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Inimigo da advocacia é absolvido pela Justiça paulista

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7 de julho de 2007, 0h01

O jornal A Comarca e seu dono, Ricardo Piccolomini de Azevedo, de Mogi Mirim (SP), estão livres de pagar indenização por danos morais para sete advogados da prefeitura do município. A decisão foi tomada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou que o jornal não publicou reportagens ofensivas quando questionou a legalidade de pagamento dos honorários de sucumbência para os advogados da prefeitura. O acórdão foi publicado no ano passado. O Tribunal de Justiça já negou a subida do Recurso Especial. Cabe recurso.

Apesar da decisão, Piccolomini continua na <a href="http://www2.oabsp.org.br/asp/comissoes/comissao.asp?id_comissao=2&opcao=15#"lista de inimigosda OAB de São Paulo, na qual foi inscrito em 2003 — dois anos depois da publicação da reportagem “Caixinha dos advogados: quem perde e quem ganha ”. Outro nome inscrito no cadastro é do vereador do município Abner de Oliveira. Ele confirmou em entrevista um esquema de pagamento de “caixinha” para os advogados do departamento jurídico da prefeitura.

Jornalistas do A Comarca escreveram reportagens questionando o fato de os advogados do departamento jurídico da prefeitura receberem honorários de sucumbência, sem que houvesse lei municipal para autorizar o procedimento.

O caso teve repercussão grande no município, até um vereador revelar um esquema de pagamento de “caixinha” dentro do Departamento Jurídico da Prefeitura de Mogi Mirim. De acordo com este vereador, os advogados do município recebiam 10% como honorários advocatícios, antes mesmo de o processo ser encaminhado à Justiça. O jornal repercutiu a denúncia sustentando, então, que os advogados recebiam caixinha do município.

O grupo não gostou da afirmação e ajuizou ação de indenização por danos morais. Os advogados alegaram que os honorários de sucumbências devem ser pagos independentemente de lei local. Ainda afirmaram que o Tribunal de Ética da OAB-SP classificou “caixinha” como propina e prática ilegal de cobrança de comissões sobre serviços prestados no exercício de cargo público. Assim concluíram que o jornal teve a intenção de mostrar que eles recebiam propina da administração municipal.

O argumento foi negado pela primeira instância. “O teor das reportagens é meramente narrativo e crítico, mas não denota a intenção de ofender a honra dos autores pela simples expressão ‘caixinha dos advogados’. As matérias são contrárias à referida cobrança dos honorários e chegam sustentar a sua ilegalidade, na medida em que dependeriam de lei municipal que a autorizasse”, reconheceu o juiz Alessandro de Souza Lima.

A tese foi confirmada pelo desembargador Waldemar Nogueira Filho. “A Comarca empregou o termo ‘caixinha’ sem propósito pejorativo, retratando, tão-só, uma realidade fática, qual seja, a destinação, para uma caixa única, tanto dos honorários fixados nos processos, como dos cobrados pelo departamento jurídico da prefeitura”, afirmou.

Para o desembargador, foi comprovada a “necessidade da divulgação de matéria de extrema relevância para os contribuintes de Mogi Mirim”. Também ficou clara “a ausência do animus injuriandiou diffamandi, patenteando-se, ao revés, o animus narrandi, de escrever sobre o que estava ocorrendo, de criticar conduta e projetos que seriam contrário aos interesses dos munícipes”.

Lista negra

Mesmo com a absolvição pela Justiça paulista, Piccolomini continua inscrito na lista de desafetos da advocacia paulista. Segundo o Sergei Cobra Arbex, da Comissão de Prerrogativas da OAB-SP, o procedimento da entidade é administrativa e está desvinculado de qualquer decisão judicial. “A OAB agiu dentro de sua esfera legítima de competência quando entendeu que houve ofensa, e isso indenpende do entendimento da Justiça”.

