Terror psicológico

Pressão para venda aumentar gera condenação das Casas Bahia

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26 de junho de 2007, 16h26

A 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) condenou as Casas Bahia a pagar R$ 10 mil de indenização por danos morais ao ex-funcionário. O motivo foi a humilhação passada por ele quando trabalhava no local. Cabe recurso.

Segundo o ex-funcionário, quando não conseguia alcançar as metas de vendas estabelecidas, ou ficava em último lugar, era exposto diante dos colegas e recebia o apelido de “lanterninha”. Além disso, sua produtividade era comparada com os demais. Ainda de acordo com ele, a punição era trabalhar na “boca do caixa”, ou seja, nos fundos da loja, em que só podia vender para pessoas que estivessem pagando alguma prestação.

Para o desembargador Jorge Berg de Mendonça, a empresa extrapolou os limites de seu poder diretivo ao exercer uma forte pressão psicológica sobre o funcionário. “A prática da boca de caixa pela empresa atingiu os aspectos da personalidade do autor como o da intimidade, da consideração pessoal, da reputação e da consideração social, fazendo sentir-se ferido”, afirmou.

Além disso, a prática da empresa, “de grande renome nacional”, contribuiu não apenas para a baixa estima do funcionário, como, consequentemente, para sua baixa produtividade.

Testemunhas confirmaram que os empregados que não alcançavam as metas eram humilhados publicamente, através de brincadeiras e chacotas partindo do gerente e punidos com o deslocamento para o fundo da loja. Essa situação causava enormes constrangimentos psicológicos e prejuízos financeiros porque se vendia menos neste setor.

A empresa alegou que tudo não passava de uma “brincadeira saudável e bem humorada no ambiente de trabalho”. Argumentou, ainda, que a prática da “boca de caixa” não era um castigo, mas um local estratégico para vendas. A Justiça rejeitou o argumento.

Leia a decisão:

Processo: 01339-2006-075-03-00-3 RO

Data de Publicação: 25/05/2007

Órgão Julgador: Segunda Turma

Juiz Relator: Desembargador Jorge Berg de Mendonça

Juiz Revisor: Juíza Convocada Taisa Maria M. de Lima

RECORRENTES: CASAS BAHIA COMERCIAL LTDA.(1)

WALDEMIR RIBEIRO SILVA (2)

RECORRIDOS: OS MESMOS

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em epígrafe, DECIDE-SE:

RELATÓRIO

Trata-se de recursos ordinários interpostos por ambos litigantes às fls. 182/200 (peça da reclamada) e às fls. 204/207 (peça do reclamante), em face da v. sentença de fls. 164/171, que julgou parcialmente procedente a presente reclamatória, deferindo ao autor as verbas discriminadas às fls. 170/171.

Embargos de declaração aviados pelas partes, às fls. 172/175 e 176/177, razões da demandada e demandante, respectivamente. Os daquela foram julgados parcialmente procedentes, e os deste, improcedentes (decisão, fls. 178/180).

Contra-razões aviadas às fls.210/215 e fls. 217/220.

Dispensado Parecer Ministerial, nos termos do artigo 82, II do Regimento Interno deste Regional.

É o relatório.

VOTO

CONHECIMENTO

Conheço dos recursos, regularmente apresentados.

MÉRITO

RECURSO DA RECLAMADA

DANO MORAL / CONFIGURAÇÃO/ QUANTUM

Sustenta a reclamada que nenhum dos fatos narrados na inicial, ensejadores de danos morais, foram comprovados nestes autos. Afirma que o autor nunca foi humilhado ou tratado de forma rude e agressiva por qualquer gerente ou preposto seu. Entende que existiam apenas brincadeiras saudáveis e bem humoradas no ambiente de trabalho, não sendo a prática da “boca de caixa” um castigo, mas sim um local estratégico para vendas da reclamada.

No caso de manutenção da condenação, propugna pela redução do valor arbitrado a título de indenização, por considerara quantia de R$ 10.000,00 excessiva, sem qualquer amparo legal e contrária aos princípios da razoabilidade, eqüidade e proporcionalidade.

