Culpa exclusiva

Donos de cães são responsáveis por ataques a pedestres

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8 de junho de 2007, 14h53

A responsabilidade pelos danos causados por um cachorro é do dono. A conclusão é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que condenou os donos de três cães a pagarem R$ 6 mil de indenização a uma menina atacada pelos animais.

O relator, desembargador Odone Sanguiné, baseou-se no artigo 936, do Código Civil de 2002. “Com efeito, o dispositivo em comento determina a responsabilidade objetiva do dono ou do detentor do animal, salvo se comprovar que o evento danoso se deu em virtude da culpa da vítima ou mesmo de força maior”, afirmou.

Para os desembargadores, não ficou comprovada a culpa concorrente da menina. Testemunhas afirmaram que a criança estava indo para a escola e foi atacada pelos cachorros. Os depoimentos comprovaram que ela não provocou os animais, que estavam soltos em frente à casa dos donos.

De acordo com a decisão, os responsáveis pelos cães não usaram os meios necessários para mantê-los dentro de sua propriedade. Em decorrência disso, a vítima foi mordida pelos animais na cabeça e nádegas. Ela sofreu diversas lesões. Os mesmos cães também já haviam avançado contra várias pessoas da comunidade, em outras ocasiões.

O desembargador lembrou de várias notícias de mortes provocadas pelo ataque de cães decorrentes da conduta de seus donos. “Os quais de forma negligente e imprudente, deixam seus animais à solta, só vindo a perceber o perigo quando já ocorrido grave dano ou mesmo a morte da vítima, o que, por sorte, não ocorreu na hipótese sub judice”, constatou.

Os danos morais foram fixados em R$ 6 mil porque a autora delimitou esse valor no recurso. Segundo o desembargador, em casos semelhantes, a Câmara tem estabelecido uma quantia indenizatória bem superior.

Na primeira instância, de Guarani das Missões (RS), a reparação foi determinada em R$ 2 mil. A autora da ação apelou, pedindo um valor maior pelo dano moral. Os donos dos cães também recorreram para pedir a reforma da sentença.

Leia íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL 70018205005

NONA CÂMARA CÍVEL

COMARCA DE GUARANI DAS MISSÕES

APELANTE/APELADO JOSE POTACINSKI

APELANTE/APELADO CARMELITA KIRSCH POTACINSKI

APELANTE/APELADO MARINA HAMERSKI MAIA

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, em: (1) rejeitar a preliminar; (2) negar provimento ao apelo dos réus; (3) dar provimento ao apelo da autora.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, as eminentes Senhoras Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (Presidente e Revisora) e Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi.

Porto Alegre, 23 de maio de 2007.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

1. Trata-se de apelações cíveis interpostas, respectivamente, por JOSÉ POTACINSKI e CARMELITA KIRSCH POTACINSKI (1º apelante) e MARINA HAMERSKI MAIA (2º apelante), nos autos da ação de indenização por danos morais e materiais que move a 2ª recorrente em face do 1ª apelante, inconformados com a sentença de fls. 65/70, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando a parte ré ao pagamento: (1) de indenização por danos morais na quantia de R$ 2.000,00, acrescidos de juros moratórios de 12% ao ano, com correção monetária pelo IGP-M, a contar do trânsito em julgado; (2) de danos materiais, no montante de R$ 500,00 (quinhentos reais), corrigido pelo IGP-M-FGV e juros moratórios de 12% ao ano a contar dos respectivos desembolsos. Em face da sucumbência recíproca, condenou os requeridos em 90% e a autora em 10% das custas judiciais, bem como em honorários advocatícios, estes fixados em 15% sobre o valor corrigido da condenação, restando suspensa a exigibilidade das partes em virtude de litigarem sob o amparo da assistência judiciária gratuita.

2. Em razões recursais (fls. 72/79), os demandados requerem, preliminarmente, a análise do agravo retido, com a desconstituição da sentença por cerceamento de defesa, referindo ser indispensável intimação pessoal das partes para comparecerem à audiência, o que impediu, inclusive, que fossem arroladas as testemunhas de defesa. No mérito, sustentam a necessidade da existência de cães para a proteção de sua residência, observando que jamais outras pessoas foram atacadas pelos animais. Gizam que, sendo a residência dos demandados no caminho da escola, os cães foram provocados quando do ataque, oportunidade em que a autora foi ferida levemente por um dos cães. Observam que as pessoas que por lá transitam não se sentem ameaças pelos animais. Frisam que a levíssima escoriação provocada na cabeça da demandante foi conseqüência da queda ocorrida na fuga da vítima. Observam a inimizade existente entre o guardião da menor e os requeridos. Assinalam que, não sendo exonerada a culpa dos réus, deve ser considerada a culpa concorrente da vítima para o evento danoso, de forma a minorar o valor da indenização. Requerem o provimento do recurso, com a desconstituição da sentença ou, alternativamente, a reforma da sentença com a improcedência dos pedidos.


