Cargo municipal

Prefeito tem prazo para exonerar parentes em Mato Grosso

Autor

25 de junho de 2007, 18h43

O prefeito de Primavera do Leste, em Mato Grosso, Getúlio Gonçalves Viana (DEM), deve exonerar dois sobrinhos que ocupavam cargo na administração municipal. O prazo é de 48 horas e a multa é de R$ 1mil por dia. Cabe recurso.

A determinação do juiz Flávio Miraglia Fernandes, da 2ª Vara Cível do município, inclui ainda a exoneração de todos os outros parentes até o terceiro grau, cônjuge ou companheiro, que porventura estejam ocupando cargos sem ter feito concurso. A regra vale também para o vice-prefeito e para os secretários municipais que se encontrem na mesma situação. As exonerações devem ser comprovadas em 15 dias.

A sentença prevê, ainda, que o município não acolha em cargo de comissão cônjuge, companheiro e parentes até o 3º grau, na linha reta ou colateral, consangüíneo ou por afinidade, do prefeito, do vice-prefeito e dos secretários municipais. A exceção é para os casos de nomeados com escolaridade compatível com a função gratificada. A liminar veda também contratos com parentes do prefeito, do vice e dos secretários.

Segundo o Ministério Público Estadual, o prefeito teria se recusado a firmar Compromisso de Ajustamento de Conduta para inibir a prática do nepotismo. Em razão disso, o MP expediu uma recomendação para a exoneração em 30 dias, o que não aconteceu.

De acordo com os autos, o sobrinho Valdir Gonçalves Viana recebe mensalmente R$ 3.720,69, mesmo com 1º grau incompleto. Conforme o juiz Flávio Miraglia Fernandes, a preocupação com o favorecimento há muito está sedimentada na Constituição.

O juiz destacou que o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça vedaram a prática do nepotismo no âmago do Ministério Público e do Judiciário. “Então porque não estender tal vedação ao Legislativo e Executivo, vez que a legislação contida na CF/88 é para todos, sem distinção?”, questionou.

Processo 239/07

Leia determinação:

Comarca : Primavera do Leste – Lotação : Segunda Vara

Juiz : Flávio Miraglia Fernandes

Autos n. 239/2007

Vistos e etc.,

Trata-se de Ação Civil Pública c/c pedido liminar ajuizada pelo Ministério Público Estadual/MT em face do Município de Primavera do Leste/MT, aduzindo em síntese:

Que instaurou procedimento investigatório com escopo de averiguar e combater eventuais casos de nepotismo junto aos Poderes Executivo e Legislativo dos Municípios que integram a Comarca de Primavera do Leste/MT, celebrando Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Prefeito de Santo Antônio do Leste, com os Presidentes das Câmaras de Vereadores de Primavera do Leste e Santo Antônio do Leste/MT e posteriormente, em procedimento apartado, celebrou TAC do mesmo teor com o atual Presidente da Câmara de Vereadores de Primavera do Leste/MT.

Que o Prefeito do Município de Primavera do Leste mesmo reconhecendo a ilegalidade da prática do nepotismo e a existência de dois casos na Administração Municipal, recusou-se a firmar Compromisso de Ajustamento de Conduta.

Aduz que expediu notificação recomendatória para compelir o Prefeito Municipal a promover a exoneração dos referidos parentes, no prazo de 30 (trinta) dias, todavia, mesmo reiterado os termos da notificação, tal exoneração não ocorreu, destarte, o Excelentíssimo Promotor de Justiça achou por bem inquirir os sobrinhos do Prefeito Municipal, Sr. Valdir Gonçalves Viana e Sra. Carla Rosana Witt, ocasião em que confirmaram o grau de parentesco com o Prefeito e que ainda permanecem ocupando os cargos comissionados da Administração Municipal.

