Credor dissimulado

Colégio não pode proibir aluno inadimplente de fazer prova

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5 de fevereiro de 2007, 11h47

O Centro Educacional Henry Dunant foi condenado a pagar R$ 12 mil de indenização por danos morais para uma aluna que não pôde fazer prova porque estava inadimplente. A decisão é do juiz João Felipe Nunes Ferreira Mourão, da 27ª Vara Cível do Rio de Janeiro. O juiz esclareceu que o credor não pode usar meios dissimulados para expor seu devedor ao ridículo. Cabe recurso.

A aluna cursava Técnico em Radiologia. No dia da prova da disciplina “Ética”, foi informada, na frente de todos os alunos, que teria de ir até a secretaria. Os alunos sabiam que se tratava de atraso de mensalidades, porque este era um procedimento padrão do colégio.

Alegando ter sofrido constrangimento, a estudante entrou com ação de indenização contra o colégio. Pediu R$ 17,5 mil como reparação por danos morais.

Para se defender, o Centro Educacional sustentou que o comunicado só foi feito na frente dos alunos porque a diretora e a sócia do colégio não conseguiram contato por telefone com a aluna. Argumentou também que nada foi mencionado na sala de aula sobre o atraso do pagamento.

O juiz Felipe Nunes reconheceu que houve dano moral. Considerou que o Código de Defesa do Consumidor proíbe o consumidor inadimplente não ser exposto ao ridículo, ou submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. “Importante destacar também a ilicitude da pratica relativa à retenção de provas de alunos inadimplentes tendo em vista o disposto no artigo 6º, da Lei 9.870/99”.

Segundo a lei citada pelo juiz, “são proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas, por falta de pagamento, sujeitando-se o contratante no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor”.

A autora da ação foi representada pelo escritório Semblano Advogados Associados.

Leia a decisão

ESTADO DO RIO DE JANEIRO JUÍZO DE DIREITO DA 27ª VARA CÍVEL DA COMARCA DA CAPITAL Processo no 2006.001.087420-3 Autora: Maria Izabel da Silva Réu: Centro Educacional Henry Dunant S E N T E N Ç A MARIA IZABEL DA SILVA propôs ação indenizatória em face do CENTRO EDUCACIONAL HENRY DUNANT pleiteando a condenação do réu ao pagamento de R$17.500,00 (dezessete mil e quinhentos reais) a título de dano moral, em razão dos transtornos sofridos na qualidade de aluna da aludida instituição de ensino.

Afirma a parte autora que era estudante do curso técnico em radiologia oferecido pela ora ré, tendo se dirigido em 27/09/2005 à sala de aula para realizar prova da matéria “Ética”, sendo chamada em alto e bom tom pela professora, que teria lhe comunicado que sua prova encontrar-se-ia retida na secretaria, pelo que a mesma deveria lá comparecer a fim de sanar o problema existente.

Sustenta ser fato conhecido de todos os alunos e ex-alunos que tal prática sempre é realizada pelo réu em caso de inadimplemento no pagamento das mensalidades. Instruíram a petição inicial os documentos de fls. 06/17 Gratuidade de Justiça deferida às fls. 23. Regularmente citado, o réu apresentou a contestação de fls. 29/36, acompanhada dos documentos de fls. 37/59, em que afirma que diversos contatos telefônicos foram feitos com a autora antes da realização da prova, não tendo sido obtido êxito, o que teria levado a diretora e sócia do colégio a chamar a aluna na sala de aula, antes da realização de uma prova, através do seu funcionário, para que a mesma comparecesse à secretaria, ressaltando, no entanto, que nada teria sido mencionado na sala de aula a respeito do inadimplemento contratual.

Aduz, ainda, que a prova não foi distribuída aos demais alunos antes do retorno da autora à sala de aula, tendo ela realizado a mesma no mesmo tempo disponibilizado aos seus colegas, não tendo havido qualquer constrangimento ou humilhação. A parte ré apresentou impugnação ao valor da causa às fls. 61. Audiência de Conciliação realizada conforme assentada de fls. 63. Às fls. 65 foi proferida decisão saneadora, sendo indeferida a impugnação ao valor da causa e deferida a produção de prova documental e testemunhal. Audiência de Instrução de Julgamento realizada conforme assentada de fls. 71. Os autos vieram conclusos em 04.01.2006.

É O RELATÓRIO.

PASSO A DECIDIR.

Trata-se de ação indenizatória ajuizada em face da instituição de ensino da qual a autora era aluna, sob o fundamento da mesma ter sofrido dano moral em razão de ter sido impedida de realizar prova em virtude de encontrar-se inadimplente com o pagamento das mensalidades escolares, pelo que teria sido comunicada na frente de toda a turma que sua prova encontrar-se-ia retida na secretaria, pelo que deveria lá comparecer para resolver eventual problema existente.

Finda a instrução probatória restou devidamente comprovado pela prova oral colhida tal fato, ressaltando ser de conhecimento dos alunos do colégio a conduta costumeiramente adotada pelo réu no sentido de reter a prova dos alunos que se encontrem inadimplentes com o pagamento de suas mensalidades, tendo sido este o efetivo motivo da retenção da prova da autora, que somente foi entregue após a mesma comparecer à secretaria e resolver a questão.