Porém, não lhe assiste razão.

Segundo a peça de intróito, durante todo pacto laboral, o autor sofreu terror psicológico por parte da reclamada. Alegou que esta, a fim de alcançar as metas estabelecidas, expunha-o vexatoriamente perante outros funcionários, comparando sua produtividade com os demais.

Denunciou prática humilhante consubstanciada na colocação do funcionário que ficasse em último lugar para trabalhar na “boca do caixa”. Tal prática consistia em vender somente para pessoas que estivessem pagando alguma prestação no caixa, situação que, de acordo como reclamante,causava-lhe enormes constrangimentos e prejuízos financeiros e psicológicos. Citou processo 696/06, em trâmite na mesma Vara de origem, em que foi penalizada a reclamada em caso semelhante.

A demandada defendeu-se negando configuração de dano moral, pelos mesmos argumentos expendidos nas razões recursais (fl. 76/78).

Examina-se.


A prova oral produzida em Juízo, bem como aquela oriunda do processo 00696-2006-075-03-00-4, cuja cópia foi coligida aos autos por determinação do magistrado primevo (fl.158), foram decisivas para o deslinde da controvérsia.

Restou comprovada a tese obreira no sentido de caracterização dos danos morais e da responsabilidade civil da reclamada pelos mesmos.

Os depoimentos revelaram que os empregados eram humilhados publicamente, inclusive recebendo apelidos de lanterninha quando não alcançavam as metas determinadas. A prática da boca do caixa apresentou-se como punição degradante ao empregado, rebaixado-o em sua honra,decoro, consideração laborativa, reputação e dignidade.

Observe-se:

“…que o “chama do lanterna” ou seja, aquele que vendia menos no seu setor (aí computando vendas, seguros e garantias vendidas) era deslocado no dia seguinte para a “boca do caixa”; que muito dificilmente se vendia na “boca do caixa” do que no setor original, no que o vendedor era obrigado a repassar a venda, salvo se o comprador estivesse pagando carnê; que a “boca do caixa” não representava rodízio; que o depoente foi trabalhar na”boca do caixa” 2 ou 3 vezes por semana” (depoimento pessoal do reclamante, fl. 158).

“…que havia meta de vendas convencionais, bem como garantia e seguros que deveriam ser embutidos na venda ao cliente, que se não alcançasse eram obrigados a trabalhar na “boca do caixa” no dia seguinte; que há 4/5 meses a “boca de caixa” passou a ser preenchida mediante escala; que havia brincadeira e chacotas como gerente, que à época era o sr. Antônio, sendo que o que menos vendesse era chamado de “lanterna”; que isso era feito algumas vezes em público ou nas reuniões que haviam, que a “boca do caixa “ficava no fundo da loja e por isso só poderiam vender a clientes que fosse pagar o carnê; que se vendia muito menos neste setor, por isso sentiam-se humilhados no mesmo; que tem certeza absoluta que o recte também era “transferido” para a “boca do caixa”como punição…” (1ª testemunha do reclamante, fl. 158/159).

“…que durante as reuniões o gerente puxava uma lista das vendas realizadas por todos e aquele que vendesse menos “serviços” seria penalizado trabalhando o dia todo na “boca do caixa”,que na “boca do caixa” vendia-se somente para clientes que viessem pagar e comprassem algum produto, bem menos de que se o vendedor estivesse no seu setor…que na reunião perante todos os funcionários presentes era dito “fulano, hoje, está na boca do caixa”, que isso ocorria em tom de punição, sendo muito humilhante para o funcionário…”(1ª testemunha do autor do processo 696/2006, fl. 161).

“…que como penalidade para aquele que vendesse menos no dia anterior era dado aquilo que se chamava “boca de caixa”,que tratava-se de penalidade porque as vendas ficavam restritas à pessoas que iam apenas pagar o seu carnê; que sentiam-se humilhados e mesmo que chegasse um comprador que não fosse pagar o carnê eram obrigados a direcioná-los a outro vendedor…”(2ª testemunha do autor do processo 696/2006, fl. 162).

