos trabalhos relacionados com o serviço de atendimento ao cliente BB RESPONDE, coordenado pela reclamante, os empregados seriam contemplados com folga [prêmio]; ODILA não contemplou a reclamante com as folgas sob a alegação de que estava havia acumulado serviço.”

O responsável (OMBUDSMAN) por respeitar toda e qualquer pessoa, preservando a sua dignidade e identidade, era o mesmo que perseguia deliberadamente o seu subordinado.

“ODILA dava as determinações de trabalho com o gesto autoritário de apontar o dedo e dizer que era daquele jeito que ela queria.”

O responsável (OMBUDSMAN) por atender com cortesia e respeito às pessoas e por preservar e respeitar os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Constituição Federal e das Constituições Estaduais, era o mesmo que se comportava com abuso de poder e emitia gestos autoritários em relação aos seus subordinados.

Declaração de Nadir, testemunha do banco: 17 funcionários estavam subordinados à gerente ODILA, mas somente 10 participaram da avaliação. Nessa avaliação, 6 funcionários atribuíram nota mínima ao desempenho da gerente; 3 funcionários atribuíram nota mediana e a depoente atribuiu nota máxima. A partir da reunião seguinte a essa avaliação, a depoente passou a ser apontada por alguns colegas como sendo protegida da gerente. Quando José Marcelo se aposentou, a equipe reconhecia que a depoente era competente para ocupar o cargo, mas não considerava que o seu relacionamento inter-pessoal com os colegas fosse satisfatório. Declaração de José Marcelo, testemunha da reclamante: Nadir ocupava a função de assessor sênior e assumiu a função do depoente quando ele se aposentou. Ficava implícito e o depoente sentia que ODILA desejava que Nadir ocupasse a função do depoente.”

O responsável (OMBUDSMAN) por agir com transparência, integridade e respeito, bem como por buscar a constante melhoria das suas práticas e utilizar eficientemente os recursos colocados à sua disposição, era aquele que cultivava o ciúme, a inveja e a rivalidade entre os empregados do setor, permitia a competição destrutiva de seus subordinados e estimulava, assim, a manutenção da hostilidade no ambiente organizacional.

Declaração de José Marcelo, testemunha da reclamante: O depoente chegou a expor a situação a diretores locais e escreveu uma extensa carta à ouvidoria interna. Houve uma reunião com o diretor da área de marketing, que prometeu providências, mas nada foi feito. Declaração de Iasbeck, informante do Juízo: Em quatro ocasiões, o depoente fez manifestações escritas aos superiores sobre o ambiente de trabalho e sobre o relacionamento com ODILA.”

As técnicas de terrorismo psicológico no ambiente de trabalho eram, portanto, praticadas por pessoa de excepcional conhecimento técnico no assunto, mestre pela UNB, desempenhando função de alta confiança e relevância dentro da instituição (OMBUDSMAN), ou seja, alguém que tinha total consciência dos princípios que devem reger as organizações modernas.


O fato também era do conhecimento do banco, que nenhuma providência eficaz tomou a fim de coibir o abuso, corrigir o desequilíbrio e inibir a prática nefasta aqui constatada.

(7) A INFLUÊNCIA DO COMPORTAMENTO DO LÍDER NA PERSONALIDADE DO GRUPO

As indignações do ex-funcionário Luiz Carlos Iasbeck em relação à gerente ODILA, quando observadas no contexto dos autos, não podem ser rigidamente interpretadas como inimizade capital (CPC, art. 405, § 3º, III), uma vez que refletem o sentimento da coletividade que trabalhava na época sob aquela gerência.

Quando esse informante qualifica o perfil da gerente ODILA como arbitrário, autoritário, esquizofrênico e absolutamente imprevisível, está querendo se referir ao clima de hostilidade que reinava na ouvidoria, tornando a convivência árdua, opressora e injusta.

Este Magistrado, responsável pela colheita da prova, em contato direto com os litigantes e com os demais envolvidos, pôde perceber nitidamente a reprodução daquilo que se vivenciou na prática, ou seja, uma realidade de profundo desequilíbrio, agravada pela desestruturada comunicação entre o superior hierárquico e seus subordinados.