3. Por sua vez, em suas razões recursais (fls. 80/89), a autora pugna pela majoração da verba indenizatória arbitrada a título de danos morais, aduzindo que do ataque dos animais resultou escoriações e cortes profundos na criança, considerando o tamanho da autora, de sete anos de idade, e o grande porte dos animais. Sustentam que a oitiva das testemunhas comprova que os cães constantemente atacam outras pessoas, bem como corroboram o fato de que os donos já haviam sido avisados para prenderem os animais. Requerem a reforma da sentença no ponto.

4. Em contra-razões (fls. 93/101), a demandante requer, em síntese, o desprovimento do recurso da parte adversa.

5. Transcorrido in albis o prazo dos réus para oferta de contra-razões (fl. 112), subiram os autos, com o Ministério Público opinando pelo desprovimento dos apelos.

É o relatório.

VOTOS

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Eminentes Colegas.

6. A autora ingressou com a presente demanda aduzindo ter sido atacada por cães de propriedade dos requeridos enquanto se dirigia à escola da localidade, o que provou danos físicos e psicológicos à demandante, motivo pelo qual postula a condenação dos réus em danos morais e materiais.

I – Preliminar de nulidade da sentença.

7. Requerem os demandados a desconstituição da sentença por cerceamento de defesa, considerando que não houve a intimação pessoal dos réus para a audiência de instrução, conciliação e julgamento, mas tão-somente do procurador da parte, o que teria impossibilitado, inclusive, a apresentação do rol de testemunhas.

Contudo, não merece prosperar a irresignação.

Compulsando os autos, verifico que o procurador da parte ré, na data de 04/04/2006, restou intimado da audiência aprazada para 30/05/206, às 16 horas, conforme certidão de fl. 50, tomando o causídico ciência inequívoca, dessa forma, acerca da realização da solenidade.

Ademais, observo que inexiste previsão em nosso ordenamento jurídico que imponha a intimação pessoal das partes da data da audiência.

Nesse sentido, vale transcrever a lição de Theotonio Negrão (in “Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor, 31ª ed., Saraiva, p. 294):

“A intimação é ao advogado e não à parte, salvo quando a lei determinar o contrário (VI ENTA – concl. 29, aprovada por unanimidade).

[…].

Assim:

– a designação de audiência só pode ser intimada ao advogado (RT 518/151, JTA 51/28, 98/270 […]).”

Com essa orientação destaco o seguinte precedente exarado por esta Corte. Verbis: “(…) AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. AÇÃO CAUTELAR DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO.(…). AUDIÊNCIA. INTIMAÇÃO PESSOAL DA PARTE. DESNECESSIDADE. É desnecessária a intimação pessoal da parte para que compareça à audiência de instrução, pois que suficiente a intimação de seu procurador para o ato (…).” AC nº 70013682687, Relator Des. Jorge Luís Dall’Agnol, julgado em 10/01/2006. Com a mesma orientação:Apelação Cível n. 70 012 025 029, 7ª Câmara Cível, TJRGS, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgada em 27.07.2005; Agravo de Instrumento n. 70 011 948 510, 18ª Câmara Cível, TJRGS, Rel. Des. Pedro Celso Dal Pra, julgado monocraticamente em 08.06.2005

