Partido insistente

PPS questiona nova portaria da classificação indicativa

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24 de julho de 2007, 19h16

O PPS ajuizou uma ação no Supremo Tribunal Federal questionando nova portaria do Ministério da Justiça que altera a classificação indicativa das obras audiovisuais. A portaria de número 1.220/2007 foi editada no dia 11 de julho.

Para o partido, mesmo que tenha trazido algumas alterações, a nova portaria manteve a vinculação obrigatória entre a classificação indicativa e as faixas horárias de exibição, “evidenciando, assim, grave ofensa ao princípio maior da liberdade de expressão consagrado pela Carta Política”.

As portarias anteriores (796/2000 e 264/2007) haviam sido alvo de outras Ações Diretas de Inconstitucionalidade, ajuizadas pelo próprio partido e pela OAB. As duas ações foram arquivadas pelo STF.

O PPS argumenta que não procede a justificativa do Supremo para arquivar as ADIs, de que os atos do Ministério da Justiça “seriam meros atos regulamentares sem autonomia normativa”.

Segundo o presidente do partido, Roberto Freire, a nova portaria, “longe de regulamentar as normas a que se refere, criou novo direito: a vinculação obrigatória da classificação indicativa às faixas horárias de exibição das obras audiovisuais”.

“Os brasileiros não precisam que o Estado lhes diga o que seus filhos devem e o que não devem assistir”, afirmou Freire ao sair do Supremo.

Último recurso

Com uma bancada insignificante de 14 deputados, o PPS vem recorrendo ao Supremo para transpor as barreiras do jogo político impostas às correntes minoritárias e oposicionistas.

Em junho, o partido entrou com uma ADI contra antiga portaria do Ministério da Justiça sobre a classificação indicativa. Uma semana depois, o PPS protocolou Mandado de Segurança para pedir que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), convoque reunião para apreciar 881 vetos do presidente Lula. A intenção do partido era terminar com a paralisia que toma conta da Casa depois que uma série de escândalos maculou a imagem de alguns senadores.

Outro exemplo foi em maio, quando o PPS ajuizou outra ADI contra a Medida Provisória 364/07, que abre crédito de R$ 1,7 bilhão para cinco Ministérios: da Educação, da Justiça, dos Transportes, do Esporte, da Integração Nacional e das Cidades.

ADI 3.927

Leio o pedido

EXCELENTÍSSIMA SENHORA PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – MINISTRA ELLEN GRACIE NORTHFLEET

O Partido Popular Socialista – PPS, pessoa jurídica de direito privado com registro no Tribunal Superior Eleitoral – TSE e representação parlamentar no Congresso Nacional, com sede na SCS, Quadra 07, Bloco A, Ed. Executive Tower, salas 826/828, Brasília/DF, por seu Presidente Nacional, Doutor Roberto João Pereira Freire, advogado regularmente inscrito junto à OAB/PE sob o n.º 2.852, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 103, inciso VIII e 102, inciso I, alíneas “a” e “p”, da Constituição Federal, regulamentados pela Lei Federal n.º 9.868/99, ajuizar perante essa Excelsa Corte Suprema a presente

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE COM PEDIDO LIMINAR DE MEDIDA CAUTELAR

objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Portaria n.º 1.220, de 11 de julho de 2007, do Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça, com endereço funcional no Palácio da Justiça, localizado na Esplanada dos Ministérios, Bloco T, em Brasília/DF, pelas razões que passa a aduzir:

I – CONSIDERAÇÕES ACERCA DA NORMA IMPUGNADA

Após intensos debates e insistentes questionamentos sobre as regras relativas ao processo de classificação indicativa das obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres, entrou em vigor no dia 12 de julho de 2007 a Portaria 1.220, do Ministério da Justiça.

Referido ato revogou as portarias que antes disciplinavam a matéria, quais sejam, as Portarias n.º 796, de setembro de 2000, e n.º 264, de 09 de fevereiro de 2007. Trouxe algumas alterações e manteve, por outro lado, algumas regras naquelas existentes.