A inércia em se tentar solucionar o conflito parece ter raízes no orgulho cultivado ao longo do tempo, cuja quebra deveria ter sido iniciada pelo líder, pois, nesta condição, presume-se seja detentor de atributos como paciência, tato, sensibilidade, espírito coletivo, preocupação com a transformação, visão holística, enfim, a pessoa capaz de motivar o grupo, aliando a realização pessoal individual com o interesse empresarial de produtividade e bom desempenho.

O líder tem papel preponderante na motivação do grupo; seu modo de gestão interfere diretamente na atmosfera da organização e tem o poder de canalizar o potencial posto à sua disposição (material humano), retirando deste o melhor proveito.

O verdadeiro líder é como o bom ator, que sabe unir talento e técnica; sabe controlar a energia criadora produzindo um resultado convincente e harmônico; sabe ser dinâmico e não permite que a rotina transforme a repetição em tédio.

“É preciso ter muito cuidado na utilização do espelho. Ele ensina o ator a observar antes o exterior que o interior da alma, tanto em si quanto no papel.” STANISLAVSKI citando TORTSOV, in A Preparação do Ator.

Voltar-se para o outro, enxergar as suas necessidades, é o melhor caminho para se conduzir o grupo ao bom desempenho e, conseqüentemente, aos melhores resultados.

Narcisismo gera vaidade; ditadura gera revolta; respeito gera cidadania e dignidade; solidariedade gera autoconfiança; democracia gera democracia; eis aí a razão da constante preocupação que o homem deve ter com os espelhos.

O suposto motim dos funcionários, relatado pela testemunha Nadir, nada mais é do que a revolta nascida do comportamento autoritário da gerência. Era a única alternativa de resistência ao assédio e tentativa de se modificar o paradigma imposto, uma vez que as queixas formais apresentadas à direção do banco não surtiram o efeito desejado, o diálogo.

A gerência, então, passou a experimentar os reflexos maléficos de sua própria imagem e, ao invés de corrigir o equívoco, preferiu utilizar a técnica de ataque-defensivo, passando a perseguir com mais vigor os revoltados. Prova disso é a anotação realizada no registro da reclamante após a sua saída do setor: “Funcionária não confiável; perda de confiança”.

Note-se a importância do provimento jurisdicional que ora se entrega. Não se trata de mera reparação de um direito individual lesado, mas, sobretudo, da pacificação social nas relações de trabalho; uma verdadeira proposta de reflexão, correção e educação que deve servir de exemplo para todas as áreas deste banco que, até o final de 2006, abrangia um universo de aproximadamente 85 mil funcionários.

(8) A PROVA NAS AÇÕES DE ASSÉDIO MORAL – PRINCÍPIO – RAZOABILIDADE NA DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS

Para a solução da presente lide não foi necessário recorrer-se à distribuição objetiva do ônus da prova, porque a instrução processual está repleta de elementos aptos à formação do convencimento do Magistrado.

Todavia, convém dizer que a prova da conduta que caracteriza o assédio moral não é fácil, justamente porque ligada a comportamentos que nem sempre se apresentam de forma clara e visível ao olhar superficial.

Uma das afirmações da testemunha José Marcelo explica o presente raciocínio:

“ODILA mandava a reclamante catar lixo na sala e a reclamante se submetia a isso temerosa de perder sua função ou de ser chamada de incompetente. Perguntada a testemunha se alguma vez ODILA ameaçou retirar a gratificação da reclamante caso ela não se submetesse a tais atitudes, a testemunha disse que não claramente, mas que isso era visível nas atitudes de ODILA.”


No ensino de Alice Monteiro de Barros, incumbe à vítima apresentar indícios que levem a uma razoável suspeita, aparência ou presunção da figura em exame, e o demandado assume o ônus de demonstrar que sua conduta foi razoável, isto é, não atentou contra qualquer direito fundamental. É nessa direção que se inclina a recente legislação francesa sobre a temática (art. 122-52 do Código do Trabalho). A experiência revela que se não existir a adequada distribuição da carga probatória, a normativa a respeito da temática não se tornará efetiva e permanecerá no terreno da declaração das boas intenções. In Curso de Direito do Trabalho – 2ª Edição – São Paulo: LTr, 2006.

Vale registrar, por oportuno, que a testemunha Nadir, trazida pelo banco, respondia às perguntas com moderada hesitação, sempre medindo as palavras e buscando o olhar de todos da sala, como se quisesse obter a aprovação alheia acerca das razões de seu comportamento.