Ademais, cabe destacar que sequer foi requerido o depoimento pessoal da parte, sendo suficiente a intimação do procurador para o ato, o que, aliás, restou atendido. Nesse sentido: (1) “(…) APELAÇÃO CÍVEL. RESCISÃO CONTRATUAL. INDENIZAÇÃO. CONTRATO DE CONSTRUÇÃO. PRELIMINARMENTE. NULIDADE DA SENTENÇA. CERCEAMENTO DE DEFESA. Não se verifica prejuízo na ausência de intimação pessoal da parte para audiência, mormente em face da desistência de seu depoimento pessoal, observada a presença do procurador, demonstrando que a intimação via nota de expediente cumpriu sua finalidade (…).” (Apelação Cível Nº 70005999834, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Naele Ochoa Piazzeta, Julgado em 24/03/2004); (2) “(…) AGRAVO DE INSTRUMENTO. CERCEAMENTO DE DEFESA NAO COMPROVADO. E de ser rejeitada a alegação de cerceamento de defesa quando resta demonstrado que teve a parte tempo suficiente para a juntada do rol de testemunha, pois estava seu procurador devidamente intimado, com antecedência de três meses, da audiência de instrução e julgamento. Não comparecimento do autor a audiência, por falta de intimação para prestar depoimento pessoal, que não gera qualquer nulidade, na medida em que o réu desistiu de tal prova. Estando o procurador intimado do ato da audiência e tendo ele comparecido a solenidade, e irrelevante o não comparecimento da parte. Agravo improvido (…).” (Agravo de Instrumento Nº 198044398, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Alçada do RS, Relator: Henrique Osvaldo Poeta Roenick, Julgado em 18/06/1998).


Destarte, tendo sido o procurador dos réus devidamente intimado acerca da designação da audiência, não há falar em nulidade processual.

Rechaço, pois, a preliminar argüida.

II – Mérito

8. A controvérsia lançada aos autos diz respeito à pretensão indenizatória, por danos morais e materiais, pelo fato da autora, menor com sete anos de idade, ao transitar na via pública em frente à propriedade dos réus, ter sido atacada por cães de propriedade dos demandados.

Examine-se.

a) Responsabilidade Civil

9. Estabelece o art. 936, do Código Civil de 2002, que: “O dono, ou detentor, do animal, ressarcirá o dano por este causado, se não provar culpa da vítima ou força maior.”

Com efeito, o dispositivo em comento determina a responsabilidade objetiva do dono ou do detentor do animal, salvo se comprovar que o evento danoso se deu em virtude da culpa da vítima ou mesmo de força maior.

Nesse sentido, leciona Sérgio Cavalieri Filho1 , ao asseverar que: “(…) O art. 936 não mais admite ao dono ou detentor do animal afastar sua responsabilidade provando que o guardava e vigiava com cuidado precioso, ou seja, provando que não teve culpa. Agora, a responsabilidade só poderá ser afastada se o dono ou detentor do animal provar fato exclusivo da vítima ou força maior. Temos, destarte, uma responsabilidade objetiva tão forte que ultrapassa os limites do risco criado ou do risco-proveito. Tanto á assim que nem todas as causas de exclusão do nexo causal, como o caso fortuito e o fato de terceiro, afastarão a responsabilidade do dono ou detentor do animal. A vítima só terá que provar o dano, e que este foi causado por determinado animal. A defesa do réu estará restrita às causas especificadas na lei, e o ônus da prova será seu. Não estará afastada, a toda evidência, a defesa fundada no fato de não ser dono nem detentor do animal (…).”.

10. No caso sub judice, restou incontroverso o fato de ter a autora sofrido o ataque dos canídeos, sendo estes inequivocamente de propriedade dos requeridos, circunstância, aliás, admitida expressamente quando da oferta da contestação, no depoimento pessoal das testemunhas e nas razões de apelação.

Nesse sentido, os demandados asseveram na contestação de fls. 27/31 que:

“(…) Os demandados sempre possuíram animais de lidas domésticas, dentre os quais destacam-se três cachorros. Vivem os Demandados na zona rural, próximo ao vilarejo da Linha Bom Jardim, mas indubitavelmente na área rural, onde é imperioso possuir cães para a guarda e proteção da residência.

Este fato é conhecido por todos, sendo que, fora o incidente relatado na inicial, jamais houve outro ataque dos cães dos demandados a quem quer que seja (…).”

11. Por outro lado, os requeridos observam genericamente que o ataque dos cães teria ocorrido em virtude de terem os animais sido provocados por pessoas – a vítima ou mesmo terceiros – que transitavam perante sua propriedade (fl. 77).

Contudo, nenhuma prova foi trazida para corroborar tal alegação. Aliás, vale destacar que o próprio requerido José Potacinski referiu à fl. 11, no Termo de Declarações prestado perante a Delegacia de Policia de Guarani das Missões, que “(…) na data em que aconteceu o fato descrito na ocorrência supra o declarante não estava em casa (…)”.

12. Aduzem os réus, ainda, que “(…) ninguém se sentia, nem tampouco ainda se sente, ameaçado por cães que, diga-se de passagem, estão presentes em quase todas as residências da Linha Bom Jardim (…)”. (fl. 76).

Ocorre que, o contexto probatório constante dos autos aponta exatamente no sentido contrário.