A mudança mais significativa, resultante de forte pressão por parte das emissoras e entidades civis relacionadas ao setor, foi a extinção da possibilidade de análise prévia das obras audiovisuais. Nesta nova Portaria (n.º 1220), a própria emissora se autoclassifica. E não poderia mesmo ser diferente. Tal como amplamente discutido nos meios de comunicação, aquele procedimento de análise prévia dos programas de televisão configurava violação direta à liberdade de expressão, direito consagrado pela nossa Lei Fundamental.

A vinculação obrigatória entre as categorias de classificação e as faixas horárias de exibição, entretanto, foi mantida. Ora, tal como se verá adiante, não pode o Estado limitar arbitrária e abusivamente um direito consagrado como garantia fundamental do homem pela Constituição Federal sem qualquer embasamento legítimo, seja de ordem material, ou formal.


Sendo assim, visa a presente ação demonstrar a inconstitucionalidade da Portaria n.º 1.220, de 11 de julho de 2007, do Ministério da Justiça, por ofensa ao disposto no art. 5º, inciso IX, bem como ao art. 220, caput e § 3º, inciso I, todos da Constituição Federal.

II – FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO

Inicialmente, cumpre aqui fazer breves considerações acerca do cabimento da presente Ação Direta. Isto porque, em duas oportunidades, este Pretório Excelso, lamentavelmente, se esquivou de sua função constitucional precípua, qual seja, a guarda da Constituição.

Por ocasião da propositura de duas outras ações diretas de inconstitucionalidade versando sobre o mesmo tema que ora se coloca em debate – uma por este mesmo partido político e outra pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – entendeu o Supremo Tribunal Federal que a ADI não seria cabível, pois as Portarias seriam meros atos regulamentares, sem autonomia normativa. Data vênia, no caso vertente não se trata disto, conforme será doravante demonstrado.

A Portaria n.º 1.220, de 11 de julho de 2007, foi editada pelo Ministério da Justiça com o fim de regulamentar disposições da Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), da Lei n.º 10.359, de 27 de dezembro de 2001, e do Decreto n.º 5.834, de 06 de julho de 2006, relativas ao processo de classificação indicativa de obras audiovisuais destinadas à televisão e congêneres.

Entretanto, referido ato normativo, longe de regulamentar as normas a que se refere, criou novo direito: a vinculação obrigatória da classificação indicativa às faixas horárias de exibição das obras audiovisuais – art. 19.

A portaria que ora se impugna, portanto, não ostenta caráter meramente secundário em função das leis a que se adere e pretende regulamentar. Ao contrário. É ato veiculador de conteúdo normativo que afeta diretamente particulares – no caso emissoras, produtoras ou responsáveis pela exibição das obras audiovisuais – sem qualquer embasamento legal.

Ora, nem o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069/90 –, nem a Lei n.º 10.357/01, a qual dispõe sobre a obrigatoriedade de os novos aparelhos de televisão conterem dispositivo que possibilite o bloqueio temporário da recepção de programação inadequada, estabeleceram de modo cogente e específico os horários em que as obras audiovisuais poderão ser veiculadas .

É certo que as portarias, quando se dirigem ao público, reúnem características de generalidade e coatividade, mas não de novidade. Em outras palavras, não podem inovar, criar, ou extinguir direitos da ordem jurídica em vigor.

A Portaria n.º 1.220/2007, entretanto, estabeleceu um “direito” sem que houvesse qualquer previsão legal no mesmo sentido, ou seja, inovou no mundo jurídico fazendo as vezes das espécies normativas primárias e subordinando-se, por conseguinte, diretamente à Constituição Federal.

Ressalte-se que, consistindo em ato normativo autônomo, não há falar, no presente caso, em ilegalidade decorrente de divergência na interpretação ou extravasamento dos limites impostos pelas normas a que a portaria em questão se destinava regulamentar, mas da edição de direito autônomo de efeitos genéricos e abstratos, sendo passível, portanto, de controle concentrado de constitucionalidade.

