Normas de segurança

Em acidente de trabalho, presunção de culpa é da empresa

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10 de julho de 2007, 18h03

A presunção de culpa, em acidente do trabalho por descumprimento de normas de segurança, recai sobre a empresa e não sobre o empregado. A partir dessa conclusão, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região condenou a empresa Mangels Indústria e Comércio a indenizar por danos morais um empregado que sofreu acidente de trabalho.

No acidente o trabalhador quebrou o braço direito. Ele não pode trabalhar durante 14 meses, período em que esteve em tratamento médico e recuperação. Em primeira instância, o pedido de indenização por danos morais foi rejeitado.

Na ação, o trabalhador conta que o acidente aconteceu porque sua roupa foi puxada pela máquina, que tinha um arame para segurar um pino de forma improvisada. Em contrapartida, a empresa afirmou que o funcionário, por conta e risco dele, efetuou reparo na máquina, valendo-se de um arame.

O TRT-4 deferiu recurso do empregado, afirmando ser óbvio e irretorquível que sentiu dor por conta do acidente que lhe quebrou um osso do braço e o deixou incapacitado para o trabalho.

Segundo o relator, juiz Fabiano de Castilhos Bertolucci, não há como negar que o maior interesse em evitar qualquer interrupção do trabalho é do empregador, e é deste a obrigação de zelar pela segurança dos seus empregados, inclusive fiscalizando-os e coibindo eventuais condutas imprudentes.

Leia a decisão

EMENTA: ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Ainda que o recorrido não tenha se desincumbido da prova de todos os danos alegados na inicial e cuja reparação é postulada, parte deles, notadamente a dor sentida quando do acidente e pelo menos durante os quatorze meses de tratamento médico, não tem como ser contestada, pois conseqüência lógica e inseparável da própria ocorrência do acidente e do seu resultado – quebra do úmero do braço direito, com lesões consolidadas e reabilitação da capacidade laborativa apenas após 14 meses de tratamento médico. Recurso do autor a que se dá provimento parcial.

VISTOS e relatados estes autos de RECURSO ORDINÁRIO interposto de sentença proferida pela MM. Juíza Ceres Batista da Rosa Paiva, da 1ª Vara do Trabalho de Canoas, sendo recorrente MAURÍCIO LOPES FRANCO e recorrido MANGELS INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA.

Inconformado com a sentença das fls. 265/268, o reclamante recorre. Reporta-se à sua manifestação das fls. 161/163, recebida como protesto antipreclusivo, no sentido da imprestabilidade do laudo técnico realizado. Insurge-se contra a rejeição do seu pedido de indenização por danos decorrentes da sentença. Pede a reforma da sentença “em observância aos pedidos exarados na inicial, bem como o recebimento do protesto antipreclusivo”.

Com contra-razões às fls. 290/305, sobem os autos.

É o relatório.

ISTO POSTO:

ACIDENTE DO TRABALHO. INDENIZAÇÕES

Inicialmente, o reclamante refere ter impugnado prudente e tempestivamente o laudo médico em diversas oportunidades. Observa que sua última manifestação foi recebida como protesto antipreclusivo e pede a sua apreciação. Aponta diversas irregularidades no laudo médico.

A par disso, relata que sofreu acidente do trabalho em 13/05/1999, quando seu braço foi bruscamente jogado contra a máquina em que trabalhava, dilacerando a carne do membro e fraturando a diáfise do úmero. Diz que o acidente decorreu de sua roupa ter sido puxada pela máquina em que trabalhava, por conta de um arame que fora posto de forma improvisada para segurar um pino. Afirma ter sido comprovado pelas testemunhas que tal procedimento é típico da reclamada e de seus responsáveis.

Alega que, além do trauma psicológico, apresenta seqüelas aparentes e restou sem capacidade de exercer as mesmas atividades que antes realizava. Sustenta que a recorrida é responsável pelas adaptações realizadas em suas máquinas e que causaram o seu acidente. Pede a reforma da sentença “em observância aos pedidos exarados na inicial, bem como pelo recebimento do protesto antipreclusivo constante à fl. 165, com re-análise tanto do mérito quanto da elaboração do laudo pericial” (fl. 286).