Nesse sentido, as testemunhas ouvidas em juízo sustentam em uníssono que temiam ou mesmo que os cães de propriedades dos réus nelas avançaram, além de destacar o grande porte desses animais, em evidente contrate com o tamanho da menina vítima do ataque.

A depoente Edite Sziminski (fl. 54) sustenta em seu depoimento que: “(…) Reside a 500 metros da casa dos requeridos. No ano passado, recorda que os cachorros de propriedade dos requeridos vieram em direção da depoente, para atacá-la. Na oportunidade, fez uso de pedras para afugentar os cães. Por várias vezes os cachorros dos requeridos ameaçaram atacar a depoente. Os cachorros dos requeridos são em número de 03 ou 04, sendo que andam soltos. Os cachorros são de grande porte (…) Nunca viu crianças provocando os cachorros de propriedade dos requeridos (…).”

Já a testemunha Romilda Rigodanzo Schneider (fl. 55), assevera que: “(…) Em várias ocasiões, os cachorros dos requeridos avançaram contra a depoente, quando teve que afugentá-los (…). Os cachorros eram grandes (…). Nunca presenciou crianças ou adultos provocando os cachorros dos requeridos (…).”


Por outro lado, Aurélia de Castro (fl. 56) afirma que: “(…) Por várias vezes os cachorros dos requeridos vieram contra a depoente, para atacá-la, quando usava de todos os meios para afugentá-los, principalmente gritando (…). A depoente era catequista e necessitava cruzar em frente para ir até a igreja, razão pela qual tinha preocupação que os animais iriam atacar alguém (…).”

13. Ademais, vale destacar que as testemunhas supramencionadas observaram que os animais sempre andavam soltos, acrescentando a testemunha Aurélia de Castro que solicitou aos requeridos para que fossem presos os cães: “(…) Comunicou o requerido José de que era necessário conter os animais, pois poderiam atacar crianças, mas José disse que isso nunca aconteceu (…).”

14. Os demandados sustentam, ainda, que: “(…) houve apenas um arranhão provocado pela superficial inserção de um dente do animal na nádega da infante que, correndo para escapar do ataque e em virtude desde, caiu e sofreu também levíssima escoriação na cabeça (…).” (fl. 77).

Contudo, esclarecedor foi o depoimento da testemunha Milton Polacinski (fl. 57), acerca dos fatos, o qual, tendo presenciado o ocorrido, assim referiu: “(…) Na data do fato, estava em frente a sua casa. Reside há cerca de 100 metros da residência dos requeridos. Em certo momento, escutou barulho de cachorros e gritos de uma criança. Ao olhar, deparou-se com a autora Marina e os 04 cachorros de propriedade dos requeridos, narrando que um dos cachorros estava grudado na cabeça da autora, enquanto outro nas nádegas. De imediato, foram até o local Maurício, filho dos requeridos, e a requerida Carmelita. Maurício pegou um dos cachorros pelas patas traseiras, mas encontrava dificuldade para desvencilhar o animal da menina (…). A autora foi atacada na rua. Até o dia do fato, os cachorros dos requeridos geralmente andavam soltos. Os cachorros são de grande porte, acreditando que da raça Fila. (…) Nunca presenciou alguém provocando os cachorros, ressaltando que todo mundo tinha medo dos animais (…).”

15. O atestado colacionado à fl. 14 confirma as lesões sofridas pela autora devido ao ataque dos animais, referindo a médica Janina G. Bobrzyk, quando do atendimento prestado à demandante, que a autora possuía ferimentos em diversos locais do couro cabeludo e na região glútea, decorrente de “mordedura de cães”, motivo pelo qual a vítima inclusive foi suturada.

Registro, ainda, que no auto do exame de corpo de delito acostado à fl. 15, há a seguinte descrição: “(…) Atesto para fins de Laudo de Lesões Corporais que em data de 17/05/05, examinamos MARINA HAMERSKI MAIA, vítima de mordedura de cães na qual constatamos: 1 – Ao exame físico constatei ferimentos cortantes em diversos locais do couro cabeludo e região glútea esquerda, todos submetidos a sutura (…).”

16. De outra parte, os demandados não lograram comprovar a tese de que os animais foram provocados pela menina ou mesmo por terceiros, ônus que lhes competia, ex vi do art. 333, II do CPC. Aliás é de todo inverossímil que uma menina de sete anos de idade à época do fato tenha provocado vários cães soltos e de grande porte, ou mesmo que um adulto assim o faria, considerando o grande risco que tal ato representa.