Nesse sentido, ensina Alexandre de Moraes:

“Assim, quando a circunstância evidenciar que o ato encerra um dever-ser e veicula, em seu conteúdo, enquanto manifestação subordinante de vontade uma prescrição destinada a ser cumprida […] deverá ser considerado para efeito de controle de constitucionalidade, como ato normativo.”1

Além do conteúdo normativo do ato impugnado, a instauração do controle abstrato, pressupõe, outrossim, a ocorrência de uma situação de litigiosidade constitucional, que reclama a existência de uma necessária relação de confronto direto entre o ato normativo e o texto da Constituição Federal. Isso significa que o ato normativo deve estar em contradição direta com o texto da Carta, não bastando que esteja em contradição com a lei à qual se presta, supostamente, a regulamentar.

No caso em questão, o confronto direto do ato normativo vergastado com a Carta Política é bastante claro, conforme se verá a seguir, ensejando, em respeito à integridade da ordem constitucional, a declaração de inconstitucionalidade.

Consoante mencionado alhures, a Portaria n.º 1.220, de 11 de julho de 2007, foi editada com o objetivo de regulamentar o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 –, a Lei n.º 10.359/01, de 27 de dezembro de 2001, e o Decreto n.º 6.061, de 15 de março de 2007.

Tal como veiculado na mídia, a sua elaboração resultou de um processo de negociação com emissoras de televisão e representantes da sociedade civil. Isso porque as portarias anteriores, quais sejam, as Portarias n.º 796, de 8 de setembro de 2000, e n.º 264, de 9 de fevereiro de 2007, e que restaram revogadas por esta que ora se impugna, foram alvo de duras críticas, porquanto estabeleciam mecanismos de evidente censura prévia – no caso, consistentes na submissão prévia do conteúdo das obras audiovisuais à deliberação do Ministério da Justiça – tendo, inclusive, sido questionados pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – ABERT.


A nova Portaria, a despeito de não mais prever a possibilidade de análise prévia das obras audiovisuais – agora há uma autoclassificação feita pela própria emissora –, manteve a vinculação obrigatória entre a classificação indicativa e as faixas horárias de exibição, evidenciando assim, grave ofensa ao princípio maior da liberdade de expressão consagrado pela Carta Política.

Tal como ensina a doutrina clássica, uma nova Constituição representa o rompimento com a ordem anterior. A Constituição brasileira de 1988 não foi diferente. Restaurou o Estado Democrático de Direito, superando um quadro de autoritarismo e exercício não pluralista do poder, revelando, nesta nova ordem, “hostilidade extrema a quaisquer práticas estatais censórias, repelindo de modo virtualmente absoluto, ‘toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística’ (art. 220, § 2º)”.2 Nesse sentido, pode-se afirmar que a garantia da liberdade de expressão foi, em suas mais variadas formas, uma preocupação constante do constituinte.

O princípio da liberdade de expressão restou consagrado pela Carta Política já nos seus primeiros artigos, mais exatamente no título atinente aos direitos e garantias fundamentais. Assim dispõe o art. 5º, incisos IV e IX da Lei Fundamental, in verbis:

“IV – é livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato

IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença;”

No mesmo sentido, estabelece o art. 220 da Carta:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”

Depreende-se dos dispositivos acima transcritos que o princípio geral é o da liberdade de expressão e que ao lado deste figuram duas regras específicas sobre o tema: a) a da proibição da censura, e b) a da proibição de qualquer tipo de restrição à manifestação de pensamento, à criação, à expressão e à informação.

Referidas regras, em face de seu conteúdo certo e determinado, não comportam gradações, sob pena de violação ao seu comando. Em outras palavras, qualquer forma de restrição que se institua, ainda que veladamente, viola a norma constitucional.3

É certo que nenhum direito é absoluto, mas ainda que seja possível limitá-los, tal limitação deve se dar na forma prevista pela Constituição. Sendo assim, qualquer restrição à liberdade de expressão deve ter embasamento no próprio texto constitucional.

No caso vertente, não se pode negar que a vinculação obrigatória da classificação indicativa e os horários em que serão veiculados consubstancia uma restrição à liberdade de expressão, encontrando-se, assim, em clara contradição com os dispositivos ora invocados.