Farta a demonstração de que a reclamada extrapolou os limites do seu poder diretivo, praticando atos reiterados de pressão psicológica em seus empregados, causando-lhes abalos psíquicos, configurando ofensa à integridade moral do reclamante.

Restou sobejamente demonstrado que a prática empresária da “boca de caixa” atingiu os aspectos da personalidade do autor como o da intimidade, da consideração pessoal, da reputação e da consideração social, fazendo sentir-se ferido.

Assim, não resta dúvida de que o tratamento advindo da reclamada, empresa de grande renome nacional, contribuiu para a baixa estima do recorrido e, certamente, redundará, cada vez mais, em baixa produção de seus empregados submetidos a tal condição.

Posto isso, mantém-se a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

No que pertine à “quantificação” do dano sofrido por alguém, é necessário ter em mente a sua função “educadora/corretiva/punitiva”, imposta ao ofensor, no sentido de evitar que novos danos se concretizem. Por outro lado, na visão do ofendido, é impossível que se estabeleça uma compensação aritmética, ou matematicamente mensurável. O que se busca é tão somente uma contrapartida ao mal sofrido, daí denominar-se “compensação por danos morais”.

A fixação desta “compensação” deve levar em conta, ainda, o grau de culpa do empregador, a gravidade dos efeitos do acidente, a situação econômica das partes, além da função acima citada.

Tendo em mente esses fatores, entendo que o quantum fixado pelo juiz a quo (R$10.000,00-fls. 170/171) coaduna-se com os critérios aqui expendidos, pelo que mantém-se o mesmo.

Nada a prover.

MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT

Discorda a reclamada da condenação relativa à multa prevista no § 8º do artigo 477 da CLT, ao argumento de que esta somente é cabível na hipótese de atraso no acerto das verbas rescisórias, e não da homologação da rescisão. Sustenta, ainda, que o fundamento para aplicação da referida multa sequer foi ventilado na exordial.


Sem razão.

Na peça de ingresso, o reclamante aduziu, ao contrário da argumentação recursal da reclamada, que a rescisão contratual foi homologada fora do prazo legal, impossibilitando o levantamento do FGTS e multa respectiva, além de acarretar atraso no recebimento do seguro-desemprego. Nesses termos, pleiteou o pagamento da multa prevista no artigo 477, § 8º da CLT (fls. 05/06).

Em defesa (fls. 78/82), a reclamada alegou que as verbas rescisórias foram quitadas dentro do prazo legal, consoante comprovante de depósito em dinheiro na conta bancária do reclamante, carreado aos autos. Confessou que a homologação da rescisão se deu tardiamente, situação que não acarreta condenação na multa do artigo 477da CLT.

Pois bem.

Ainda que o depósito das parcelas rescisórias tenha sido realizado dentro do prazo legal (alegação patronal não demonstrada na instrução processual), nota-se que a reclamada admitiu o atraso na homologação da rescisão.

Entenda-se que a quitação rescisória envolve não só o valor devido a título de rescisão contratual, como também a entrega das guias TRCT e CD/SD, através das quais o trabalhador saca o FGTS e habilita-se ao seguro-desemprego.

Restando evidenciado que a homologação do acerto se deu fora do prazo previsto no artigo 477, § 6º da CLT, atrasando a entrega das guias respectivas, e conseqüentemente impedindo que o empregado tenha acesso ao FGTS e seguro-desemprego, forçoso manter a condenação ao pagamento da multa em comento.

Nada a prover.

VALOR DO SALÁRIO EXTRA FOLHA

Aduz a reclamada que a sentença combatida equivocou-se ao deferir ao autor o salário por fora no importe de R$ 125,00.

Sustenta que, da análise do conjunto probatório, vislumbra-se a demonstração de que 50% dos pagamentos das comissões eram efetuados “extra folha”, e não o valor reconhecido pelo Juízo a quo.