Logo, não restou comprovada nos autos a culpa concorrente da autora que, conforme atestado pelas testemunhas e mesmo pelas partes, pretendia, apenas, deslocar-se até a escola da comunidade, quando foi atacado pelos cães dos demandados.

17. Por outro lado, verifica-se, ao revés, que os réus não empregaram os meios necessários para manter os animais dentro de sua propriedade, vindo estes a atacar a vítima em via pública, dando-lhe mordidas na cabeça e nas nádegas, que causaram as lesões descritas nos documentos de fls. 14/15.

18. Diante disso, manifesta, pois, a responsabilidade dos requeridos, os quais, de forma negligente, deixaram soltos cães de grande porte, propiciando, dessa forma, as circunstâncias nas quais se desencadeou o evento danoso, não empregando os meios necessários a impedir o ataque dos animais a terceiros.

19. Ademais, impende destacar que o fato não era de todo imprevisível, considerando que os animais já haviam avançado contra várias pessoas da comunidade. Observo que os réus já haviam sido alertados do problema, optando pela inércia em lugar de prudente agir. Agrava-se mais a conduta quando considerado que, nas proximidades da residência dos requeridos existe estabelecimento de ensino e igreja, denotando grande tráfego de pessoas e de crianças pelas imediações.

20. Além do mais, cumpre observar as reiteradas notícias de mortes provocadas pelo ataque de cães decorrentes da conduta de seus donos, os quais, de forma negligente e imprudente, deixam seus animais à solta, só vindo a perceber o perigo quando já ocorrido grave dano ou mesmo a morte da vítima, o que, por sorte, não ocorreu na hipótese sub judice.


21. Destarte, ante a comprovação de agir ilícito, manifesto o dever de indenizar os danos provocados à autora, se tratando à hipótese descrita nos autos de danum in re ipsa, sendo desnecessária a comprovação da ocorrência de prejuízo concreto.

Destaco o seguinte precedente exarado por esta Câmara em caso semelhante: “(…) RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. ATAQUE DE ANIMAL EM VIA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE DOS PROPRIETÁRIOS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. PEDIDO GENÉRICO. POSSIBILIDADE. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. INOCORRÊNCIA. 1. Os donos, ou responsáveis por animal, são obrigados a ressarcir qualquer dano por estes causados, quando inexistente culpa da vítima ou motivo de força maior, conforme dita o artigo 936 do Código Civil (…).” Apelação Cível Nº 70011678067, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marilene Bonzanini Bernardi, Julgado em 01/06/2005. Com a mesma orientação: AC nº 70014524300, Décima Câmara Cível, Relator Paulo Roberto Lessa Franz, julgado em 14/12/2006; Apelação Cível Nº 70014657670, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Alberto Schreiner Pestana, Julgado em 03/08/2006 ; Apelação Cível Nº 70006189294, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Antônio Kretzmann, Julgado em 11/09/2003.

b) Do quantum indenizatório por danos morais

22. Merece guarida a insurgência da parte autora para reformar a sentença, majorando-se o quantum indenizatório arbitrado na sentença.

23. Nesse sentido, impende destacar que a indenização por dano moral deve representar para a vítima uma satisfação capaz de amenizar de alguma forma o sofrimento impingido. A eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida, de modo que não signifique um enriquecimento sem causa para a vítima e produza impacto bastante no causador do mal a fim de dissuadi-lo de novo atentado.

Nesta linha, entendo que a condição econômica das partes, a repercussão do fato, a conduta do agente – análise de culpa ou dolo – devem ser perquiridos para a justa dosimetria do valor indenizatório.

No caso, a autora, de tenra idade, litigando sob os auspícios da assistência judiciária gratuita, foi atacada por cães reconhecidamente de grande porte, o que, sem dúvida alguma, além da dor física experimentada, lhe provocou forte abalo psicológico. Os réus, pela negligência da conduta relativa aos cães de sua propriedade, colocaram em risco a vida da autora, inexistindo, contudo, comprovação de grande opulência financeira por parte dos requeridos.

Cabe destacar, por oportuno, que esta Corte tem comumente fixado montante indenizatório a título de danos morais em casos análogos – ataque praticado por cães – em parâmetros bem superiores ao que ora se estabelece. Contudo, observo que a parte autora, na exordial, delimita o seu pleito fixando o teto indenizatório por danos morais em R$ 6.000,00 (seis mil reais) (fl. 07), estando o aresto, dessa forma, limitado ao quantum referido na inicial, não podendo ultrapassá-lo sob pena de violar o disposto no art. 460, do CPC, bem como incorrer em julgamento ultra petita. Nesse sentido destaco os seguintes precedentes do STJ: REsp 629001/SC, Quarta Turma; Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, julgado em 17/10/2006; Resp 612529/MG, Terceira Turma, Relator Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 03/03/2005.

