Chope na muamba

Ricardo Teixeira perde mais uma para a Receita Federal

Autor

5 de julho de 2007, 15h30

O presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), Ricardo Terra Teixeira, não consegue mudar o placar de uma disputa que sustenta com a Receita Federal já há 12 anos. Depois de vencer dois jogos iniciais, ele acumula cinco derrotas seguidas na briga judicial que trava, desde 1995 com o fisco. A última derrota ocorreu no dia 26 de junho e foi por goleada: três votos a zero.

A arena deste certame foi o plenário da 4ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, onde os desembargadores rejeitaram a Apelação Cível (2000.02.01.012314-0) impetrada em fevereiro de 2000 pela empresa El Turf Bar e Restaurante, cujo sócio principal até fevereiro de 2006 era o presidente da CBF. O El Turf começou de uma associação de Ricardo Teixeira com o irmão, Guilherme Terra Teixeira, e dois amigos. Proseeguiu com o filho, Ricardo Teixeira Havelange. Os atuais sócios são tres pessoas Jurídicas: Phaleanopsis Participações (da qual Ricardo Teixeira é acionista), Emerald Administração e Participações e Onix Administração.

A apelação tentava derrubar sentença de 1999 do juiz Guilherme Calmon, na época na 6ª Vara Federal Cível do Rio, dando à Receita Federal o direito de confiscar o equipamento de refrigeração e distribuição de chope instalado no El-Turf. O equipamento permite ao bebedor servir-se do chope gelado na própria mesa. Foi o primeiro do gênero a ser instalado no país e, segundo auditores fiscais, ele teria sido trazido do exterior por Teixeira junto com a bagagem da seleção de futebol tetracampeã mundial em 1994.

O desembarque no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro da seleção que acabara de conquistar nos Estados Unidos a Copa do Mundo procovou um grande escândalo diante das acusações de que os jogadores passaram pela alfândega, sem prestar contas à Receita de uma grande quantidade de mercadorias trazidas do exterior. Os equipamentos para a instalação da inovadora choperia teriam sido trazidos por Teixeira junto com o que ficou conhecido na época como a “muamba da seleção”.

A disputa Receita versus Teixeira começou em fevereiro de 1995. Na época, auditores do Grupo de Inteligência da Receita fizeram como preliminar uma minuciosa investigação disfarçando-se como apostadores em corridas de cavalo para acompanhar a instalação do equipamento no bar montado no Jockey Club do Brasil. Respaldado neste trabalho, o procurador André Barbeitas recorreu ao primeiro árbitro da partida, o juiz da então 25ª Vara Federal (hoje 3ª Vara Federal Criminal), Lafredo Lisboa, que levantou o cartão vermelho determinando a apreensão de todo o equipamento nos autos de Busca e Apreensão de número 95.0029860-0.

A principal acusação era a de que este sistema, fabricado em Auckland, na Nova Zelândia, entrou ilegalmente no país. Instalado no bar no dia 25 de janeiro, o equipamento apresentava uma nota fiscal registrando que a entrega tinha ocorrido no dia 1° de fevereiro. Além disso, a guia de importação falava em “filtro-prensa automático para mosto de cerveja com sistema de pré-compressão para retirada do mosto sem absorção do oxigênio”. Pelo que levantaram os auditores fiscais, o equipamento descrito na guia servia à fabricação de cerveja e não à distribuição da bebida. Além disto, a guia acusava um peso do equipamento 766 quilos a mais do que o do que foi instalado no bar.

Esta diferença na descrição do material, segundo informações da própria Receita à época, tinha como objetivo o pagamento de um imposto de importação menor. Apesar disto, por meio de injunções políticas, o presidente da CBF conseguiu “uma revisão aduaneira” pagando a diferença do imposto. Esta vitória administrativa deu argumento aos advogados de Teixeira — Antonio Evaristo de Moraes Filho (que morreu dois anos depois) e George Tavares — para sustentarem que a entrada do material no país foi legal, em fevereiro de 1995, e não com a bagagem da seleção, em julho de 1994.

Com base nesta “revisão”, Teixeira conquistou sua primeira vitória judicial quando, no final de março, o mesmo árbitro Lafredo rejeitou a denúncia de crime de descaminho apresentada pelo procurador Barbeitas contra Teixeira e seus então sócios, o irmão Guilherme, e os amigos Oscar Henrique Gomes da Cruz e William Felipe Campello da Silva, no processo 95.0030162-8. Com isto, o cartão vermelho foi recolhido e o material restituído aos proprietários, permitindo a inauguração da casa, ainda que com um atraso de mais de um mês.

Teixeira no ataque

Empolgado com a vitória, ainda que parcial, Teixeira decidiu contra-atacar. Ele apenas substituiu o campo de jogo e o árbitro da partida: a contenda pulou da área criminal para a cível, entrando em campo o juiz Guilherme Calmon.

Com a ajuda do advogado Leonardo Orsini de Castro Amarante, em outubro de 1995, Teixeira deu início a uma segunda peleja: entrou na 6ª Vara Cível com uma ação de Responsabilidade Civil (95.0022026-1) contra a União e o auditor fiscal da Receita Sylvio José Barros Sá Freire, na época chefe da fiscalização no Aeroporto Internacional Tom Jobim. Pedia indenização por danos morais, acusando o Ministério Público Federal e a Receita Federal da prática de atos abusivos quando da chegada do vôo da seleção brasileira, em julho de 1994, e na importação do equipamento da choperia.

