Preço da fúria

Homem é condenado a pagar indenização por xingar e bater na ex

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22 de fevereiro de 2007, 17h05

A Justiça do Rio Grande do Sul condenou um homem a pagar indenização de 15 salários mínimos para a sua ex-mulher por ter a agredido física e verbalmente. O homem teria chamado a ex, com quem viveu em união estável por 14 anos, de vagabunda e prostituta em frente a outras pessoas. A decisão é da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho e dela ainda cabe recurso.

O réu apelou ao TJ contra a decisão da primeira instância, que acolheu a ação indenizatória movida pela mulher e tornou definitiva a liminar que determinou o afastamento do companheiro da casa e do trabalho da ex.

O relator do recurso, desembargador Luiz Ary Vessini de Lima, destacou que a agressão à autora do processo ficou demonstrada pelos depoimentos das testemunhas, boletins de ocorrência e exames de corpo de delito. “Os danos morais restam evidenciados diante do sofrimento físico e o abalo psíquico, por ser ofendida publicamente.”

De acordo com o desembargador, trata-se de violência decorrente de relação familiar. Para ele, a ex também foi submetida ao amplo descrédito, sendo inclusive chamada de vagabunda e prostituta em frente a várias pessoas. “Assim, não bastasse a agressão física, tal conduta, em uma pequena comunidade, provoca veemente constrangimento, passível de indenização.”

Participaram do julgamento os desembargadores Paulo Antônio Kretzmann e Paulo Roberto Lessa Franz.

Processo 70015675515

Leia a decisão

RESPONSABILIDADE CIVIL. AGRESSÃO FÍSICA. COMPROVAÇÃO. PROVA TESTEMUNHAL. DANOS MORAIS.

Comprovada a agressão física perpetrada pelo réu contra a autora, sua ex-companheira, impõe-se a obrigação de reparar os danos suportados por aquela, consoante acertadamente decidido na sentença.

Dano moral. Caracterizado e bem dosado.

APELO E RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS.

APELAÇÃO CÍVEL: DÉCIMA CÂMARA CÍVEL

Nº 70015675515: COMARCA DE ITAQUI

MARLON RIGHES DE ALMEIDA: APELANTE/RECORRIDO ADESIV

ROSA CECILIA DE ANDRADE: RECORRENTE ADESIVO/APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo e ao recurso adesivo.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE) E DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ.

Porto Alegre, 26 de outubro de 2006.

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA,

Relator.

RELATÓRIO

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR)

ROSA CECÍLIA ANDRADE ajuizou ação ordinária cominatória de obrigação de abstenção de pratica de ato c/c indenizatória com pedido de tutela antecipada em face de MARLON RIGHES DE ALMEIDA, sustentando que a união estável que manteve com este, por mais de 15 (quinze) anos, trouxe-lhe diversos prejuízos, já que o demandado agredia-lhe moral e fisicamente; fato que faz necessário o afastamento do ex-companheiro da residência e do trabalho da demandante.

Deferida, à fl. 53, a antecipação de tutela.

A sentença, às fls. 166/170, com base no art. 269, I, do CPC, julgou a ação procedente, tornando definitiva a liminar de fl. 53, condenando o réu ao pagamento de indenização por danos morais, de 15 (quinze) salários mínimos, acrescidos de juros de 1% ao mês, contados da citação; das custas processuais; e dos honorários advocatícios, fixados em 20% sobre o valor da condenação.

Em razões de recurso, às fls. 173/177, o requerido diz que a sentença deve ser reformada. Aduz que não restaram corroborados, nos autos, os argumentos levantados, em desfavor do demandado, pela demandante, esta que teve 30% de culpa reconhecida nos fatos que alegou. Alega que a autora não suportou transtornos que dêem ensejo à pretensão desta. Requer o provimento do apelo.

Por sua vez, em sede adesiva, a requerente, às fls. 183/184, também diz que a sentença deve ser reformada, a fim de ser majorado o quantum condenatório. Requer o provimento do apelo.

Em contra-razões, às fls. 185/186, a demandante refuta as articulações esposadas na apelação, pugnando pelo seu não provimento.

Intimado, o demandado não contra-arrazoou o recurso adesivo.

Subiram os autos.

O processo foi submetido à revisão.

É o relatório.

VOTOS

DES. LUIZ ARY VESSINI DE LIMA (RELATOR)

Eminentes Colegas! Entendo que a sentença deva ser integralmente mantida.

Trata-se de demanda indenizatória em razão de agressão física e verbal praticada pelo réu contra a autora, sua companheira, por cerca de 15 anos. A referida agressão restou cabalmente demonstrada nos autos, e os danos morais restam evidenciados diante do sofrimento físico e o abalo psíquico, por ser ofendida publicamente, inclusive com palavras atentatórias a sua moral.

Por outro lado, os argumentos levantados em sede de apelação se mostram insuficientes para a reforma da sentença.