Em contra-razões, a reclamada pugna pela manutenção da sentença. Reporta-se ao laudo médico como prova da ausência de danos estéticos ou funcionais. De outro lado, reitera sua versão de que o recorrente, por conta e risco dele, e sem o seu conhecimento, efetuou reparo na máquina valendo-se de um arame. Observa que o reclamante faltou com a verdade na inicial, ao omitir o arame e alegar ter ficado preso no pino. Destaca que a testemunha Ivory foi desmentida pela testemunha Rubirlei, e que a testemunha Jesuíno afirmou não ter conhecimento médico, não tendo, assim capacitação para se manifestar sobre a matéria objeto da inicial.

A eventual imprecisão e/ou incompletude do laudo, denunciada nas manifestações das fls. 123/125, autorizava a formulação de quesitos suplementares pela parte a fim de sanar essas irregularidades, e não a sua completa desconsideração, como clamado pelo autor.


Desacompanhados de quesitos objetivos a fim de sanar as irregularidades apontadas, as impugnações do autor restam insubsistentes. Nesse sentido, aliás, a decisão da fl. 126, exarada ainda na Justiça Comum, e na qual deferida ao autor mais uma oportunidade – não aproveitada – para explicitar articuladamente os pontos que pretendia ver esclarecidos.

Nos termos em que posta, a impugnação do autor não demonstra mais do que sua irresignação com a conclusão exarada no laudo, o que, por óbvio, não é suficiente para desconsiderá-lo.

De todo modo, a simples desconsideração do laudo médico das fls. 115/117 não autorizaria a reforma da decisão.

Veja-se que a prova do dano incumbe à vítima. Contudo, o autor não pede, nem no recurso, nem em sua última manifestação no curso da instrução (fls. 161-carmim/163-carmim), a realização de perícia por outro profissional, e também não aponta a existência, nos autos, de outros elementos suficientes à comprovação de todas as suas alegações.

Restam, pois, sem comprovação, os danos atinentes à redução da capacidade laborativa e estéticos.

Veja-se que, de acordo com o laudo, “não há déficit funcional no Membro Superior D. A discreta angulação pós consolidação não interfere com a função, nem com a estética” (fl. 116).

O reclamante não trouxe aos autos qualquer elemento que pudesse fazer concluir em sentido contrário, sequer as fotos, que pretendeu fossem juntadas pelo perito, e que, a rigor, ele próprio poderia ter providenciado.

De outro lado, observa-se que a inicial também contempla pedido de indenização por danos morais puros, traduzidos na dor que o reclamante “sentiu e ainda sente” (fl. 49).

O laudo atesta que o reclamante atualmente não mais sente dor, e novamente há de se acolher o parecer, tendo em vista a ausência de provas em sentido contrário.

Contudo, é uma conclusão óbvia e irretorquível que o autor sentiu dor por conta do acidente que lhe quebrou um osso do braço e o deixou incapacitado para o trabalho por quatorze meses.

Assim, tem-se que pelo menos parte dos danos alegados pelo autor não tem como ser negada, pois conseqüência lógica e inseparável da própria ocorrência do acidente e do seu resultado – quebra do úmero do braço direito, com lesões consolidadas apenas após 14 meses de tratamento médico.

Reconhecida parte dos prejuízos alegados, cumpre examinar a existência dos demais elementos necessários à configuração da responsabilidade da recorrida.

A versão da defesa no sentido de que o acidente decorreu de culpa exclusiva da vítima não subsiste diante do depoimento da testemunha convidada a depor pelo reclamante. Segundo Ivory Rosa Mirante, que trabalhou na reclamada de 1997 a 2000, “a máquina que o reclamante operava assim como a lixadeira, por exemplo, tinha adaptações do tipo arames fixados dentro de peças, para diminuir o custo da empresa; que a manutenção feita nas máquinas eram de forma precária do tipo jogo rápido porque não podia parar a produção a não ser quando a máquina não apresentava condições de operar; que o depoente também presenciou outros acidentes no trabalho, em especial quando estourou a granália; que quando houve o estouro da granália o depoente inclusive sofreu pequenas lesões; que para desligar a máquina onde o autor operava era necessário um movimento giratório do braço, uma vez que o botão que desligava a máquina encontrava-se atrás da máquina e não na frente como deveria; (…)” (fl. 184).

Não há razão para desconsiderar tal depoimento, como sugerido nas contra-razões. A recorrida não explica porque eventual contradição entre os depoimentos das testemunhas Ivory Rosa Mirante e Rubirlei Chagas Paderlinhas, implicaria acolher o deste em detrimento do daquele.

