Desistência de recurso

Acordo não pode ser invalidado por decisão unilateral

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21 de junho de 2007, 0h00

Depois de homologado, acordo não pode ser desfeito unilateralmente. O entendimento é da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, que determinou o restabelecimento de um acordo assinado entre duas empresas e um motoqueiro e homologado pelo juiz da Vara Trabalhista.

A desembargadora Emília Facchini baseou sua decisão no artigo 831, da CLT em que “no caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social”.

O motoqueiro entrou na Justiça, pedindo o reconhecimento do vínculo empregatício com as empresas. Em primeira instância, o juiz determinou que as empresas pagassem, solidariamente, os encargos ao trabalhador. Em setembro de 2006, as empresas recorreram e dias depois, antes de o recurso ser julgado, firmaram um acordo com o motoqueiro.

Elas pretendiam invalidar o acordo, já que o resultado do recurso lhes foi favorável, afastando o vínculo empregatício com o reclamante. Mas segundo a relatora do agravo de petição, apresentado pelas empresas, um acordo homologado implica a desistência de recursos anteriores.

Leia a decisão

TRT – 00347-2006-004-03-00-5-AP

AGRAVANTE – Henrique Soares Lacerda Vaz

AGRAVADAS – ITA Representações de Produtos Famacêuticos S.A., Athos Farma S.A. e Cooperlog Cooperativa de Prestação de Serviços em Operações Logísticas Ltda.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de agravo de petição, interposto de decisão do MM. Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, M.G, em que figuram, como Agravante, Henrique Soares Lacerda Vaz, e, como Agravadas, ITA Representações de Produtos Famacêuticos S.A., Athos Farma S.A. e Cooperlog Cooperativa de Prestação de Serviços em Operações Logísticas Ltda., como a seguir se expõe:

Relatório

O MM. Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, através da r. decisão de f. 476, relatou que a primeira e a segunda Reclamadas interpuseram recurso ordinário (fs. 415-423), recebido em 14.09.2006 (f. 450), julgado em 06.11.2006 (f. 462) afastando o vínculo empregatício com a primeira Reclamada (acórdão publicado em 23.11.2006); que o Reclamante peticionou perante o Tribunal em 09.11.2006 (f. 463), juntando cópia de petição de acordo protocolada perante a Vara em 23.10.2006; que em 06.11.2006, as Reclamadas supra peticionaram desistindo do acordo (f. 470), mas o despacho de f. 472 considerou o pedido de desistência prejudicado face a data em foi feita a conclusão para apreciação; que o Reclamante peticionou novamente, requerendo a homologação do acordo, que foi equivocadamente homologado (f. 474); que não pode a parte ser prejudicada em razão da data da conclusão para apreciação do pedido de desistência do acordo. Diante desses considerandos, a r. decisão agravada reconsiderou o despacho de f. 472, asseverando que o Reclamante tinha conhecimento do

julgamento do recurso ordinário, bem como da inexistência de homologação do acordo. O Reclamante foi apenado por induzir o juízo a erro.

ITA Representações de Produtos Famacêuticos S.A. e Athos Farma S.A. protocolaram pedido de reconsideração ou o recebimento dele como embargos de declaração (fs. 477-482), merecendo o veto de f. 483, em face do decidido à f. 476.

Henrique Soares Lacerda Vaz atravessou pedido de reconsideração, com requerimento de eventual recebimento como agravo de petição, insurgindo-se contra o r. despacho de f. 476 (v. fs. 484-494).

Mantida a decisão agravada, o apelo foi recebido e assinado prazo para contraminuta (f. 495).

Razões de contrariedade às fs. 498-505.

Intimada a terceira Reclamada, não apresentou contraminuta (certidão à f. 508).

Dispensado o prévio pronunciamento do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

VOTO

1. Admissibilidade

Conheço do agravo de petição interposto, uma vez que há representatividade regular, tempestividade, interesse, estando colmatados os demais pressupostos.

2. Mérito

Incerteza é essencial e necessária para fundamentar a transação. Consiste em ser duvidosa a existência futura, ou a extensão, ou a

realização do pretendido direito.

