Desastre eminente

Outra obra do Metrô de São Paulo deve ser investigada

Autor

15 de fevereiro de 2007, 23h01

O promotor José Carlos Guillen Blat, do Ministério Público de São Paulo, pediu a abertura de inquérito policial para apurar suposto crime de exposição de perigo de vida e de saúde de outros. O crime teria sido cometido pelos responsáveis pela execução e fiscalização da obra na estação Fradique Coutinho da linha 4 do Metrô de São Paulo. O inquérito deve ser aberto no 3º Seccional de Polícia de São Paulo.

Laudo técnico, elaborado pelo especialista em soldagem Nelson Augusto Damásio e encomendado pelo Consórcio Via Amarela, apontou problemas no canteiro de obras da estação que poderiam “ocasionar acidentes de proporções imprevisíveis”. O documento foi produzido a partir de vistoria no dia 27 de janeiro para testar a qualidade das soldas na estrutura metálica que sustenta as paredes da futura estação.

O laudo cita 15 problemas, como a utilização de métodos e materiais inadequados na soldagem de uma estrutura metálica de sustentação das paredes da futura estação. Essa estrutura será removida quando as lajes estiverem prontas, mas têm a função de impedir que as paredes sejam rompidas durante a obra.

Outro método citado como inadequado é conhecido como “bacalhau” (preenchimento de espaços com abertura excessiva com uso de materiais diversos). O laudo também reprovou as soldas por ter constatado “porosidade e trincas”.

O próprio consórcio teria pedido no dia da vistoria a paralisação da obra até que os trabalhos de recuperação fosse feito. Apesar disso, os responsáveis pela obra continuaram o trabalho.

O Metrô informou que não considera graves os problemas. Eles já estão sendo solucionados pelo Consórcio da Linha Amarela, argumentou a empresa. O consórcio também negou haver risco de acidente.

Na mesma linha desta estação, o canteiro de obras da estação Pinheiros desabou no dia 12 de janeiro, provocando a morte de sete pessoas. O desastre, que engoliu parte de uma rua, causou ainda danos em residências das imediações.

Leia o pedido de inquérito

São Paulo, 15 de fevereiro de 2.007.

Senhor Delegado de Polícia,

O Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo abaixo assinado, no uso de suas atribuições legais, vem, respeitosamente, nos termos do que dispõe o artigo 5º, inciso II do Código de Processo Penal c.c. o artigo 66, parágrafo único da Lei 9099/95, REQUISITAR A INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL para apurar a prática, em tese, de crime de exposição a perigo a vida e a saúde de outrem descrito no artigo 132 do Código Penal Brasileiro, tendo como averiguados os responsáveis pela administração, execução e fiscalização da obra referente a Estação Fradique Coutinho da linha 04 do Metrô, pelos fatos a seguir expostos.

No último dia 13 de fevereiro de 2.007, a Rede Globo de Televisão, através do Jornal Nacional, levou a conhecimento público que o Consórcio “Linha Amarela”, vencedor do certame para a construção da linha 04 do Metrô, teria contratado o serviço de consultoria técnica da empresa Tecnoplani Inspeções – Nelson Augusto Damásio -ME para inspecionar as estruturas metálicas da estação Fradique Coutinho da referida linha.

Conforme se depreende dos laudos apresentados pela TECNOPLANI INSPEÇÕES NELSON DAMÁSIO – ME, as estruturas metálicas da estação Fradique Coutinho estariam comprometidas em razão dos seguintes motivos:

soldadores sem identificação (sinete);

falta de mapa de rastreabilidade de juntas de soldas;

juntas sem execução de soldagem;

juntas com reforço excessivo;

soldagens executadas sem preparação de chanfro, acarretando falta de penetração;

juntas com soldas executadas apenas de um lado, enquanto deveriam ter sido soldados em todo o contorno;

abertura sem padrão de requisitos de qualidade;

soldagens executadas com o uso de “ bacalhau”, ou seja, preenchimento de espaços com abertura excessiva com uso de materiais diversos;

vigas com emenda através de soldagens, sem qualquer padrão mínimo de qualidade; soldagens executadas sem qualquer acompanhamento de inspetor de soldagens e inspetor END’S, apesar de existirem técnicos qualificados inexistência de qualquer relatório que comprove a aplicação mínima dos requisitos de qualidade;

soldagem com consumíveis do tipo eletrodo revestido E 7018 de baixo hidrogênio, sem aplicação do procedimento de tratamento de ressecagem, manutenção da ressecagem, através de estufas calibradas por inspetor de soldas nível I e controle de distribuição para uso diário na obra;

ausência de estufas portáteis (cochicho) calibrada para garantir a temperatura dos consumíveis durante a jornada de trabalho;

máquinas de solda sem calibração;

soldador trabalhando na obra sem qualquer qualificação executando diversos trabalhos de soldagens.