Assevera que a prática do nepotismo, tal qual referido na exordial fere de morte os princípios da moralidade administrativa, da legalidade, da impessoalidade, bem como o artigo 10 da Lei nº. 9.421/96, que veda expressamente a prática do nepotismo no Poder Judiciário, razão pela qual o autor requer a concessão liminar, em antecipação de tutela para que: A) exonere os servidores Valdir Gonçalves Viana e Carla Rosana Witt, além de outros parentes até o terceiro grau, cônjuge ou companheiro, do Prefeito Municipal, Vice-Prefeito e de Secretários Municipais, que não sejam ocupantes de cargo com provimento efetivo, com prejuízo dos vencimentos; B) proíba o Município de Primavera do Leste de proceder a qualquer forma de provimento de cargos em comissão por cônjuge, companheiro e parentes até o 3º grau, na linha reta ou colateral, consangüíneos ou por afinidade, do Prefeito Municipal, daqueles já mencionado, sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 para cada nomeação, multa esta pessoal ao administrador; C) proíba o Município de Primavera do Leste de firmar contratos em que, por qualquer causa, seja dispensável ou inexigível licitação, em que figurem como contratados, cônjuges, companheiros e parentes até o terceiro grau daqueles, ou empresas ou qualquer espécie de pessoa jurídica de propriedade ou administrada por tais pessoas, sob pena de multa pessoal no mesmo valor ao administrador e as demais cominações legais.


Atesta que estão presentes os requisitos ensejadores para a concessão de tal medida, quais sejam, o “fumus boni iuris“ visando assegurar a probidade e a ética da Administração Pública e o “periculum in mora” consistente na probabilidade de uma prática inconstitucional devidamente comprovada, sendo certo que o retardamento dos efeitos almejados em nada adiantaria se fosse concedido no final desta ação ante a proximidade do término do mandato da atual Administração Municipal.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 24/98.

Recebido a preambular às fls. 100, determinei a notificação do Município de Primavera do Leste/MT, nos termos do artigo 2° da Lei n°. 8.437/92.

O Município de Primavera do Leste/MT ora notificado, prestou informações às fls. 105/115, aduziu em síntese que a “iniciativa do Ministério Público sob a alegação de violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade do art. 37, caput, da CF, não procede, haja vista que não existe norma proibitiva, entendendo que somente será possível caracterizar o emprego de parentes como ato ilegal se o parente empregado receber sem trabalhar” (sic. fls. 107) e que a liminar perseguida malfere o art. 2º da Carta Magna, pois os Poderes da União são independentes e harmônicos entre si.

Eis o que merecia relatar. Decido.

Em detida análise aos autos em epígrafe, entendo que merece guarida o arrazoado dissertado na peça inaugural, senão vejamos:

Pois bem, o Ministério Público Estadual com fulcro nas resoluções nº. 01/2005 e 07/2006, do Conselho Nacional do Ministério Público e nas resoluções nº. 07/2005 e 09/2005, do Conselho Nacional de Justiça, firmou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com os Presidentes das Câmaras de Vereadores de Primavera do Leste/MT e Santo Antônio do Leste/MT às fls. 52/54 e fls. 55/57, respectivamente, bem como firmou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta com o Prefeito de Santo Antônio do Leste/MT às fls. 58/60 e diligenciou para ajustar os mesmos termos com o Prefeito de Primavera do Leste, conforme documentos de fls. 50, 51, 62. Todavia, houve resistência deste, apesar de reconhecer a ilegalidade do nepotismo, conforme documento de fls. 68.

Instaurado procedimento para averiguar a prática do nepotismo no âmbito da Administração Municipal (fls. 72/73), o Prefeito informou a existência de dois casos que se enquadram à espécie e pugnou pela dilação de prazo para informar com precisão quanto a existência de contrato em vigor envolvendo o parentelismo, conforme documentos de fls. 74/76.

Logo o ilustríssimo Promotor de Justiça notificou o Sr. Prefeito Getúlio Gonçalves Viana recomendando que promovesse no prazo de 30 (trinta) dias, as exonerações dos comissionados Carla Rosana Witt e Valdir Gonçalves Viana (fls. 79/81), porém, tais notificações e recomendações, em que pese reiteradas, não foram atendidas, conforme documentos de fls. 95/96.

Analisando historicamente a criação do Estado, observa-se que a Administração Pública se divide em três fases diversas que são: 1ª) Administração Pública patrimonialista, onde a Administração Pública era comandada pelo Rei, sendo patrimônio deste e nessa primeira fase surge o favoritismo de certos governantes por seus parentes e familiares; 2ª) Administração Pública burocrática, onde vários modelos burocráticos foram cogitados para impingir o governo corrupto, o nepotismo, a ausência de impessoalidade exacerbada sob a égide da política patrimonialista, adotando o modelo militar que era extremamente controladora e tudo era procedimental.