Pontes de Miranda (Tratado de direito privado – Parte Especial. 3. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, t. XXV, p. 117), enfatiza o conceito: “A transação é o negócio jurídico bilateral, em que duas ou mais pessoas acordam em concessões recíprocas, com o propósito de por termo a controvérsia sobre determinada, ou determinadas relações jurídicas, seu conteúdo, extensão, validade, ou eficácia. Não importa o estado de gravidade em que se ache a discordância, ainda se é quanto à existência, ao conteúdo, à extensão, à validade ou à eficácia da relação jurídica; nem, ainda, a proveniência dessa, se de direito das coisas, ou de direito das obrigações, ou de direito de família, ou de direito das sucessões, ou de direito público. Naturalmente, há de exigir-se a transacionalidade de cada interesse de que se abriu mão. Não exclui a transação o ser incerta, apenas, a existência futura. A alusão à incerteza sobre a existência criou algumas dificuldades na sistemática do direito civil, razão por que H. Buhl (Beitrage sur Lehre vom Anerkennungsvertrage, p. 74 e ss.) tentou circunscrever o conceito de transação à extinção da controvérsia sobre a pretensão, deixando à categoria, a que ele chamara ‘äcomodação’ (Auseinandersetzung), os reconhecimentos de existência, com concessões recíprocas ou não. A partilha amigável entraria aí. Porém essa inovação ainda mais dificultaria o estudo dos acordos recíprocos. Qualquer que seja a razão da controvérsia em juízo ou fora dele, o que importa é ter havido prestação e contraprestação, ainda que, devido mesmo à incerteza, se pense em prestação e em contraprestação, partindo-se da posição assumida, na própria controvérsia, por um e outro dos contraentes. O que é, agora, prestação, ou contraprestação, porque não há certeza sobre o que se disputa, deixaria de ser prestação, ou contraprestação, se já tivesse havido sentença passado em julgado (= certeza). Por isso mesmo, pode ser prestação, ou contraprestação, na transação, o que não sai do patrimônio de quem presta, ou contrapresta. O Código Civil de certo modo definiu a transação (art. 1.025): É lícito aos interessados prevenirem ou terminarem litígio mediante concessões mútuas”.

Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. II, p. 162) diz o seguinte acerca da transação: “A transação é uma especial modalidade de negócio jurídico, que se aproxima do contrato, na sua constituição, e do pagamento, nos seus efeitos. Há uma acentuada tendência para imprimir à palavra transação uma acepção amplificada: na linguagem vulgar, vez por outra imiscuindo-se em pronunciamentos judiciais, o vocábulo é empregado para designar qualquer negócio jurídico, ou em particular os atos negociais de efeitos patrimoniais. No vocábulo técnico, entretanto, tem sentido específico, e deve significar um determinado negócio jurídico, que se realiza por via de um acordo de vontades, e tem por objeto extinguir a obrigação. Podemos defini-la como um acordo liberatório, com a finalidade de extinguir ou prevenir litígios, por via de concessões recíprocas das partes. Neste conceito estão os seus requisitos”.

Álvaro Villaça Azevedo, em sua obra Curso de Direito Civil – Teoria Geral das Obrigações (9. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, p. 192), assim conceitua o instituto da transação: “Assim, a transação é um meio contratual extintivo de obrigação pelo qual as partes resolvem, por acordo, fazendo mútuas concessões, relação jurídica entre elas duvidosa, prevenindo ou terminando litígio”.

Orlando Gomes (Contratos. 25. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 441) assim define a natureza jurídica da transação: “Pertence, a mais, à categoria dos contratos comutativos. A equivalência das concessões aprecia-se subjetivamente. Cada qual é juiz de seus interesses. Assim, não perde esse caráter se uma das partes faz à outra concessões muito mais vantajosas”.

Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil – Direito das Obrigações. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1 parte, p. 310) define: “Transação é contrato, porquanto resulta de acordo de vontades sobre determinado objeto”.

De pronto, bom ficar também inicialmente grafado que o caso trazido a estudo, de modo a não deixar dúvida, informa que as partes se puseram concordes com o fim do litígio e, nesse desiderato, prelecionando o artigo 158 do CPC, que os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais.

Notável que o acordo, de fato foi entabulado (em 23.10.2006 – v. também o r. despacho de f. 466 c/c com fs. 467-468, estas firmadas pelos advogados e pelo Reclamante). Efetivado e apresentado a protocolo, as partes, antes desavindas, elementarmente concordaram com o fim da dissensão.