Tal como estabelece a redação do art. 21, inciso XVI, a classificação a ser procedida pela União deve ter caráter meramente indicativo:

Art. 21. Compete à União:

XVI – exercer a classificação, para efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio e televisão; [grifo nosso]

Logo, a União pode atribuir aos programas de rádio e televisão classificação indicativa apenas para fins de informação ao telespectador, não para determinar as condutas das emissoras, pois, do contrário, não seria indicativa, mas cogente. Ademais, possibilitar tal interpretação – a de que a classificação tem caráter cogente – seria admitir um conflito de normas constitucionais, ou seja, liberdade de expressão versus censura, fato que não se coaduna com a hermenêutica constitucional mais difundida atualmente. Quanto ao tema, vale colacionar os ensinamentos de José Cretella Júnior:

“A União, agora, não veda, não proíbe, não censura. Indica, tão-só. Recomenda. Classifica os filmes, os espetáculos, as exibições. Às vezes, nem classifica. Enumera apenas, porque enumeração é mera lista enunciativa dos seres, ao passo que classificação é processo científico didático, vinculado a cânones e critérios rígidos (…) A classificação é sempre fundada em critérios (…) A proposição ‘prover a censura de diversões públicas’ (art. 8º, VIII, d, da Constituição de 1969) corresponde, em 1988, à proposição ‘exercer a classificação das diversões públicas’. Em 1969, censurava-se; agora, em 1988, apenas ‘se classifica’, para efeito indicativo”.4

O entendimento acima colacionado também foi adotado pelo e. Ministro Celso de Mello quando do julgamento da ADI n.º 392-5/DF, em elucidativo voto, cujos termos pede-se vênia para transcrever:

“Bem por isso, a nova Lei Fundamental, preocupada com a tutela dos valores éticos (art. 220, § 3º, inc. II), e a intangibilidade de certos princípios (art. 221), aquiesceu, inobstante banindo, de vez, como já ressaltado, a censura político-ideológica, na adoção de um sistema de classificação meramente indicativa por faixas etárias (…) A solução preconizada pelo legislador constituinte, consistente no referido sistema classificatório por faixa de idade, não deve traduzir uma imposição coativa de critérios forjados pelo Estado, que paralisem o processo de criação artística ou que inibam o exercício de sua livre expressão.” [grifos no original]


A competência da União, portanto, exaure-se com a classificação indicativa dos programas a serem veiculados na televisão. Em outras palavras, a União dispõe de competência para sugerir uma classificação, mas não pode vincular nem proibir.

Ocorre que, ao estabelecer o procedimento de autoclassificação, a Portaria n.º 1.220/07 prevê a possibilidade de o Departamento de Justiça Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação indeferir a classificação atribuída pelas próprias emissoras, produtoras ou responsáveis pela exibição das obras audiovisuais.

Isto significa que o DEJUS/SNJ continua a exercer – agora posteriormente – controle sobre o conteúdo das obras audiovisuais. Nesse sentido, dispõem os artigos 9º e 10º da portaria em epígrafe:

“Art. 9º. O deferimento ou indeferimento do pedido de autoclassificação, deverá ser proferido pelo Diretor do DEJUS/SNJ e publicado no Diário Oficial da União no prazo máximo de sessenta dias após o início da exibição da obra audiovisual.

Art. 10. A reclassificação de obra anteriormente classificada por sinopse ou documento assemelhado fica condicionada à apresentação de documento de compromisso do requerente de adequá-la à categoria de classificação na qual se pretende a reexibição, sem prejuízo dos demais documentos regularmente exigidos.”

Existe previsão, inclusive, de manejo de recurso em face da decisão que indefere o requerimento da referida classificação, mas não fica claro sequer se o recurso possui efeito suspensivo, vejam:

“Art. 11. Da decisão que indeferir total ou parcialmente o requerimento de classificação caberá pedido de reconsideração ao Diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação, que o decidirá no prazo de cinco dias.

§ 1º O pedido de reconsideração de que trata será instruído com o resumo descritivo, podendo apresentar novos fundamentos, inclusive com a apresentação da respectiva obra audiovisual.

