Caso do DVD

Judiciário, imprensa e políticos tiram a paz de Vinhedo

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28 de julho de 2007, 0h00

Vinhedo, uma pacata cidade-dormitório a 50 quilômetros de São Paulo, perdeu a sua paz. Os personagens do tumulto que agita a cidade é a fina flor da sociedade local: o prefeito, o ex-prefeito, o juiz, dois promotores, um vereador, vários ex-secretários municipais, e o dono da Folha de Vinhedo, um dos dois jornais locais. O objeto da fuzarca são acusações de corrupção, tráfico de influência e de censura à imprensa. O caso que, preocupa a OAB-SP e movimenta as corregedorias do Tribunal de Justiça e do Ministério Público.

A bomba, que tirou o sossego da cidade de 54 mil habitantes conhecida pelos seus ricos condomínios de gente que trabalha na capital e mora no interior, explodiu em uma conversa gravada pelo jornalista Julliano Gasparini e o vereador oposicionista Toninho Falsarella (PSB) com o servidor público e advogado Paulo Roberto Cabral, que é ex-secretário de Negócios Jurídicos da Prefeitura.

No dia 10 de maio, o jornalista e o vereador levaram Cabral a um hotel em Campinas onde gravaram e filmaram as acusações do ex-secretário. Na conversa, regada à vinho, o advogado acusa o juiz Herivelto Araújo Godoy e os promotores Osias Daudt e Rogério Sanches Cunha de favorecerem o prefeito Kalu Donato (PL) em ações judiciais. Segundo Cabral, os representantes da Justiça e do MP estavam “fechados” com Donato.

Cabral contou histórias de tráfico de influência e de um esquema de superfaturamento de ambulâncias, desmantelado pela Operação Sanguessuga. A entrevista foi gravada em DVD, detalhe que valeu o nome da novela: “O Caso do DVD Proibido”.

Cinco dias depois da gravação, o vereador Falsarella declarou na tribuna da Câmara Municipal que tinha revelações comprometedoras contra o prefeito feitas por alguém com cargo de confiança. O material foi enviado para a Polícia Federal, Tribunal de Contas e Ministério Público.

Sabendo do teor de reportagem sobre o caso que sairia no jornal Folha de Vinhedo, de Gasparini, o juiz Godoy, e os promotores Daudt e Cunha entraram com duas ações na Justiça pedindo que fosse proibida a citação de seus nomes na reportagem.

A juíza Ana Lúcia Xavier Goldman, da 1ª Vara Cível de Jundiaí (SP), proibiu então, no dia 1º de junho, a publicação dos nomes dos três no jornal sob o argumento de que as acusações iriam “macular a credibilidade do Poder Judiciário e do Ministério Público de Vinhedo”. Ana Lúcia decretou então segredo de Justiça e estipulou multa de R$ 500 mil por cada publicação.

A proibição ganhou repercussão. A Associação Nacional de Jornais soltou nota criticando a decisão da juíza. “Trata-se de censura prévia, que viola o princípio básico da liberdade de expressão”, afirmava nota assinada por Júlio César Mesquita, vice-presidente da ANJ e responsável pelo Comitê de Liberdade de Expressão.

A Associação Brasileira de Imprensa também se manifestou com uma nota crítica ao Poder Judiciário. “Espera a ABI que em instância superior sejam reformadas as sentenças da juíza Xavier Goldman, cujo teor inconstitucional reforça a nossa convicção de que atualmente o principal inimigo da liberdade de expressão e de informação no Brasil é a primeira instância do Poder Judiciário”.

O Tribunal de Justiça, através do desembargador Ribeiro da Silva, derrubou a medida da juíza no dia 15 de junho. O explosivo material saiu no jornal no dia seguinte. As versões do juiz e dos promotores não foram ouvidas. O juiz Araújo Godoy admite que o pedido para proibir a reportagem foi precipitado. “No entanto, as reportagens posteriores confirmaram a nossa preocupação. Esse jornal é irresponsável”.

