Pimenta nos olhos

Presunção de inocência não pode valer para réu confesso

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8 de janeiro de 2007, 10h52

O desespero dos pais e irmãos de Sandra Gomide cala fundo na consciência de cada um de nós. Não há como ficar indiferente. O assassino, jornalista Pimenta Neves, continuará solto. Réu confesso, fato público e notório, assassinou, em 2000, sua namorada, Sandra Gomide, com dois tiros pelas costas. Tem a seu favor a presunção de inocência: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (inc. LVII, artigo 5º da Constituição).

Ou seja, só será preso após o trânsito em julgado da decisão do Júri que o condenou. O que isso significa? Significa que ele ficará solto até que se esgotem todos os recursos possíveis. No estágio em que se encontra o seu processo, são eles: Recurso Especial e Recurso Extraordinário, Embargos de Declaração, Agravos de Instrumento, Agravo Regimental, novos Embargos de Declaração, novos Agravos de Instrumentos etc. Às vezes ocorrem Embargos de Declaração em Embargos de Declaração. Tudo isso, primeiramente, junto ao Superior Tribunal de Justiça, e, após, no Supremo Tribunal Federal. Serão vários pronunciamentos, sessões, despachos etc.

Em quanto tempo será possível terminar todos os recursos? É uma incógnita. Para se ter uma idéia, o jogador Edmundo Alves de Souza Neto, condenado por três mortes e lesões corporais continua solto. Seu processo permaneceu no Superior Tribunal de Justiça durante cinco anos, para encerrar todos os recursos e Embargos de seu advogado. Atualmente, está ele apresentando o quinto agravo junto ao Supremo Tribunal Federal, que negou seguimento ao recurso extraordinário. Ou seja, a pena de Edmundo caminha célere para a prescrição: ainda não transitou em julgado.

Agreguem-se aos recursos os sucessivos Habeas Corpus, que são impetrados ao longo do andamento da ação penal e dos recursos últimos. Entra-se com um Habeas Corpus para analisar a respostas dos jurados, que foram “induzidos” pelo Juiz da pronúncia. Impetra-se outro, para falar que não foi garantido, no Tribunal de Justiça, o pleno exercício do direito de defesa, por uma questiúncula processual. Impetra-se mais outro para anular todo o julgamento pelo Tribunal do Júri. As questões processuais são infindáveis e não há limites à interposição de Habeas Corpus.

Interrompem-se interrogatórios, discute-se competência, suspende-se o andamento de processos penais até o julgamento do Habeas Corpus etc. Se forem dez os acusados, cada um impetra um HC. Se alguém obtém a liberdade, os outros pedem a extensão do benefício. Tudo dosado e paulatinamente.

Alie-se a tudo isso a jurisprudência que está, ultimamente, prevalecendo nos tribunais superiores: (1) a execução da pena só após o trânsito em julgado da condenação, que pressupõe o fim do Resp e RE. Esta não era a jurisprudência que predominava até outubro de 2005, porque se entendia que não tendo o Resp e o RE efeitos suspensivos, a execução poderia ocorrer com a confirmação da condenação pelo Tribunal de Justiça — já havia sido assegurado o duplo grau de jurisdição; (2) a fuga é direito subjetivo do acusado, não servindo tal fato (a fuga) para justificar a prisão preventiva.

Esse é o motivo pelo qual Pimenta Neves fugiu e nada lhe aconteceu. Antes, a fuga era motivo para justificar a prisão, para garantir a aplicação da lei penal. Na verdade, o novo entendimento estimula a fuga de todo aquele que praticar um crime. Aliás, o bispo Estevam Hernandes Filho e sua mulher, a bispa Sônia Hernandes, fugiram. Tiveram sua prisão preventiva decretada, porque não compareceram à audiência, mas acabaram por obter a liberdade provisória.

Nicolau dos Santos Neto só foi preso porque fugiu (caso TRT-SP), ao contrário do ex-senador Luiz Estevão, que vem comparecendo em todos os atos processuais. Hoje, a prisão de Nicolau seria praticamente impossível — sua condenação não transitou em julgado. Não se pode, diz a nova jurisprudência, (3) dosar a pena, com base em maus antecedentes, se o acusado responde a 20 inquéritos e dez processos penais, por exemplo. Afinal, nenhum desses processos ainda transitou em julgado. Ou seja, se uma pessoa acusada de crime nunca respondeu a nenhum processo ou foi indiciada em inquéritos estará na mesma situação daquela que respondeu a várias dezenas de processos, desde que não haja trânsito em julgado.

Mas o que nos parece claro é que “presunção de inocência” não pode valer para réu confesso, no mínimo. Ora, se o condenado, como Pimenta Neves, confessou o crime e busca, nos julgamentos, atenuantes, para diminuir a pena (teria praticado o crime sobre forte emoção), não se pode falar em presunção de inocência, porque culpado ele já o é; aliás, é réu confesso. E já tendo havido dois julgamentos, um pelo Tribunal do Júri e outro pelo Tribunal de Justiça, que confirmou a condenação — atendeu-se ao duplo grau de jurisdição — há o sentimento, jurídico e humano, de que está na hora dele começar a cumprir sua pena.

Da mesma maneira que as “mães da Praça de Maio” nunca se conformaram, sem saber exatamente quem foi o assassino direto de seus filhos, muitos menos se conformarão os pais de Sandra Gomide que sabem aonde reside o assassino de sua filha. E muitos menos também se conformarão qualquer um de nós, cidadãos comuns.

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