§ 2º Mantida a decisão, o Diretor do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação encaminhará os autos ao Secretário Nacional de Justiça, que apreciará o recurso no prazo de cinco dias.”

Ora, este procedimento caracteriza um nítido controle estatal sobre a liberdade de expressão. Embora não exista mais um monitoramento prévio das obras audiovisuais, ainda subsiste um controle feito a posteriori, consistente na submissão do conteúdo daquelas à deliberação de órgão do Executivo, como condição para sua livre veiculação.

Ou seja, a tão repudiada censura continua a vigorar no nosso sistema de controle da programação da televisão, a despeito do amplo conjunto de dispositivos constitucionais dirigidos a garantia da liberdade de expressão e manifestação de pensamento.

Neste contexto, cumpre transcrever trecho do parecer de Luís Roberto Barroso, em que o conceituado professor fluminense, ao discorrer sobre o controle da programação de televisão na Constituição de 1988, rechaça a possibilidade de o Poder Público obrigar as emissoras a veicular seus programas em horários previamente determinados:

“A emissora tem o direito de discordar da classificação imposta pela Administração, embora tenha o dever de informá-la aos seus telespectadores. Desse modo, poderá exibir em horário diverso do recomendado, por entender equivocado o horário sugerido. Isso porque, na verdade, não existe horário autorizado, o que pressuporia a necessidade de uma autorização prévia, vedada de forma expressa pela Constituição (art. 5º, IX).”5

Com efeito, o direito atribuído à União limita-se a informar aos telespectadores sobre a faixa etária a que é recomendado determinado programa. Com a posse de tal informação, cabe aos pais ou responsáveis julgar o que os seus filhos ou menores sob sua guarda poderão assistir ou não. Até porque a responsabilidade das emissoras que transmitem os programas não exclui a dos pais ou responsáveis.

Em caso de eventuais abusos, caberá à Justiça a reparação devida, seja pelo meio individual, seja pelo meio coletivo das ações civis públicas. Até mesmo a sociedade civil pode se organizar para participar de alguma maneira da elaboração e classificação dos programas da televisão. O que não se pode admitir é um controle censurador por parte do Estado, caracterizando um verdadeiro “ilícito constitucional, ato inerentemente injusto, arbitrário e discriminatório”.6

Da inconstitucionalidade formal

A Portaria n.º 1.220/07, do Ministério da Justiça, encontra-se em descompasso, outrossim, com o disposto no art. 220, § 3º, inciso I, da Constituição Federal, que determina que compete à lei federal “regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendam, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada”.


Ou seja, somente lei federal pode dispor sobre o tema de que trata a Portaria n.º 1.220/07, evidenciando que o diploma normativo impugnado padece também do vício da inconstitucionalidade formal.

Ora, não poderia o Executivo, a pretexto de regulamentar o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/90) e a Lei n.º 10.359/01, substituir instrumento idôneo (lei federal), por outro de inferior hierarquia e grau de autoridade – no presente caso, a Portaria n.º 1.220/07 – para disciplinar o dispositivo constitucional em questão, comprometendo, assim, a integridade da ordem constitucional.

A propósito, já decidiu essa egrégia Corte, quando do julgamento da ADI n.º 3206/DF, declarar a inconstitucionalidade de portaria editada à época pelo Ministro de Estado do Trabalho e Emprego exatamente em razão da substituição de lei em sentido material e formal por ato normativo diverso:

“CONTRIBUIÇÕES – CATEGORIAS PROFISSIONAIS – REGÊNCIA – PORTARIA – INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. A regência das contribuições sindicais há de se fazer mediante lei no sentido formal e material, conflitando com a Carta da República, considerada a forma, portaria do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, disciplinando o tema.”

Cumpre, ainda, ressaltar que as normas a que a portaria se destinava regulamentar atenderam à exigência contida no art. 220, § 3º, inciso I da Carta Política. Isso porque, a despeito de mencionarem a necessidade de regulamentação das “diversões e espetáculos públicos”, não a faz como exige o mandamento constitucional.

