Limite do perigo

STF decide se porte ilegal de arma sem munição configura crime

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17 de junho de 2007, 9h10

Porte ilegal de arma de fogo é crime previsto no Estatuto do Desarmamento, com pena de reclusão, de três a seis anos. Porém, o porte ilegal deve ser considerado crime, mesmo quando a arma está sem munição? A questão deve ser respondida pelo Supremo Tribunal Federal na quarta-feira (20/6).

A Corte retoma o julgamento de mérito do pedido de Habeas Corpus ajuizado pela defesa de um condenado a um ano e dois meses de prisão por porte ilegal de arma, contudo sem munição. O réu foi preso em flagrante portando arma descarregada em local público, mas conseguiu liminar até o julgamento de mérito no STF, depois de cumprir seis meses de prisão.

As chances de o Supremo não considerar como crime o porte ilegal de arma de fogo sem munição são grandes. Quando o julgamento foi interrompido, em 2005, por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes, havia cinco votos pela concessão do Habeas Corpus e um voto contra, do relator do pedido, ministro Carlos Ayres Britto. Ainda devem votar os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.

O relator entende que a conduta é típica e constitui crime, pouco importando o fato de a arma estar carregada ou não. Segundo o ministro, ao proibir o porte ilegal de arma de fogo, a lei quis impedir o constrangimento de terceiros diante de pessoa portando arma, independentemente de ter ou não munição.

De acordo com o criminalista Ricardo Sayeg, do escritório Hasson Sayeg, Finkelstein, D’Avila, Santiago Guerra e Nelson Pinto Advogados, no caso se caracteriza o crime impossível. Também não configura o perigo abstrato que a norma penal visa tutelar. “A lei pune o constrangimento objetivo e não o psíquico”, afirma.

O réu é representado pela Defensoria Pública que sustenta a atipicidade da conduta. Motivo: a arma não tinha munição, faltando a ofensividade necessária para que fique configurado o crime.

Partilha desta tese o ministro Sepúlveda Pertence que já deu seu voto concedendo o Habeas Corpus. O ministro defende que a arma descarregada pode servir de instrumento de intimidação para prática de outros crimes, mas não pode constituir crime autônomo.

O advogado Antônio Ruiz Filho, do escritório Ruiz Filho e Kauffman Advogados, lembra que o crime visa ofensividade da arma de fogo. “Se a arma não estava a por em risco a vida de alguém, como uma pessoa pode ser incriminada por esta conduta?”, questiona.

O Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826), que entrou em vigor em 2003, trata do registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Ele substituiu a Lei 9.437/97 que tratava do mesmo tema, porém impondo mais rigor. Contudo, neste julgamento deverá ser considerada a antiga lei, que estava em vigor quando aconteceu o suposto crime e quando teve início o julgamento do caso no Supremo.

Outro caso

Também na próxima quarta-feira (20/6) está previsto o julgamento de um Recurso Ordinário em Habeas Corpus que discute a lesividade e ofensividade da arma de fogo sem munição. A diferença no caso é que o réu foi condenado a três anos e três meses de reclusão, em regime aberto, pelo crime de porte ilegal de arma de fogo, com numeração, marca ou sinal identificador raspado, suprimido ou adulterado, crime previsto no artigo 16 do Estatuto do Desarmamento. A arma, contudo, estava sem munição.

O pedido estava sendo apreciado pela 1ª Turma do Supremo quando o ministro Sepúlveda Pertence propôs que o recurso fosse remetido ao plenário. No julgamento iniciado, a relatora, ministra Cármen Lúcia, acatou o pedido.

Na ocasião, a ministra Cármen Lúcia defendeu que não havia como manter a condenação do paciente pelo crime de porte ilegal de arma tal como previsto. Ela destacou que “as questões trazidas a esse julgamento referem-se à necessidade de comprovação da lesividade da arma de fogo como condição para que haja condenação do acusado pelo crime descrito na Lei 10.826/03”.

A ministra ressaltou que a arma apreendida com o condenado estava sem munição e sem que pudesse ser facilmente municiada. Para Cármen Lúcia, é atípica a conduta do paciente. Diante dos princípios da lesividade e da ofensividade, a arma sem munição ou sem possibilidade de pronto municiamento, é instrumento inidôneo para efetuar disparo, incapaz, portanto de gerar lesão efetiva ou potencial.

Ela concluiu seu voto no sentido de acatar o Recurso Ordinário, considerando que o fato não constitui infração penal (artigo 386, III, do CPP), e absolver o réu da imputação pelo crime de porte ilegal de arma com numeração raspada (artigo 16, parágrafo único, inciso IV, da Lei 10.826/03).

O ministro Ricardo Lewandowski, que abriu a divergência entendeu que se trata de um crime de mera conduta, de perigo abstrato, e o bem jurídico tutelado é a incolumidade pública. “Eu acho que uma arma tem um potencial de intimidação extremamente visível, manifesto. A intimidação com a arma de fogo que funciona ou não funciona, de brinquedo ou outra qualquer de imitação é um flagelo com o qual a população convive”, disse o ministro.

Para ele, o legislador quis afastar a circulação de qualquer tipo de arma, carregada ou não. Dessa forma, negou o pedido e foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Britto.

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