Inexistindo elementos que permitam fazer prevalecer as informações de uma testemunha sobre as de outra, impor-se-ia como última alternativa desconsiderar ambos os depoimentos e não apenas o de Ivory.

Essa situação, contudo, em nada aproveitaria à recorrida, visto que é seu o ônus da prova no aspecto. Não há como negar que o maior interesse em evitar qualquer interrupção do trabalho é do empregador. Além disso, é sua a obrigação de zelar pela segurança de seus empregados, inclusive fiscalizando-os e coibindo eventuais condutas imprudentes (artigo 157 da CLT). Por conta desses fatores, a presunção de culpa, no caso de acidente do trabalho por descumprimento de normas de segurança, recai sobre a empresa e não sobre o empregado.

De toda forma, ao contrário, do sustentado nas contra-razões, o depoimento de Ivory não foi desmentido pelo depoimento de Rubirlei. Este disse apenas que “no dia do acidente, a máquina onde o autor operava tinha um arame; que no dia anterior a máquina do autor tinha apenas um pino, sem arame; que não tem conhecimento de como o arame foi parar na máquina do autor; que é orientação na ré ser chamado o mecânico quando constatado o problema nas máquinas; que o autor tinha conhecimento de tal orientação; (…) que o depoente não presenciou manutenção na máquina operada pelo autor dias antes do acidente; que quando a manutenção é chamada é colocado pino na máquina (…)” (fls. 184/185).


Como se vê, a testemunha nada afirma que entre em choque direto com as informações de Ivory. O fato, destacado no recurso, de Rubirlei ter informado haver orientação da empresa para chamamento de mecânico em caso de problemas com a máquina, não desmente a afirmação de Ivory de que o conserto do mecânico na máquina do autor houvesse se restringido justamente à colocação do arame.

Não há, pois, contradição flagrante entre os depoimentos de Ivory e Rubirlei.

Também não socorre à recorrida a apontada ausência de perfeita coincidência entre a versão posta na inicial e aquela dada pelo reclamante em seu depoimento. Tal não é, por si só, circunstância que afaste por completo a credibilidade das alegações do recorrente. No caso, elas foram, em parte, comprovadas pela prova oral, e nessa parte merecem ser acolhidas.

Assim, considerando que o acidente sofrido pelo reclamante decorreu de trabalhar em máquina que não estava em perfeitas condições de uso, com desatendimento a normas gerais de segurança, presume-se a culpa da recorrida. Os elementos de prova existentes nos autos, mais especificamente o depoimento da testemunha Ivory, além de não infirmarem tal presunção, confirmam a conduta imprudente da reclamada, de ter por costume utilizar paliativos para manter suas máquinas funcionando, mesmo que em detrimento da segurança.

Em tal contexto, a recorrida responde, com amparo no artigo do 186 CCB, pelos danos causado ao recorrente pelo acidente ocorrido em maio de 1999.

Considerando a comprovação apenas de danos morais puros – traduzidos mais especificamente na dor sentida pela reclamante quando do acidente e pelo menos durante o tratamento das lesões dele decorrentes – e , ainda, os termos em que posto o pedido, e o salário percebido pelo reclamante à época dos fatos, fixa-se em R$ 4.000,00 a indenização devida ao reclamante.

Dá-se, pois, provimento parcial ao recurso do reclamante para condenar a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais, fixada em R$ 4.000,00.

Reformada a sentença de improcedência, atribui-se à condenação o valor de R$ 4.000,00, sobre o qual incidem custas de R$ 80,00, a cargo da reclamada.

Considerando que a sentença já concedeu ao reclamante o benefício da assistência judiciária gratuita nos termos da Lei 1.060/50, a reclamada responde, ainda, pelos honorários assistenciais, fixados em 15% sobre o valor bruto da condenação.

Ante o exposto,

ACORDAM os Juízes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região:

por unanimidade, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO para condenar a reclamada a pagar ao reclamante indenização por danos morais, fixados em R$ 4.000,00, e honorários assistenciais fixados em 15% sobre o valor bruto da condenação.

Valor da condenação que se fixa em R$ 4.000,00, sobre o qual incidem custas de R$ 80,00, a cargo da reclamada.

Intimem-se.

Porto Alegre, 24 de maio de 2007 (quinta-feira).

Fabiano de Castilhos Bertolucci

Relator

PODER JUDICIÁRIO FEDERAL

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO

ACÓRDÃO

00264-2006-201-04-00-8 RO Fl.

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