Por fim, importa observar que esta questão tangencia também o princípio da separação dos poderes, consagrado no art. 2º da Constituição Federal e solenemente insculpido como cláusula pétrea, em seu art. 60, § 4º, inciso III. Na medida em que o Executivo toma para si uma competência expressamente outorgada à lei federal, não há como negar que há uma clara interferência nas atribuições do Poder Legislativo.

Portanto, inconteste e insofismável é a inconstitucionalidade material e formal do texto impugnado, em face do disposto no art. 5º, inciso IX, bem como no art. 220, caput e § 1º, inciso I, todos da Constituição Federal.

III – DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO LIMINAR DE MEDIDA CAUTELAR SUSPENDENDO A EFICÁCIA DA NORMA IMPUGNADA

É imperiosa a concessão de medida liminar para a suspensão imediata da vigência da Portaria n.º 1.220, de 11 de julho de 2007, editada pelo Senhor Ministro de Estado da Justiça.

Com efeito, a tese jurídica esposada ostenta a relevância jurídica – fumus boni iuris – posto que o texto impugnado fere frontalmente o disposto no art. 5º, inciso IX c/c o caput do art. 220 da Constituição Federal, que consagram a liberdade de expressão e vedam qualquer tipo de restrição, censura ou licença.

Ademais, há também uma nítida violação do disposto no § 3º, inciso I, do art. 220 da Carta Constitucional, que determina ser de competência exclusiva de lei federal tratar da matéria disciplinada na Portaria.

Está presente também o periculum in mora, posto que a inevitável delonga até o julgamento definitivo da presente ação acarretará no exercício das ‘prerrogativas’ conferidas pela Portaria n.º 1.220/07 ao DEJUS/SNJ, causando um grave prejuízo aos dispositivos constitucionais violados e, em última análise, à própria democracia brasileira.

Registre-se ainda a conveniência da medida ora postulada, para resguardar também o princípio da separação de poderes.

No julgamento da ADI 2.322-MC/AL, que teve como Relator o Ministro Moreira Alves, este Pretório Excelso assim se pronunciou:

“EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Medida Liminar. Art. 56 da Lei 6.145/2000 do Estado de Alagoas.

– Relevante a fundamentação jurídica do pedido de concessão da liminar no que diz respeito à alegação de que, no caso, houve invasão do âmbito de atuação do Poder Executivo pelo Poder Legislativo.

– Ocorrência do ‘periculum in mora’, ou, pelo menos, do requisito substitutivo da conveniência da suspensão da eficácia do dispositivo atacado.

– Liminar deferida para suspender, ex nunc, e até o final julgamento desta ação, a eficácia do art. 56 da Lei 6.145, de 11 de maio de 2000, do estado de Alagoas”. (grifos originais)

Na hipótese retro citada, a situação era inversa da que se discute na presente ação. Ali, também houve uma invasão de competências, só que esta invasão fora perpetrada pelo Legislativo sobre a competência do Executivo.

Aqui, ao revés, é o Executivo quem está invadindo a competência do Legislativo ou, pelo menos, pretendendo retirá-lo da discussão.

De toda forma, fica claro o posicionamento deste Tribunal em suspender, liminarmente, a eficácia de uma medida editada por um Poder invadindo a competência de outro.

IV – DOS PEDIDOS

À vista do que restou exposto e demonstrado requer-se:

a – Liminarmente, presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a concessão initio litis e com eficácia erga omnes de MEDIDA LIMINAR, objetivando a suspensão imediata da Portaria n.º 1.220, de 11 de julho de 2007, do Ministério da Justiça;

b – A notificação do Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça para prestar as informações necessárias;

c – Por fim, o julgamento em definitivo da procedência da presente ação direta de inconstitucionalidade para, na guarda da Constituição da República Federativa, declarar a inconstitucionalidade da Portaria n.º 1.220, de 11 de julho de 2007, do Ministério da Justiça, pelos fundamentos expendidos nesta exordial.

Para prova do alegado, instrui a presente exordial cópia da Portaria impugnada, nos termos do art. 3º, parágrafo único, da Lei n.º 9.868/99.

Termos em que,

Pede Deferimento.

Brasília, 23 de julho de 2007

Roberto João Pereira Freire

OAB/PE n.º 2.852

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