A lista de inimigos da OAB-SP foi descoberta pela Consultor Jurídico, em outubro do ano passado — <a href="http://www.conjur.com.br/static/text/49809,1"clique aqui para ler a reportagem . Na ocasião, 174 pessoas faziam parte do rol de oponentes da OAB, entre juízes, delegados, policiais, escrivães e também vereadores e jornalistas.

Hoje, são 91 pessoas. Neste ano, a lista ganhou novos membros. São eles:

— Renato César Trevisan, juiz da 4ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto;

— Ricardo Silvares, promotor de Justiça de Campinas;

— Turíbio Barra de Andrade, promotor de Justiça de Belo Horizonte;

— Marina de Siqueira Ferreira Zerbinatti Stamatopoulos, juíza da 1ª Vara do Trabalho de Piracicaba;

— Maria Helena Silva, funcionária da procuradoria do município de São Paulo;

— Leandro Conte de Benedicto, promotor de Justiça de Itararé (à época);

— Fernando Vianna, promotor de Justiça de Campinas;


— Elias Ramiro, 3º Sargento da Polícia Militar do Interior;

— Edson Luis Lopes, 2º Sargento do 37º Batalhão da Polícia Militar do Interior;

— Cristiane Araújo Pires, delegada de Polícia do 9º Distrito Policial de Osasco;

— Adriana Costa, juíza da 1ª Vara de Francisco Morato.

Leia o voto do relator

APELAÇÃO CÍVEL 288.377-4/6 – MOGI MIRIM

APELANTES: JOSÉ APARECIDO CUNHA BARBOSA E OUTROS

APELADOS: A COMARCA EDITORA DE JORNAIS LTDA, ME E OUTRO

A r. sentença de fls 244/248, cujo relatório adoto, julgou improcedente a ação de indenização por danos morais promovida pelos advogados Drs. José Aparecido da Cunha Barbosa, Gilmar Alves Bezerra, Sérgio Parenti, Selma Aparecida Fressatto Martins de Melo, Meire Aparecida Arantes Vilela Ferreira e Dulcélia de Freitas em desfavor de A Comarca Editora de Jornais Ltda. – ME e Ricardo Piccolomini de Azevedo, impondo aos autores o pagamento das custas e despesas processuais, e dos honorários advocatícios de R$1.000,00, nos termos do artigo 20, § 4°, do Código de Processo Civil.

Rejeitados os embargos declaratórios que interpuseram (fls. 254/257 e 259), os autores apelaram a fls. 262/284, sustentando, de início, ser ausente de fundamentação a decisão que rejeitou os embargos de declaração, ofendendo os artigos 128 e 462 do Código de Processo Civil e 5º, inciso LV, e 93. inciso IX da Constituição Federal , por na declarar a questão neles debatida. No mérito, invocando a qualidade de ocupantes de cargo público na Administração Municipal; de Mogi Mirim, para a qual exercem a advocacia pública, pediram a procedência da ação, alegando terem os réus não só empregado pela primeira vez a expressão “caixinha dos advogados”, como agido dolosamente ao utilizá-la, fazendo-o com o propósito de lhes ofender a honra subjetiva, pois tinham interesse direto na “suspensão do pagamento de honorários sucumbenciais”, tanto que o co-réu Ricardo, ao pagar o débito fiscal municipal, recusou-sé a satisfazer os honorários advocatícios fixados pelo juízo, por entendê-los indevidos.

Disseram, mais, que não só os honorários são devidos independentemente de lei local, nos termos. da Lei Federal 8.906/94, tal como assentou o Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, como “caixinha” significa propina, prática ilegal de cobrança de comissões sobre serviços prestados no exercício de cargo público, donde se mostrar induvidoso o dano moral que sofreram. Asseveraram, por fim, ter deixado a sentença de aplicar os efeitos da revelia em relação ao co-réu Ricardo, ofendendo o disposto nos artigos 128, 458, inciso 11I e 459, do Código de Processo Civil, e 93, inciso IX, da Constituição Federal.

O recurso teve o processamento admitido e foi contrariado a fls. 295/300.