Mas nem a rejeição da denúncia criminal nem a ação por danos morais fizeram a Receita jogar a toalha. Ela continuou insistindo no perdimento do equipamento, já que considerava a sua importação ilegal, apesar da “revisão aduaneira” feita no gabinete do superintendente. Isto obrigou o presidente da CBF a dar início a um novo jogo: uma ação cautelar, interposta em abril de 1997, por dependência na 6ª Vara Cível, tentava lhe garantir a posse sobre o equipamento.

Este jogo teve um novo técnico, o advogado João Mauricio Ottoni Pinho, que levou seu time a marcar o primeiro tento quando obteve liminar do novo árbitro que garantiu a utilização do equipamento enquanto a partida não fosse encerrada. Foi a segunda, porém última vitória de Teixeira na disputa com a Receita.

Ponto para a Receita

A primeira grande derrota de Teixeira foi na ação de indenização por danos morais. Neste caso, a União tentou transferir o jogo para outro campo, apresentando denunciação da lide contra o inspetor da alfândega Sá Freire. Ao mesmo tempo suscitou incidente de falsidade de documentos apresentados por Teixeira. Mas foram todas bolas para fora.

O juiz Calmon apitou o fim de jogo em setembro de 1997, considerando improcedentes os pedidos no incidente de falsidade, na ação principal de pedido de indenização e na regressiva em que a União jogou a culpa no seu servidor, àquela altura já aposentado. O magistrado condenou “o autor Ricardo Terra Teixeira ao pagamento de honorários advocatícios à União Federal e esta ao denunciado Sylvio José Barros de Sá Freire, em vinte por cento sobre o valor da causa, monetariamente corrigidos desde a propositura da presente demanda”.

Teixeira tentou virar o jogo no TRF-2, mas ali perdeu sempre por goleada — três a zero (unanimidade) — no recurso, nos embargos de declaração e, depois, no recurso especial rejeitado pelo então vice-presidente Frederico Gueiros.

Apelou, então, ao Superior Tribunal de Justiça (Agravo de Instrumento 616.606 – RJ). Ao rejeitar o apelo, em agosto de 2005, o ministro Franciulli Neto considerou que “não se pode reputar que o exercício de prerrogativas legais, adotadas pelos servidores fiscais da união e membros do MPF, possa ser acoimado de ilícito ou abusivo. Ao contrário, os servidores não só estavam no exercício regular de um direito, como, mais do que isso, encontravam-se no desempenho de um dever funcional em suas atividades de fiscalizações e persecução criminal. O exercício desse direito-dever, ademais, não extrapolou do estritamente necessário para apurar os fatos obscuros que envolvem, até hoje, o desembarque dos ‘heróis’ nacionais em julho de 1994”.

O presidente da CBF não desistiu, apesar de todas as derrotas até aqui, e tratou de interpor um Agravo Regimental contra a decisão de Franciulli Netto. Como o ministro morreu logo após a decisão deste caso, o recurso de Teixeira ganhou novo árbitro no STJ, o ministro Humberto Martins, da 2ª Turma.

Dois anos depois de negar a indenização pedida por Teixeira, o juiz Calmon, da 6ª Vara Federal do Rio, infligiu-lhe nova derrota. Desta vez na Ação Cautelar que tentava garantir a posse do equipamento de refrigeração e distribuição de chope. Em setembro de 1999, ele concluiu pela improcedência dos pedidos do autor, “diante da regular e legítima atuação do Poder Público na fiscalização e controle dos bens vindos do exterior”.

Ao considerar improcedente os pedidos, o árbitro recolheu o cartão vermelho, que ele tinha sacado no início da disputa e que impedia a Receita Federal de apreender o equipamento de refrigeração e distribuição de chope.

O equipamento não foi recolhido graças à revanche requerida por Teixeira, em um novo campo, o TRF. Esta nova disputa teve início em fevereiro de 2000. O primeiro árbitro escalado foi o ainda juiz convocado (hoje desembargador) Roy Reis Freide. Em agosto de 2003, depois de idas e vindas sem que nenhuma decisão tivesse sido tomada, houve sua substituição pelo desembargador Paulo Espírito Santo. A disputa sofreu então uma interrupção: o caso ficou parado no seu gabinete até janeiro de 2005, quando foi feita nova distribuição e o novo árbitro passou a ser o desembargador Alberto Nogueira, da 4ª Turma Especializada.

Entre março de 2005 e fevereiro deste ano, houve nova paralisação, sem que o processo deixasse o gabinete do novo juiz do caso. Finalmente, em 26 de junho passado, esta nova partida teve um primeiro desfecho e, mais uma vez, ele foi desfavorável para Teixeira. Por três votos a zero, a turma negou provimento ao recurso.

A súmula deste jogo, com o relatório e voto do árbitro, ainda não veio a público. Mas já existe uma movimentação nos bastidores da Fazenda Nacional e da Procuradoria da Fazenda para fazer valer a decisão.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!