Essas constatações levaram a empresa TECNOPLANI INSPEÇÕES NELSON AUGUSTO DAMÁSIO –ME a concluir que os TRABALHOS DE SOLDAGENS NAS ESTRUTURAS DE ESTRONCAMENTO DA ESTAÇÃO FRADIQUE COUTINHO ESTÃO REPROVADOS.

Ocorre que não bastasse a conclusão reprovando os serviços de soldagens nas estruturas metálicas de estroncamento, os técnicos contratados pelo próprio Consórcio “linha amarela” recomendaram o seguinte:

1º PARALISAÇÃO DAS ATIVIDADES DA OBRA, ATÉ QUE SE INICIEM OS TRABALHOS DE RECUPERAÇÃO DAS SOLDAS, ACOMPANHADOS DE PESSOAL QUALIFICADO, UMA VEZ QUE A ATUAL SITUAÇÃO DA ESTRUTURA IMPLICA EM SÉRIO RISCO DE ROMPIMENTO DAS SOLDAS, PODENDO OCASIONAR ACIDENTES DE PROPORÇÕES IMPREVÍSIVEIS.

2º ADEQUAÇÃO E APLICAÇÃO DE TODOS OS ITENS ANTERIORES, A FIM DE SE MANTER PADRÕES PRÉ-ESTABELECIDOS PARA DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES COM SEGURANÇA.

As aludidas recomendações datam de 27 de janeiro de 2.007, ou seja, 15(quinze) dias depois do desabamento ocorrido na estação Pinheiros da mesma linha 04 do Metrô que acarretou a morte de 07 (sete) pessoas e dezenas de vítimas que tiveram que abandonar suas casas e estabelecimentos comerciais, objeto de investigação nos autos do inquérito policial n.º 01/07 em trâmite por essa unidade Policial.

Apesar dos riscos de produzir um novo acidente de PROPORÇÕES IMPREVISÍVEIS, conforme relatório acima mencionado, os responsáveis pela obra deram continuidade na sua execução, agindo, assim, dolosamente, colocando em risco a vida dos trabalhadores contratados pelo Consórcio Linha Amarela, bem como dos moradores, comerciantes da região, pedestres e outras pessoas que circulam por aquela região, incidindo, em tese, no crime descrito no artigo 132 do Código Penal que dispõe expressamente:

“expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente”.

Pena – detenção, de 3(três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave.

Vale salientar que a exposição de motivos do Código Penal de 1940 traduz a exemplificação de aludido crime nos seguintes termos:

“o exemplo freqüente e típico dessa species criminal é o caso do empreiteiro que, para poupar-se ao dispêndio com medidas técnicas de prudência, na execução da obra, expõe o operário ao risco de grave acidente.”

O perigo concreto contra determinadas pessoas é patente, ou seja, operários da obra, moradores e comerciantes vizinhos àquela estação correram e correm sérios riscos de morte por conta das falhas de soldagens das estruturas metálicas com a utilização de material de baixa qualidade e com o emprego de mão de obra não qualificada.

E não é só! Mesmo depois de constatados os problemas estruturais, os responsáveis pela execução da obra deram continuidade aos trabalhos mantendo em sério risco a vida e a integridade física dos operários da Linha Amarela e pessoas que residem e trabalham nas proximidades do local.

Isto posto, requer-se ainda sejam requisitadas as fitas e matérias jornalísticas a respeito dessas irregularidades constatadas na estação Fradique Coutinho, bem como proceda-se a oitiva dos conselheiros da linha Amarela, Diretor de Contrato, Gerente Operacional, Gerente de Qualidade, Assistentes Técnicos de Obra, bem como responsáveis pela fiscalização daquele trecho designados pelo Metrô, além dos técnicos da TECNOPLANI e de outras pessoas ligadas a empresa contratada após a constatação das irregularidades para refazer os pontos de soldagens das estruturas metálicas, que até a presente data refizeram apenas 20% (vinte por cento) dos pontos irregulares que estão colocando em risco a vida das pessoas mencionadas.

JOSÉ CARLOS GUILLEM BLAT

13º Promotor de Justiça Criminal da Capital

ILUSTRÍSSIMO SENHOR

DOUTOR DEJAIR RODRIGUES

DD. DELEGADO DE POLÍCIA TITULAR DA 3º SECCIONAL DE POLÍCIA DA CAPITAL – DECAP.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!