Contudo, essa segunda funcionou bem no Brasil apenas nos primeiros anos do Estado de Direito ante a ausência de igualdade material em virtude do Estado Liberal que teve como marco divisor a Revolução Industrial voltada à burguesia, reinando o individualismo industrial que também não logrou êxito, surgindo daí, o Estado do “Bem-Estar Social” que tinha como escopo, prover as necessidades básicas da população, como saúde, lazer, previdência, educação, esporte e etc.

Após as duas guerras mundiais, o Estado passa também a prover a iniciativa econômica propriamente dita, se agigantando cada vez mais, chegando ao ponto de não dar conta de todas suas funções, surgindo então a idéia de uma terceira administração, chamada Administração Pública gerencial, buscando solidificar a impessoalidade e o funcionalismo à altura que a sociedade brasileira merece, reforçada com o advento futuro, da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Assentado o necessário, adentro-me ao mérito jurídico em testilha, frisando que no dia 18 de outubro de 2005, o Conselho Nacional de Justiça, órgão criado pela Emenda Constitucional nº. 45/2004 para o controle externo do Poder Judiciário, consagrou algo que há muito tempo tormentava o Estado Democrático de Direito: “O NEPOTISMO”.


A essência da palavra nepotismo, significa favorecimento e nesse ensejo, vislumbro nitidamente tal situação, visto que o sobrinho do Prefeito Municipal Sr. Valdir Gonçalves Viana com apenas o 1º grau, ainda, incompleto, aufere R$ 3.720,69, conforme declara o próprio Prefeito às fls. 75, totalmente desproporcional a aludida remuneração com o nível de instrução, por melhor que sejam as aptidões do sobrinho nomeado, portanto, prática reprovável aos olhos da população que está esgotada de inúmeras injustiças que não se findam.

E mais, em ato oportuno o Prefeito Sr. Getúlio G. Viana reconheceu a ilegalidade do nepotismo (fls. 68), entretanto, mesmo notificado para regularizar a prática, permaneceu privilegiando interesses individuais em detrimento dos interesses coletivos, afrontando claramente os princípios da moralidade e da impessoalidade, previstos no artigo 37 da Constituição Federal vigente.

Ora, em um primeiro momento o Prefeito Sr. Getúlio G. Viana reconhece a ilegalidade do nepotismo e agora salienta “que os procedimentos de nomeações se deram lastreados na legislação municipal (Lei nº 679 de 2001), a qual não colide em nenhuma hipótese com a ordem constitucional ou infraconstitucional, porquanto permitido o provimento de cargos em comissão para funções de chefia, assessoramento, direção, e coordenação, tudo em conformidade com o ordenamento constitucional” (sic. fls. 106), entretanto, sequer trouxe aos autos a referida Lei Municipal.

De outro norte, a preocupação com o favorecimento há muito está sedimentada na suprema Carta Republicana de 1988, insculpido no artigo 14, § 7º, exemplificando a causa de inelegibilidade que alcança o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Chefe do Poder Executivo ou de quem os haja substituído dentro dos (06) seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Cumpre destacar que o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho Nacional de Justiça vedaram a prática do nepotismo no âmago do Ministério Público e do Judiciário, então porque não estender tal vedação ao Legislativo e Executivo, vez que a legislação contida na CF/88 é para todos, sem distinção. À guisa de ilustração, menciono outras normas que vedam tal conduta:

I) O Estatuto dos Servidores da União (Lei nº. 8.112/90), cujo art. 117, VII, veda ao agente “manter sob sua chefia imediata, em cargo ou função de confiança, cônjuge, companheira ou parente até o segundo grau civil”;

II) O Regime Jurídico dos Servidores do Poder Judiciário da União (Lei nº. 9.427/96), em seu art. 10, veda a nomeação de cônjuge, companheiro ou de parentes até o terceiro grau, pelos membros de tribunais e juízes, a eles vinculados, salvo os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo das carreiras judiciárias;

III) Os artigos 355, § 7º e 357, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal restringem a nomeação de parentes como forma de combate ao nepotismo;

IV) O artigo 326 do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4ª Região veicula comando semelhante;

V) A Lei nº. 9.165/95, disciplina o funcionalismo no âmbito do Tribunal de Contas da União, também veicula restrições à nomeação de parentes;

VI) O Provimento n°. 84/96, da Ordem dos Advogados do Brasil, em seu artigo 1º, “veda a contratação de servidores pela OAB, independente do prazo de duração do pacto laboral, vinculados por relação de parentesco a Conselheiros Federais, Membros Honorários Vitalícios, Conselheiros Estaduais ou integrantes de qualquer órgão deliberativo, assistencial, diretivo ou consultivo da OAB, no âmbito do Conselho Federal, dos Conselhos Seccionais e das Subseções”, acrescendo o § 1º que “a vedação a que se refere ao caput desse artigo se aplica aos cônjuges, companheiros e parentes em linha reta ou na colateral até o terceiro grau”.