O depoimento da testemunha José Marcelo e do informante José Carlos Iasbeck, todavia, foram contundentes, claros, diretos, objetivos e convincentes ao olhar deste Magistrado, fato que, aliado à prova documental produzida com a petição inicial, não deixa nenhuma dúvida sobre a veracidade das alegações que embasam o pedido.

(9) O DANO PSÍQUICO CAUSADO À RECLAMANTE

Os documentos que instruíram a petição inicial indicam – e isso foi confirmado na prova oral produzida – que a reclamante viveu sob forte pressão psicológica no período em que esteve vinculada à ouvidoria do banco, sofrendo perseguição por parte de sua gerente, Odila de Lara Pinto.

A reclamante foi submetida a tratamento hostil, sob comandos de autoridade abusiva, com atribuições excessivas que deveriam ser cumpridas em exíguo lapso temporal.

A reclamante era taxada injustamente de incompetente, além de ter sido vítima de designações como gerentinha de forma pejorativa.

A reclamante também sofria constantes insinuações, por parte da gerência, para se desligar do setor, muito embora fosse querida pelos seus colegas e gozasse de reconhecida competência para a função que exercia.

As sucessivas situações vexatórias impostas à reclamante resultaram não apenas no apelido de “gerente do cisco”, mas, o que é pior, em danos psíquicos comprovados por relatórios médicos, estando submetida até hoje a tratamento psicológico, com medicação controlada.

Mesmo após o seu desligamento do setor, a reclamante teve uma anotação em seu registro pessoal, cujo teor fere injustamente a sua imagem perante os colegas e mancha significativamente sua trajetória profissional.

O sentimento de injustiça moveu a reclamante a abraçar a causa contra o assédio moral nas empresas, o que é louvável, pois demonstra que sua busca não é de simples reparação do notório prejuízo individual, mas pela concretização de princípios morais e constitucionais.

A reclamante passou então a prestar depoimentos em instituições acadêmicas (UNB e UNICEUB), programas jornalísticos (TV GLOBO, TV RECORD, SBT, TV JUSTIÇA), na tentativa de contribuir para a discussão do problema que é realidade no contexto de milhares de trabalhadores.

Além disso, recorreu ao apoio do Sindicato e do Ministério Público do Trabalho no nítido interesse de defender a prevalência do princípio da dignidade da pessoal humana.

Os reflexos da dor sofrida no âmbito da ouvidoria do banco são sentidos até hoje e somente se consolidaram após a mudança de setor, quando a reclamante tomou consciência das causas que desencadearam as enfermidades diagnosticadas.

Pergunta-se: a sanidade de um ser humano tem preço?

Quando se fala que o homem possui vida afetiva, vida amorosa, vida social, vida profissional, quer-se dizer que estes vários ângulos se unem em torno de uma integridade que faz de cada ser humano único em relação aos demais.

A profissão, portanto, reveste-se de valor capaz de alçar o homem à plena realização ou à completa frustração; isso não depende apenas do desejo pessoal e dos sonhos que impulsionam a vida de cada um, mas também das influências externas e de circunstâncias como tempo e espaço, provocando mudanças de ânimo quando somos estimulados, afagados ou ofendidos. É a intensidade desses resultados que ditará a qualidade das relações sociais, inclusive as de trabalho.

O ambiente organizacional hostil é fator desagregador da convivência social pacífica, desestrutura o bem-estar dos indivíduos e gera um cenário propício à ocorrência de danos à dignidade e à integridade da pessoa humana.

O sentimento dos assediados ouvidos em audiência não é de indignação contra o banco. Se este não exercesse papel de suma importância na vida daqueles, estaríamos diante da total indiferença, estado de inércia que não provoca nenhum desequilíbrio ou dano passível de reparação.


Em verdade, os assediados ouvidos nos autos estão decepcionados, magoados, feridos em seu íntimo orgulho, por terem sido vítimas de uma convivência insuportável no ambiente de trabalho, dentro da instituição que abraçaram durante anos, com paixão, na busca de realização profissional e do sustento próprio e familiar.

Na época da fundação do Banco do Brasil, o contexto social era diferente do que vivemos nos dias atuais. Quem não era escravo, mas exercia um ofício com dignidade, andava a cavalo e de carruagens, comunicava-se por cartas, não tinha pressa, dispunha de tempo para ler, meditar, refletir, admirar a paisagem, parar, conviver com a natureza, sem que isso trouxesse qualquer prejuízo à produtividade.