No período em que ainda não havia homologação judicial, essa aquiescência não tem como ser preterida, mesmo ciente de que havia trâmite de recurso interposto pelas duas primeiras litisconsortes passivas, em 14.09.2006, e que o pedido de desistência do acordo foi por elas formulados concomitantemente com o julgamento do recurso, que declarou a ausência de relação de emprego com as co-litigantes, em julgamento que ocorreu em 06.11.2006 (f. 462).

No mesmo dia 06 de novembro de 2006, as duas primeiras Litisconsortes passivas formularam desistência do acordo (f. 470) e, entre as cláusulas da avença de fs. 467-468, há a que prevê, homologado o acordo, a renúncia automática de ambas as partes ao direito de recorrer, requerendo a expedição de ofício ao TRT da 3ª Região comunicando sobre o evento.

A homologação da avença perfez-se no ato judicial de f. 474 e o que, antes, era proposta certa de acordo entabulado e firmado, à qual aderiram as duas primeiras litisconsortes, passou à condição jurídica de estabilização em título judicial na conformação do artigo 831 da CLT, produzindo os efeitos nele inscritos, inclusive a desistência recursal, embora serôdia, mas efetiva desistência (e esta se plenifica unilateralmente).

Após a homologação da proposta, mediante a expressa concordância das duas partes, ocorrente na espécie, pode-se falar em acordo com manutenção obrigacional pelo que nele se contém. A via recursal é inócua ao desfazimento do ato. A existência do ajuste encerra a necessidade da composição da lide mediante a atuação jurisdicional declarativa do direito, cabendo ao juiz apenas homologá-lo, vez que os efeitos do negócio jurídico decorrem da simples concorrência de vontades e a extinção do processo, pela homologação, é ato que lhe dá força incoativa. Portanto, se depois de perfeita a avença, uma parte se arrepende, ou se acha simplesmente lesada, nova lide pode surgir em torno da eficácia do negócio conciliatório e chancelado judicialmente; contudo, a lide primitiva, já extinta, desafia meio conducente processual. Somente em outro processo será possível rescindir-se a transação calcada em algum vício, porque, de meridiana intelecção, o processo judiciário do trabalho impõe regra peremptória: no caso de conciliação, o termo que for lavrado valerá como decisão irrecorrível, salvo para a Previdência Social.

Certamente, o acordo homologado produz entre as partes o efeito de coisa julgada e só se rescinde por dolo, violência, ou erro essencial quanto a pessoa ou coisa controversa, bastando retomar o teor e inteligência dos artigos 840 e 849 do Código Civil, cotejados com regra própria trabalhista.

Não se aplicaria também o artigo 850 do Código Civil, porque não se cuida de sentença com trânsito em julgado desconhecida pela parte desistente, já que, no caso, houve acordo e o parágrafo único, do art. 831, da CLT, dispensa ao termo de conciliação homologado em juízo a eficácia de decisão irrecorrível. Logo, o acordo em exame produziu entre as partes os efeitos da coisa julgada, inviabilizando a mudança de aviso por ato próprio do juízo.

Regras jurídicas são interpretadas (e empregadas) com harmonia visando ao todo legislado, de modo a integrarem-se. No embate de pretensões resistidas, o julgador deve aplicá-las de modo a definir direito sem sobreposições. Há um mecanismo de acesso ao desfazimento e não se pode olvidar que o vocábulo acordo significa concordância de sentimentos ou idéias, concórdia, harmonia recíprocos. Não é como no ato de recorrer, que cada parte desiste do seu apelo. Se o ato envolve o concurso de vontades contrapostas, o sinalagma não se esfuma com uma só emissão volitiva, mormente após judicialmente homologado o acordo.

A homologação judicial do acordo celebrado entre as partes depende da concordância delas até o momento em que o juízo for chamado para esse fim. Assim ocorreu, confirmados nos termos da avença e sobrelevando-se endoprocessualmente a inteligência do artigo 831 da CLT, com o que sucumbe o ato hostilizado.

Posto isso, discordo também do ato hostilizado.

3. Conclusão

Conheço do agravo de petição; no mérito, dou-lhe provimento para restabelecer a avença homologada.

Motivos pelos quais,

ACORDAM os Desembargadores do Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Sexta Turma, preliminarmente, à unanimidade, em conhecer do agravo de petição; no mérito, sem divergência, em dar-lhe provimento para restabelecer a avença homologada.

Belo Horizonte, 28 de maio de 2007.

EMÍLIA FACCHINI

Relatora

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