Porém, sem razão.

O autor descreveu que o valor médio mensal recebido por fora era de R$ 125,00 (exordial, fl. 05).

A reclamada não impugnou essa média alegada pelo autor. Aliás, negou até mesmo a tese que defende em seu recurso, qual seja, de que efetuava pagamento da metade do valor das comissões sobre a venda de seguros e garantias complementares extra folha (defesa, fl. 63).

À míngua de recibos salariais comprovando a importância recebida a título de comissões, ônus que incumbia à empregadora, nos termos do artigo 464 da CLT, além do fato fundamentado pelo juiz primevo no sentido de que “a quantia bate com aquela apurada em outras instruções com o mesmo objeto em face da mesma reclamada”(fl.166), não há nada a prover.

RECURSO DO RECLAMANTE

LABOR EM SOBREJORNADA

Sustenta o reclamante que os cartões de ponto colacionados aos autos evidenciam que sempre existiu labor em sobrejornada, sem a devida compensação ou contraprestação, como se verifica pelos demonstrativos de pagamento.

Com razão.

Na peça de ingresso o autor relatou que sua jornada de trabalho era de segunda a sexta, das 07:45 às 19:00, com intervalo de 1 hora para refeição. Aos sábados laborava de 08:00 às 18:00 horas, sendo que uma vez por mês entrava às 07:00 horas. Sustentou ainda que trabalhava 2 domingos por mês, das 09:00 às 17:00, com 1 hora de intervalo para descanso e refeição, e que, no mês de dezembro de 2005, trabalhou de 07:30 às 22:00 (em média), com, no máximo, 20 minutos de intervalo para descanso e refeição, sem descanso semanal remunerado.

A defesa negou a jornada descrita na exordial, alegando que os horários laborados são os apontados nos cartões de ponto anexados aos autos.

Pois bem.

Levando-se em consideração a declaração do autor de que “os horários consignados no cartão estão corretos”(fl.158), e a fixação do intervalo intrajornada pelo juiz primevo (fl. 165), verifica-se, pela análise dos controles de ponto(fls.90/100), que há horas extras cumpridas sem o devido pagamento (demonstrativos, fls. 101/111).

Portanto, dá-se provimento ao recurso para deferir ao autor o pagamento apenas do adicional de horasextrasequivalentea100% (CCT, cl. 8ª, fl. 22), já que comissionista, sobre o trabalho realizado após a 8ª hora diária, conforme se apurar por meio dos horários de entrada e saída consignados nos cartões de ponto, levando-se em consideração o intervalo intrajornada fixado pelo juízo de origem à fl. 165, com reflexos sobre as férias + 1/3, 13º salário, aviso prévio, FGTS + 40% e RSR.

LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ

Pugna o reclamante, em suas contra-razões (fl.215), pela condenação da reclamada nas penas decorrentes da litigância de má-fé, ao argumento de que o recurso interposto por ela teve cunho eminentemente protelatório.

Sem razão.

Não se vislumbra atos atentatórios à dignidade da Justiça que configurassem a litigância de má fé vindicada. A reclamada apenas exerceu seu direito de ação, norteado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Nada a prover.

Fundamentos pelos quais,

Acordam os Desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Segunda Turma, unanimemente, em conhecer de ambos os recursos; sem divergência, em negar provimento ao da reclamada e em dar provimento ao do reclamante para conceder-lhe o pagamento do adicional de horas extras equivalentea100%, já que comissionista puro, sobre o trabalho realizado após a 8a.hora diária, conforme se apurar por meio dos horários de entrada e saída consignados nos cartões de ponto, levando-se em consideração o intervalo intrajornada fixado pelo juízo de origem à fl. 165,com reflexos sobre as férias comum terço, 13o. salário, aviso prévio, FGTS com 40% e RSR.

Belo Horizonte, 18 de maio de 2.007.

JORGEBERGDEMENDONÇA

DESEMBARGADOR RELATOR

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