Estando os autos nesta Corte, os autores, com a petição de fls. 309/315, juntaram reprodução de peças do pedido de desagravo e da sua concessão pelo Conselho de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sobre as quais foi oportunizado pronunciamento aos réus, que se quedaram inertes.

É o relatório.

O dever de motivação judicial não se estende às questões de improcedência manifesta (RJOTACRIM 12/47¬49, ReI. Des. Haroldo Luz, com estribo na doutrina de Basileu Garcia) e como tal é a pretendida contradição entre a afirmação contida na r. sentença, de ter sido a Câmara Municipal de Mogi Mirim quem utilizou pela primeira vez a expressão “caixinha” e a documentação encartada a fls. 191, que comprovaria o seu emprego primeiramente pela ré A Comarca, pois como anotam Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, págs. 632/633, nota 14c ao art. 535, Saraiva, 363 ed., 2004), “a contradição que autoriza os embargos de declaração é do julgado com ele mesmo, jamais a contradição com a lei ou com o entendimento da parte” (ST J- 4aTurma, REsp 218.528SP-EDcl, reI. Min. César Rocha, j. 7.2.02, DJU 22.4.02, p. 210)”.

Sentir do qual não discrepa Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, tomo VII, pág. 403, Forense, 1975), ao pontificar que “a contradição há de ser entre enunciados do acórdão, mesmo se o enunciado é de fundamento e outro é de conclusão, ou entre a ementa e o acórdão, ou entre o que vitoriosamente se decidira na votação e teor do acordão, discordância cujo teor se pode provar com os votos vencedores, ou a ata, ou outros dados. A contradição tem de ser no tocante ao acórdão e o que se julgara e não entre o que tinha de ser base do julgamento diante de alguma peça dos autos”.

Mais não sendo preciso para afastar a alegação de afronta aos artigos 128 e 462 do Código de Processo Civil e 5°, inciso LV, e 93, inciso IX, da Constituição Federal.

Melhor sorte não merece a pretendida ofensa aos artigos 128, 458, inciso 111 e 459, do Código de Processo Civil, e 93, inciso IX, da Constituição Federal, por não ter a r. sentença aplicado os efeitos da revelia em relação ao co-réu Ricardo, pois além de relativa a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, donde não induzir a revelia, por si só, a procedência da ação (cf. os precedentes colacionados por Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa, ob. cit., pág. 424, notas, 6, 6a e 8 ao art. 319), o Magistrado considerou não presente o animus injurandi, fazendo-o, entre outros fundamentos, por considerar que o termo “caixinha”, ainda que entendido como ilegalidade, não desbordaria do âmbito da matéria jornalística, por ser “exatamente a ilegalidade que estava em discussão na Câmara Municipal e investigada pelo Ministério Público”, com o que se valeu de razão bastante a desaguar necessariamente na improcedência da ação, tanto em relação à contestante A Comarca, quanto ao réu Ricardo, donde a irrelevância de não ter oferecido contestação.


No mérito, embora o louvável esforço dos autores, ora apelantes, impõe-se a manutenção a r. sentença.

Assim é que os Vereadores Abner de Oliveira, Massao Hito e Paulo de O. e Silva, a 7 de março de 1996, apresentaram requerimento, aprovado pela Câmara Municipal na sessão ordinária do dia 11, acoimado a cobrança de honorários advocatícios pelo Departamento Jurídico da Municipalidade sobre débitos tributários ainda não executados, de “flagrantemente ilegal e social imoral”, tendo pedido a sua suspensão imediata, bem a devolução, “pelos responsáveis pela arbitrariedade, de todos os recolhimentos indevidos, independentemente de reclamação dos munícipes espoliados” (fis. 95/96).

Por sua vez a co-ré A Comarca, na reportagem editada a 9 de março de 1996, como autoriza leitura do seu inteiro teor, empregou o termo “caixinha” sem propósito pejorativo, retratando, tão-só, uma realidade fática, qual seja, a destinação, para uma caixa única, tanto dos honorários fixados nos processos, como dos cobrados pelo departamento jurídico da prefeitura sobre o pagamento de débitos tributários ainda na esfera administrativa, dividindo¬-se o respectivo montante entre os advogados, sem prejuízo do pagamento dos seus salários (fls. 191).

