Pílula de farinha

Suposta vítima de anticoncepcional terá de devolver indenização

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1 de maio de 2007, 0h01

A Schering do Brasil ganhou o direito de receber de volta indenização paga antecipadamente a uma consumidora que alegou ser vítima do anticoncepcional Microvlar. A empresa é acusada de provocar gravidez não planejada por ter colocado indevidamente no mercado o medicamento na forma de pílulas de farinha (placebos). O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou procedente recurso apresentado pela Schering, anulou sentença de primeiro grau e mandou a consumidora a devolver os R$ 12.292,00 depositados a seu favor. A defesa da consumidora já entrou com recurso.

A reparação feita pelo tribunal se apoiou na tese de que não há qualquer relação entre a conduta da Schering – distribuir anticoncepcional ineficaz – e o dano alegado pela consumidora – gravidez indesejada. Para sustentar esse argumento, a 9ª Câmara de Direito Privado se apoio em três fatos. O primeiro, de que não houve notícia da distribuição de placebos ter chegado a Franco da Rocha (na Grande São Paulo), onde mora a consumidora. O segundo, a não comprovação de que M.A.D. tomava o anticoncepcional regularmente. Por último, a afirmação da usuária de que não notou nenhuma irregularidade, mesmo depois de consultar a data de validade do medicamento.

A turma julgadora entendeu como contraditória esta última afirmação. Ficou provado que as caixas do medicamento defeituoso, naqueles locais destinados às datas de validade e lote, tinham números aleatórios e repetidos. Na opinião da turma julgadora, a falta de data causaria estranheza a qualquer pessoa. “Considerado isoladamente nenhum desses elementos seria apto a embasar nenhuma afirmação, fosse em um fosse em outro sentido; mas o cotejo de todos leva à firme convicção de ausência de responsabilidade por parte da Schering”, afirmou o relator Antonio Vilenilson.

Com esses fundamentos, a turma julgadora resolveu dar nova interpretação ao caso e inverter o resultado da sentença assinada pelo juiz Dimas Borelli Thomaz Júnior, da 30ª Vara Cível da Capital. O magistrado tinha fixado a indenização por danos morais em 200 salários mínimos (cerca de 70 mil). Pelos danos materiais, mandou a empresa pagar pensão mensal de 3 salários mínimos, até que a criança completasse 21 anos. A Schering também foi condenada a pagar as despesas com o parto e teve de incluir a menina num plano de saúde. Foi determinado prazo de cinco dias para pagar a pensão em atraso e os gastos com o parto, sob pena de multa. A empresa cumpriu a determinação e depositou o valor que agora o tribunal mandou ser devolvido.

Outro caso

Este é o segundo caso de inversão de julgamento a favor da Schering por causa das chamadas pílulas de farinha. Em 2006, a 3ª Câmara de Direito Privado afastou condenação, por dano moral, fixada em R$ 350 mil, com o fundamento de que o nascimento de uma criança é fonte de alegria e não do sofrimento exigido para a lesão moral capaz de exigir indenização.

“Uma nova vida foi trazida para a família e o amor ao filho é conseqüência natural, embora não desejado inicialmente”, justificou o desembargador Beretta da Silveira, raciocínio que não foi seguido pelo desembargador Donegá Morandini, relator daquele processo.

Nesse caso, o tribunal manteve apenas a condenação por dano material: pensão mensal de dois salários mínimos (R$ 700) e o pagamento de plano de saúde até a criança completar 21 anos. Foram favorecidos a mãe M.G.S. e o filho M.H.L.A.

A Schering é acusada por dezenas de mulheres, que tomavam Microvlar, de ser responsável por ela gravidez não planejada. A empresa reconheceu que no final de 1998 produziu duas toneladas do anticoncepcional. Eles foram feitos para uso em testes de uma nova máquina de embalagem. Parte do lote chegou ao mercado após suposto roubo.

A empresa diz que não pode ser responsabilizada pelos medicamentos falsos. Sustenta que agiu com diligência e que o despejo do lote de placebo no mercado só aconteceu por conta de roubo em sua fábrica. Argumenta que esse fato deve ser considerado caso fortuito e culpa exclusiva de quem praticou o roubo ou de quem comercializou o anticoncepcional.

Em todos os casos julgados até agora em grau de apelação no TJ paulista tem prevalecido a tese de que a responsabilidade da Schering pelos danos é objetiva, ou seja, não depende de culpa. Em outras palavras: a Justiça pode não saber exatamente o que aconteceu, mas tem certeza de que, por não zelar devidamente pela completa destruição dos lotes de pílulas de farinha, a empresa ajudou para que o produto chegasse às mãos das desavisadas consumidoras.

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