Faltou provar

TJ-SP rejeita denúncia contra acusados de matar moradores de rua

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20 de fevereiro de 2007, 17h29

Não se pode confundir falta de fundamento com uma fundamentação suscinta. Assim, jamais pode ser anulada a decisão judicial que, embora de forma resumida, aponta, clara e objetivamente, a inexistência de indícios de autoria e a falta de justa causa para o início da ação penal. Esse foi o fundamento do Tribunal de Justiça para livrar quatro policiais militares de responder como supostos autores da chacina de moradores de rua de São Paulo. A Corte paulista entendeu que só há indícios para a abertura de ação penal contra um PM e um segurança particular e, nesse caso, eles responderão por apenas um dos 12 crimes dolosos contra a vida apontados na denúncia.

Os crimes ocorreram na madrugada dos dias 19 e 22 de agosto de 2004, na região da Praça da Sé e vitimaram 12 pessoas que dormiam em calçadas, marquises e viadutos. Sete morreram, todas golpeadas na cabeça. Na época, o então secretário da Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, disse que o caso estaria resolvido em 30 dias. Os ataques ganharam repercussão internacional.

Em novembro de 2004, o Ministério Público apresentou o caso como uma espécie de genocídio urbano e denunciou cinco PMs e um segurança por seis tentativas e seis homicídios duplamente qualificados (motivo torpe e meio que dificultou a defesa da vítima), além de formação de quadrilha e associação para o tráfico de drogas. Foram denunciados os policiais militares Cleber Bastos Ribeiro, Jayner Aurélio Porfírio, Marcos Martins Garcia, Paulo Cruz Ramos e Renato Alves Artilheiro, além do segurança Francisco Luiz dos Santos.

De acordo com a denúncia, o grupo comandaria um esquema criminoso de tráfico de drogas, extorsão de ambulantes e receptação de material roubado na região da praça da Sé e contaria com a ajuda de moradores de rua e adolescentes infratores. Em primeira instância, o juiz Richard Francisco Chequini, da 1ª Vara do Júri da Capital, rejeitou a denúncia. Na opinião do magistrado, o Ministério Público não produziu uma só prova que demonstrasse a presença dos suspeitos no local dos crimes, no momento em que eles aconteceram.

Insatisfeito, o MP recorreu alegando falta de fundamentação da sentença. No mérito, pediu o recebimento da denúncia por entender que seriam suficientes os indícios de autoria e prova da materialidade. Apresentou um recurso em sentido estrito e um pedido de suspeição do juiz da 1ª Vara do Júri. No primeiro, obteve vitória parcial e no segundo foi derrotado.

O recurso contra a sentença que rejeitou a denúncia foi apreciado pela 13ª Câmara Criminal que aceitou em parte o pedido do MP paulista. A turma julgadora determinou o recebimento da denúncia contra o PM Renato Alves Artilheiro e o segurança Francisco Luiz dos Santos. No entanto, os dois só irão responder pelo crime de homicídio praticado contra a moradora de rua conhecida como “Maria Baixinha”. Segundo testemunhas, ela foi morta na rua Barão de Iguape, ao lado de uma concessionária da Volkswagen.

Inquérito

Durante a fase de produção de provas a Polícia Civil e o Ministério Público mandaram apreender um veículo – um Opala preto que teria sido usado na prática dos crimes e no tráfico de entorpecentes –, requisitaram imagens gravadas pela câmara de vigilância da Eletropaulo, pediram perícia de um cassetete, determinaram a quebra de sigilo telefônico de três suspeitos e ouviram cem testemunhas, entre moradores de rua, vigilantes particulares, pequenos comerciantes e policiais.

As informações colhidas foram consideradas irrelevantes pela Justiça. Para o tribunal, a denúncia do MP sofre de “anemia e indigência probatória” e foi este fato que impediu de atribuir aos quatro acusados a execução direta dos crimes dolosos contra a vida. Para a turma julgadora, das provas apresentadas não se pode extrair nenhum indício seguro, que estabeleça ligação direta e próxima entre os recorridos (os quatro PMs) e os homicídios tentados e consumados apresentados na denúncia. No entendimento da 13ª Câmara Criminal do TJ paulista, com exceção do crime praticado contra a vítima “Maria Baixinha”, os dados colhidos no processo não ultrapassaram a singela condição de suposição ou desconfiança, como havia afirmado o magistrado de primeiro grau.

Quanto à prova testemunhal, o tribunal entendeu que não serve nem para testemunho indireto. “Ora, comentários vagos e imprecisos, provenientes de pessoas não identificadas, que atribuem, genericamente, aos réus, policiais militares, envolvidos em homicídios e em tentativas de homicídios contra vítimas diversas, moradoras de rua, sem explicitar, minimamente, em que consistiriam tais participações, não constituem sequer testemunhos indiretos”, afirmou o relator do recurso, desembargador René Ricupero.

Suspeição

O Tribunal paulista também não atendeu pedido de suspeição apresentado contra o juiz Richard Francisco Chequini. O caso foi julgado pela Câmara Especial. O Ministério Público sustentou que o magistrado deveria ser considerado suspeito no processo porque revelou à imprensa a identidade de pessoas denunciadas na ação penal. De acordo com o MP essa conduta seria incompatível com o exercício das funções jurisdicionais do magistrado no caso envolvendo a chacina de moradores de rua.

Em sua defesa, o juiz negou que houvesse agido com parcialidade e explicou que apenas confirmou aos jornalistas os nomes dos investigados e o enquadramento legal dado pela denúncia, fatos, segundo ele, que já eram de conhecimento público. “O simples fato de o magistrado ter fornecido a jornalistas dados objetivos constantes de denúncia, oferecida em ação penal pública, não é evidência de sua parcialidade na condução do feito”, afirmou a relatora, Maria Olívia Alves. Para a turma julgadora, a insatisfação com a atuação do juiz, seja quanto à sua postura, seja quanto às suas decisões, não serve como justificativa para o afastamento da condução do processo, por suspeita de parcialidade.

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