Duzentos anos depois, o cenário é outro. Vive-se a pressa na execução de tarefas, a rapidez da comunicação virtual, a clausura do ar condicionado, as cobranças por resultados imediatos, a sobrecarga de atividades, a competição por melhores colocações, o medo do desemprego, as tensões do trânsito, as obrigações pequenas do dia a dia (pagar contas; responder a sensos, questionários e cadastros; declarar impostos; verificar e-mails), enfim, um conjunto de ações que propiciam o aparecimento de doenças como o estresse e a depressão. Ninguém está imune a tudo isso.

Entretanto, não podemos esquecer que somos seres humanos e merecemos do outro, no mínimo, um tratamento digno, cordial, urbano e solidário, principalmente dos nossos superiores hierárquicos, a fim de que as agruras e ilusões dos tempos modernos, quando não amenizadas, não sejam ampliadas em prejuízos irreversíveis.

Poder diretivo não se confunde com autoritarismo e ditadura. A subordinação, mencionada na lei como elemento da relação de emprego, é jurídica e, portanto, não confere sujeição total de um às vontades do outro.

A relação de trabalho é antes de tudo um instrumento de cidadania e de democracia; pressupõe um ajuste bilateral, mas sujeito aos princípios éticos, morais e universais.

Isso também é da filosofia do Banco do Brasil – fortalecer o compromisso entre os funcionários e a empresa – mas o desequilíbrio constatado neste processo nos surpreende ao mesmo tempo em que trai o valor histórico e a imagem desta instituição perante a sociedade e o Estado.

Esses aspectos não podem ser omitidos na dosagem da pena (indenização) em seu caráter pedagógico, a fim de se constranger o responsável à reflexão e à tomada de providências para correção dos equívocos.

(10) INDENIZAÇÃO – CRITÉRIO – REPARAÇÃO DO DANO E PEDAGOGIA DA PENA

Inicialmente, é necessário explicar ao reclamado que a presente indenização não pode ser fixada nos termos da Lei de Imprensa, conforme já decidiu o STJ (Súmula nº. 281).

De acordo com os componentes que já foram relatados no decorrer desta sentença, o valor da indenização deve observar o critério da reparação do dano em toda a sua extensão e a pedagogia da pena, considerando-se, inclusive, o porte e o valor histórico do agente responsável, o cenário do ilícito, a repercussão social da ocorrência de terrorismo psicológico no ambiente de trabalho, a capacidade intelectual do preposto responsável (gerência da ouvidoria), dentre outros.

Em síntese, (a) agente responsável: o maior e mais importante banco do Brasil; (b) vítima: funcionária com 28 anos de dedicação ao banco; (c) cenário: a ouvidoria do banco (BB RESPONDE); (d) ilícito: terror psicológico no ambiente de trabalho; (e) conseqüências: danos psíquicos irreversíveis, agravados pela intensidade da violência repetida e prolongada no período de trabalho na ouvidoria; (f) valor da indenização: R$ 600.000,00; (g) fundamento jurídico: Código Civil, arts. 927 e 932, III.

Espera-se que, com o presente provimento jurisdicional, o reclamado, às vésperas de completar 200 anos de existência, possa se redimir de sua inquestionável inércia e que, fazendo jus ao seu inestimável valor histórico para a sociedade brasileira e à sua imagem internacional, possa tomar providências efetivas de combate ao assédio moral no ambiente de trabalho, conduta reprovada pela Organização Internacional do Trabalho e pela Constituição do Brasil.

III – DISPOSITIVO

Este Juízo afasta a prescrição e julga PROCEDENTE a reclamação trabalhista movida por LUCRÉCIA WELTER RIBEIRO contra BANCO DO BRASIL S/A, condenando este a pagar à reclamante, com juros e correção monetária (CLT, art. 883 e Lei n. 8.177/91), indenização de R$ 600.000,00, a título de reparação de danos decorrentes do assédio moral sofrido no ambiente de trabalho, tudo nos termos da fundamentação supra.

Custas processuais, pelo reclamado, no importe de R$ 12.000,00, calculadas sobre o valor da condenação.

Expeçam-se ofícios ao Ministério Público do Trabalho e à Associação Brasileira de Ombudsman, com cópia desta sentença.

Cientes (TST, súmula n. 197).

MÁRCIO ROBERTO ANDRADE BRITO

Juiz do Trabalho

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