Nesse passo, veja-se o depoimento da testemunha Glacira Pare Ramires à fl. 138:

Que presenciou a agressão praticada pelo réu contra a autora, quando o casal já estava separado. Diz que presenciou certo dia o réu adentrando na loja, e indo em direção à casa da autora que fica ao lado da loja, tendo a autora tentado impedir o demandado de entrar na casa, sendo que ele então empurrou a autora, pegando-a pelos braços e levando-a até ao quarto. Diz que a autora ficou com hematomas nos braços. Diz que o demandado chamou ela de vagabunda. (…)

A seu turno, Miriam Raquel Lambert Silva, em seu depoimento à fl. 140, referiu:

(…)

Que presenciou o réu agredindo a autora depois da separação. Lembra que foi um sábado pela manhã. O réu chegou na loja quebrando tudo, jogando perfumes e foi em direção à casa da autora, tendo pego a autora pelos braços, sendo que a autora pedia socorro (…) que um dia a autora e a depoente estavam sentadas na frente da loja e o ré estacionou enfrente a aloja e dentro do carro gritou para a autora, chamando-lhe de vagabunda a prostituta.

Ora, a prova testemunhal, bem como a comunicação de ocorrência acostada à fl. 28 e o auto de exame de corpo de delito à fl. 29 corroboram a versão da autora.

Dentro desse quadro, verificado o agir ilícito, exsurge o dever de indenizar, o que restou devidamente reconhecido na sentença, cujos fundamentos passam a integrar este julgado como razões de decidir, in verbis:

Depreende-se, desta forma, convincentemente, que o requerido deu causa à violação dolosa dos direitos da personalidade da parte autora, causando-a intenso sofrimento e humilhação.

Veja-se que os fatos narrados na contestação, apoiados nos depoimentos de ZORA LEONARA GOMES MONSON, fl. 142, e MARCO AURÉLIO ATZ, fl. 153, embora devam ser considerados quando do arbitramento da indenização, não servem para afastar o ilícito. Em verdade, trata-se de contexto de violência decorrente de relação familiar. Entretanto, resta evidente da prova obtida que a conduta do réu foi muito grave que a da autora. É que a requerente, além da violência sofrida, foi submetida ao amplo descrédito, senda inclusive chamada de “vagabunda” e “prostituta” em frente a várias pessoas. Assim, não bastasse a agressão física, tal conduta, em uma pequena comunidade, provoca veemente constrangimento, passível de indenização. Vale lembrar, por fim, que o réu não buscou indenização pelos danos alegadamente sofridos mediante reconvenção. Necessária, portanto, a compensação de culpas, a fim de que seja obtida a decisão mais justa para o caso concreto.

Na lição do Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino (Responsabilidade Civil, Ajuris, 1998) estará configurado o dano moral “Quando ocorrer a relação e os prejuízos sofridos pela vítima forem extrapatrimoniais, tendo atingido um bem jurídico relacionado a sua personalidade.”

Assim, o dano moral aflora quando existe uma violação, uma agressão a um bem jurídico, um bem pessoal, de esfera personalíssima, como, por exemplo, a honra, a vida, a liberdade e a integridade física, devendo, contudo, essencialmente, decorrer de um ato ilícito (omissivo ou comissivo). Essa é justamente a situação dos autos, uma vez que a autora foi submetida a intenso e injusto sofrimento, o que atribui a prerrogativa de reclamar a cabível indenização.

Do recurso adesivo.

No que tange ao quantum fixado a título de danos morais, igualmente, deve seguir mantida a decisão a quo, porquanto fixado em conformidade com as circunstâncias concretas do caso, principalmente o fato de ter havido certa participação da ofendida, valendo trazer, sobre o tema a lição de Caio Mário da Silva Pereira1:

A vítima de uma lesão a algum daqueles direitos sem cunho patrimonial efetivo, mas ofendida em um bem jurídico que em certos casos pode ser mesmo mais valioso do que os integrantes de seu patrimônio, deve receber uma soma que lhe compense a dor ou o sofrimento, a ser arbitrada pelo juiz, atendendo às circunstâncias de cada caso, e tendo em vista as posses do ofensor e a situação pessoal do ofendido. Nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequena que se torne inexpressiva.

Pelo exposto, estou em NEGAR PROVIMENTO ao apelo e ao recurso adesivo

É o voto.

DES. PAULO ROBERTO LESSA FRANZ (REVISOR) – De acordo.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN (PRESIDENTE) – De acordo.

DES. PAULO ANTÔNIO KRETZMANN – Presidente – Apelação Cível nº 70015675515, Comarca de Itaqui: “IMPROVERAM O APELO E O RECURSO ADESIVO. UNANIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: ROBERTO LAUX JUNIOR

Nota de rodapé:

1. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil, nº 49, 4ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 60.

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