Dias depois, Cabral, o ex-secretário que fez as acusações, registrou em cartório o desmentido do que disse para registro no DVD. Afirmou que estava bêbado e que tinha sido envolvido em uma armadilha do jornalista e do vereador. Para o jornal, o funcionário foi pressionado pela prefeitura a recuar.

Escalada de acusações

Depois da primeira acusação, o jornal começou uma escalada de acusações contra o juiz e os promotores. “Chegou a sair uma reportagem com a manchete dizendo que éramos mafiosos”, diz Araújo Godoy.

O tom desproporcional das acusações fez com que a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) e a Associação Paulista do Ministério Público fizessem Ato de Desagravo ao juiz e os promotores.

A Folha de Vinhedo continuou a infernizar a vida de Araújo Godoy, Daudt e Cunha. O jornal os acusa de terem um patrimônio desproporcional aos seus rendimentos. Diz também que o prefeito financia o juiz e os promotores.

O promotor Rogério Sanches Cunha também é apontado como proprietário de uma empresa fantasma. Para o promotor Osias Daudt, tudo não passa de boato. “Como no caso das gravaçoes DVD, as novas acusações não têm nenhuma comprovação”, diz.

No dia 11 de julho, o juiz e os dois promotores decidiram entrar com duas ações criminais por calúnia contra o jornal. Os processos 659.01.2007.005478-5 e 659.01.2007.005477-2 correm agora nas duas Varas de Vinhedo. Como é parte envolvida, o juiz Araújo Godoy não pode presidir a ação que foi transferida para o juiz Maurício Garibe, de Jundiaí. Eles também pedirão na Justiça o direito de resposta.

Resposta da OAB

Depois que os advogados da cidade Fábio Manzano, Kayti Gracia Gouvea e Lílian Krug pediram o afastamento do juiz e dos promotores, a seccional paulista da OAB resolveu se manifesta esta semana. A entidade disse que está atenta a tudo que acontece em Vinhedo.

“As acusações estão sendo integralmente apuradas pelos órgãos competentes e se constatada a veracidade das mesmas certamente haverá punições. Se rechaçadas, imperioso que cesse qualquer tentativa de difamação da honra daqueles operadores do Direito”, afirma o Secretário-Geral da OAB SP, Arnor Gomes da Silva Junior. A OAB garante também que o Tribunal de Ética e Disciplina vai apurar se houve eventual infração ético-disciplinar do advogado Paulo Roberto Cabral.

Silva Junior sustenta ainda que a seccional paulista e a Subsecção de Vinhedo não se manifestaram até o momento por entender que as reportagens não permitem a interferência da Ordem no processo de apuração. “Mesmo porque acabou perdendo a eficácia diante da escritura pública de declaração lavrada pelo advogado Paulo Roberto Cabral”, afirma nota da entidade.

Pano de fundo

O jornalista Gasparini é aliado politico do ex-prefeito Milton Serafim (PSDB), que é oposição à atual administração. Seu jornal tem o costume de publicar reportagens favoráveis a Serafim e críticas ao prefeito Kalu Donato.

Enquanto isso o juiz Araújo Godoy, acusado na fatídica gravação de ser acumpliciado com o atual prefeito, em 2005, mandou prender preventivamente Serafim e os ex-secretários municipais Alexandre Ricardo Tasca e Marcos Ferreira Leite.

O grupo foi acusado pelo promotor Rogério Sanches Cunha de cobrar propina para aprovar novos loteamentos durante a gestão do tucano. O esquema teria movimentado cerca de R$ 5 milhões.

“Eles querem nos intimidar. Mas não vamos parar o nosso trabalho nem sair da cidade. Se não estão contentes com os nossos pareceres ou com as decisões da Justiça de Vinhedo, recorram então ao tribunal”, diz Osias Daudt.

Nas corregedorias do TJ e do MP já foram instalados procedimentos apuratórios para investigar as acusações. Segundo Daudt, a prefeitura faz no momento a degravação do DVD com a entrevista de Cabral. O material, que deve sair na próxima semana, poderá trazer novos elementos para o intrincado caso.

Texto alterado em 30/07/2007, para correção de informações.

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