No dia seguinte, foi noticiado que o vereador Abner de Oliveira estaria denunciando um esquema de pagamento de “caixinha” dentro do Departamento Jurídico da Prefeitura de Mogi Mirim, tendo o edil, à oportunidade, asseverado que a cobrança de 10% a título de honorários advocatícios estaria ocorrendo antes mesmo do processo ser encaminhado à Justiça, o que seria “ilegal e imoral”, tendo afirmado que “Bacar (o então Prefeito Jamil Bacar) não pode permitir que o esquema de caixinha continue existindo naquele departamento da Prefeitura” (fls. 99).

Por conseguinte, também o Vereador Abner de Oliveira, de acordo com a reportagem, cujo teor não restou desmentido, empregou a expressão “caixinha” ou “caixinha dos advogados”, fazendo-o em ternos muito mais incisivos do que os utilizados pelos réus ora apelados, o que também fizeram os Vereadores Abner de Oliveira, Ernani Gragnanello e Rosana Caveanha, no requerimento datado de 26 de junho de 2000, e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação de Mogi Mirim e Região (fls. 159) e o presidente da Câmara Municipal de Piracicaba (fls. 1181, em manifestações datadas de 21 de maio de 2001.

A par disso, os Vereadores Abner de Oliveira, Ernani Gragnanello e Rosana Caveanha, após enfatizarem “a avidez dos Srs. Advogados, que dirigidos pelo seu Diretor do Departamento Jurídico, buscam espoliar os contribuintes mogimirianos” e insistirem na ilegalidade e na imoralidade da cobrança dos honorários, reiteraram requerimento de paralisação imediata da sua cobrança, a apuração dos pagamentos efetuados a tal título e a devolução dos respectivos valores aos contribuintes (fls. 100/105).

Mais a mais, não só a Câmara Municipal acabou rejeitando projeto de lei do Prefeito Municipal, que legalizava a cobrança dos honorários advocatícios e o seu repasse aos advogados (fls. 149 e 141/158), como a matéria mostrou-se controvertida sob o ponto de vista jurídico, pois embora os pareceres favoráveis emitidos pelo Egrégio Tribunal dei Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, e pelo Dr. Promotor de Justiça, este último propondo o arquivamento do procedimento instaurado em razão de representação enviada pelos Vereadores Abner de Oliveira, Errnani Gragnanello e Rosana Caveanha (fls. 91/92), posicionaram-se contrariamente a Procuradora de Justiça Dra. Evelise Pedra Teixeira Prado, Conselheira do Egrégio Conselho Superior do Ministério Público (fIs. 87/90), e a Procuradoria Geral do Estado, por sua Procuradoria de Assistência Jurídica aos Municípios (fls. 120/123), ambas reclamando a existência de lei municipal local dispondo expressamente no sentido pretendido pelos autores apelantes.

Tais comemorativos deixam claro, de um lado a necessidade da divulgação de matéria de extrema relevância para os contribuintes de Mogi Mirim, bastante a arredar a idéia de que tal se deu em razão do interesse direto do co-¬réu Ricardo, reforçada a convicção diante da controvérsia jurídica que se instalou a respeito, e de outro a ausência do animus injuriandi ve/ diffamandi, patenteando-se, ao revés, o animus narrandi, de escrever sobre o que estava ocorrendo, de criticar conduta e projetos que seriam contrário aos interesses dos munícipes, o que encontra respaldo nos artigos 5°, inciso IV, da Constituição Federal, e 27, lnciso VIII, da Lei 5.250/67, no legítimo exercício do direito de crítica e implica, por via de conseqüência, na manutenção da r. sentença que julgou a ação improcedente, inclusive por seus próprios e bem deduzidos fundamentos.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

WALDEMAR NOGUEIRA FILHO

Relator

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