Por outro lado, cumpre observar que o quantum indenizatório fixado na petição inicial é meramente estimativo, consoante reiterada jurisprudência do STJ e desta Corte, mas tão-somente para fins de fixação do ônus sucumbencial nas hipóteses em que o decisum não defere a integralidade do montante postulado, não sendo possível, contudo, fixar a condenação a título de danos morais para além dos limites estabelecidos pela própria parte na exordial.

24. Dessa forma, majoro o quantum indenizatório a título de danos morais para R$ 6.000,00 (seis mil reais), de acordo com o limite referido na exordial à fl. 07, valor suficiente para atenuar as conseqüências da dor causada à honra objetiva da ofendida, não significando um enriquecimento sem causa para a demandante, punindo os responsáveis e dissuadindo-os da prática de novo atentado.

Quanto aos consectários, destaco que a correção monetária constitui mera atualização da moeda, devendo incidir a partir da fixação do quantum devido, é dizer, a partir do julgamento. Nesse sentido: REsp 316332 / RJ; Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior; Quarta Turma; DJ 18.11.2002 p. 220.

Quanto aos juros moratórios, entendo cabível o início da contagem a partir do julgamento no qual foi arbitrado o valor da condenação. Considerando que o Magistrado se vale de critérios de eqüidade no arbitramento da reparação, a data do evento danoso e o tempo decorrido até o julgamento são utilizados como parâmetros objetivos na fixação da condenação, de modo que o valor correspondente aos juros integra o montante da indenização.

Destaco que tal posicionamento não afronta o verbete da Súmula nº 54 do STJ. Ao revés, harmoniza-se com o entendimento do E. Superior Tribunal de Justiça. A ultima ratio do enunciado sumular é destacar que a reparação civil por dano moral deve possuir tratamento diferenciado na sua quantificação em relação ao dano material, dado o objetivo pedagógico, punitivo e reparatório da condenação.

No tocante ao arbitramento do dano moral, o termo inicial da contagem deve ser a data do julgamento. Dessa forma, além de se ter o quantum indenizatório justo e atualizado, evita-se que a morosidade processual ou a demora do ofendido em ingressar com a correspondente ação indenizatória gere prejuízos ao réu, sobretudo, em razão do caráter pecuniário da condenação. Tal posicionamento guarda simetria com o entendimento anteriormente exposto em relação ao termo inicial de incidência da correção monetária.

Com essa orientação já decidiu o STJ: REsp 618940 / MA; Rel. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro; Terceira Turma; julgado em 24/05/2005; DJ 08.08.2005 p. 302.

Posto isso, majoro a condenação para R$ 6.000,00 (seis mil reais), a título de danos morais, devendo incidir correção monetária pelo IGP-M/FGV e juros moratórios de 12% ao ano, a partir deste julgamento.

b)Danos materiais

25. Quanto aos danos materiais, destaco que estes devem corresponder ao efetivamente despendido, demonstrando a certeza do prejuízo, não se justificando dano hipotético, ou seja, devem ser comprovados nos autos e não meramente descritos. In casu, a autora demonstrou as despesas decorrentes do ataque dos cães (fls. 16/19), motivo pelo qual mantenho a condenação imposta na sentença, bem como o quantum arbitrado pelo magistrado.

Dispositivo

Em face do exposto, voto no sentido de: (1) rejeitar as preliminares; (2) negar provimento ao apelo dos réus; e (3) dar provimento ao apelo da autora para majorar o quantum indenizatório para R$ 6.000,00 (seis mil reais), pagos a título de indenização por danos morais, devendo incidir correção monetária pelo IGP-M/FGV e juros moratórios de 12% ao ano, a partir deste julgamento. No mais, mantenho os termos da sentença, inclusive no tocante aos ônus sucumbenciais.

Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira (PRESIDENTE E REVISORA) – De acordo.

Des.ª Marilene Bonzanini Bernardi – De acordo.

DES.ª IRIS HELENA MEDEIROS NOGUEIRA – Presidente – Apelação Cível nº 70018205005, Comarca de Guarani das Missões: “REJEITARAM A PRELIMINAR. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO DA RÉ E DERAM PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: EDUARDO SAVIO BUSANELLO

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