VII) O artigo 20, § 5º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, com a redação determinada pela Emenda nº. 12/95, estabeleceu restrições à nomeação de parentes no âmbito da administração direta e indireta do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas;

VIII) O artigo 4º, parágrafo único, da Lei Estadual nº. 7.451, de julho de 1991, que criou cargos no quadro do Tribunal de Justiça de São Paulo e vedou a nomeação, como assistente jurídico, “de cônjuge, de afim e de parente em linha reta ou colateral, até o 3º grau, inclusive, de qualquer dos integrantes do Poder Judiciário do Estado de São Paulo” e

IX) A Lei Estadual nº. 3.899, de julho de 2002, que dipôs sobre o quadro permanente de serviços auxiliares do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, estatuiu, em seu artigo 25, que “é vedada a nomeação ou designação para exercer Cargo em Comissão de cônjuge, companheiro ou parente até o 3º (terceiro) grau, inclusive, de membros do Ministério Público, salvo se servidor do Quadro Permanente dos Serviços Auxiliares, caso em que a vedação é restrita à nomeação ou designação para servir junto ao membro determinante da incompatibilidade”.

Destarte, nota-se que a prática do nepotismo é medida nefasta que deve ser rechaçada em todas as esferas de Poder e em qualquer nível da Federação, justamente, para que haja produtividade, eficiência e celeridade dentro da máquina Estatal.

Ante o exposto, defiro a liminar pleiteada e determino que o Município de Primavera do Leste/MT, na pessoa do Sr. Prefeito Municipal Getúlio Gonçalves Viana: A) Exonere os servidores Valdir Gonçalves Viana e Carla Rosana Witt e todos os outros parentes até o terceiro grau, cônjuge ou companheiro, do Prefeito Municipal, Vice-Prefeito e de Secretários Municipais que se encontrem na mesma situação, que não sejam ocupantes de cargo com provimento efetivo, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, com efeitos “ex nunc”, devendo ainda comprovar todas as aludidas exonerações nos autos, no prazo de 15 (quinze) dias.

B) Que o Município de Primavera do Leste se abstenha de proceder ao provimento de cargos em comissão de cônjuge, companheiro e parentes até o 3º grau, na linha reta ou colateral, consangüíneo ou por afinidade, do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito e de Secretários Municipais, salvo quando a pessoa que foi nomeada já seja funcionária pública efetiva cujo cargo de origem seja de nível de escolaridade combatível com a qualificação exigida para o exercício do cargo comissionado ou função gratificada;

C) Que o Município de Primavera do Leste se abstenha de firmar contratos em que, por qualquer causa, seja dispensável ou exigível licitações em que figurem como contratados cônjuge, companheiro e parentes até o terceiro grau do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito e de Secretários Municipais, ou empresas ou qualquer espécie de pessoa jurídica de propriedade ou administrada por tais pessoas.

Por fim, consigne-se no mandado que em caso de descumprimento dos itens “A)”, “B)” e “C)”, acima, incidirá multa diária e pessoal no importe de R$ 1.000,00 (um mil real), para cada nomeação em descompasso com esta ordem, sem prejuízo das sanções criminais de praxe.

Cumprido a liminar, cite-se o Município de Primavera do Leste/MT, na pessoa do Prefeito Municipal, Sr. Getúlio Gonçalves Viana dos termos da presente ação para, querendo, apresentar contestação, no prazo legal, sob pena de serem considerados como verdadeiros os fatos aduzidos na exordial.

Dê-se ciência ao Ministério Público.

Cumpra-se, expedindo-se o necessário com urgência.

Primavera do Leste/MT, 22 de junho de 2007.

Flávio Miraglia Fernandes

Juiz de Direito em Substituição Legal

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!