Vale a pena trazer à colação trecho dos depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas conforme termos de fls. 78 e 80 dos autos, os quais seguem in verbis: ´ (…) que segundo boatos, a escola ré adota a prática de impedir que alunos inadimplentes realizassem as provas regularmente (..)´ (termo de depoimento da testemunha Rosemeri Rosa, acostado às fls. 78 ) ´(…) que tendo em vista a prática ocorrida anteriormente todos na turma já tinham conhecimento que a autora encontrava-se inadimplente com o pagamento de sua mensalidade (…)´ (termo de depoimento da testemunha Guilherme Felipe Basílio, acostado às fls. 80) Corroborando tal assertiva, os funcionários do réu que prestaram depoimento por ocasião da AIJ realizada confirmam ser rotineira a prática relativa à retenção da prova dos alunos que por ventura encontrem-se inadimplentes com o pagamento de suas mensalidades escolares. Portanto, em virtude da prática reiterada de tal conduta pela ora ré, inegável que o fato assim como ocorreu transpareceu a razão pela qual a autora estava sendo chamada a comparecer na Secretaria da escola, configurando-se o abuso de direito por parte da ré.

Tendo em conta que a cobrança de dívida deve ser realizada pelos meios próprios para tal fim, não podendo o credor utilizar-se de meios oblíquos, e ainda mais, expondo o devedor ao ridículo, pode-se afirmar que o meio escolhido pelo réu mostrou-se indevido, caracterizando-se a ocorrência do ato ilícito. Nesse diapasão, dispõe o art. 42 da Lei 8.078/90: ´Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.´ Importante também destacar a ilicitude da prática relativa à retenção de provas dos alunos inadimplentes tendo em vista o disposto no art. 6o, caput, da Lei nº 9870/99, que assim dispõe:

“São proibidas a suspensão de provas escolares, a retenção de documentos escolares ou a aplicação de quaisquer outras penalidades pedagógicas por motivo de inadimplemento, sujeitando-se o contratante, no que couber, às sanções legais e administrativas, compatíveis com o Código de Defesa do Consumidor, e com os arts. 177 e 1.092 do Código Civil Brasileiro, caso a inadimplência perdure por mais de noventa dias.´ Como é cediço, para a verificação da responsabilidade civil faz-se necessária a presença de determinados elementos, os quais estão evidentes neste caso, no qual a conduta praticada pela instituição de ensino, ora ré, não é o meio adequado para a obtenção do resultado pretendido, qual seja, a cobrança de mensalidades escolares não pagas, agravando-se pela habitualidade demonstrada através dos depoimentos dos outros alunos, os quais afirmam que a ré reiteradamente vinha praticando tal ato, bem como o dano daí decorrente, ao expor a autora à ridículo perante todos o demais alunos da escola, que inclusive foram forçados a esperar pelo retorno da mesma à sala de aula para darem início à avaliação, o que indubitavelmente a sujeitou a todo o tipo de comentários. Acerca do tema já se posicionou o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, como se demonstra através das ementas jurisprudenciais ora colacionadas: ´RESPONSABILIDADE CIVIL DE ESTABELECIMENTO DE ENSINO CONSTRANGIMENTO ILEGAL DANO MORAL. Responsabilidade Civil.

Dano Moral. Pretensão ao recebimento de indenização como compensação da dor sofrida pelo constrangimento ocorrido na sala de aula. Inconformismo da autora. Provimento, por maioria, do recurso. Voto vencido. Restando comprovado, nos autos, que a autora foi constrangida a sair da sala de aula, em dia de prova, juntamente com mais dois colegas de classe, sendo humilhada pelo suposto motivo da falta de pagamento das mensalidades, impõe-se o provimento do recurso, uma vez que, escancaradamente, restou caracterizado o DANO MORAL, a justificar o pedido de indenização para compensação da dor sofrida´. (TJRJ – Décima Quinta Câmara Cível – Rel. Des. Nilton Mondego – Apelação Cível 2003.001.32952 – Julgamento: 10/12/2003) ´APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR. INADIMPLÊNCIA. DANO MORAL CONFIGURADO.

RESTRIÇÕES DESARRAZOADAS. Imposição de restrições por conta de atraso no pagamento das mensalidades, criando embaraços na matrícula, não inclusão do nome do aluno na lista de chamada, falta de acesso a documentos para a regularização do seu contrato de crédito educativo junto à Caixa Econômica Federal, impedimento de fazer provas e inclusão do seu nome no cadastro de inadimplentes do SPC. A inclusão do nome de estudante de ensino superior no cadastro de inadimplentes do SPC pode ser considerada medida mais do que suficiente para penalizá-la pelo inadimplemento. O que não se aceita é o constrangimento produzido no momento da realização de prova, com a exclusão do seu nome da lista de presença, por revelar-se uma prática degradante e deveras ofensiva ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

RECURSO DESPROVIDO. (TJRJ – Sexta Câmara Cível – Rel. Des. Francisco De Assis Pessanha – Apelação Cível 2005.001.37554 – Julgamento: 14/02/2006) No que concerne ao arbitramento do dano moral, na busca em fixar um valor que seja suficiente para reparar o dano de forma mais completa possível, sem importar em enriquecimento sem causa por parte do ofendido, deve o quantum debeatur ser fixado de forma proporcional, moderada, razoável, compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado, a capacidade econômica do causador do dano e as condições sociais, dentre outras circunstâncias relevantes.

Portanto, levando em consideração, primordialmente, a reprovabilidade da conduta do réu, fixo o valor da indenização por danos morais em R$ 12.000,00 (doze mil reais). Isto posto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial, para condenar o réu ao pagamento de R$ 12.000,00 (doze mil reais), a título de indenização por danos morais. Tal verba deve ser monetariamente corrigida desde a publicação desta sentença no D.O. e acrescida de juros legais moratórios (1% ao mês) desde a data do fato lesivo (27.09.2005). Condeno o réu, ainda, ao pagamento de custas e despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. Renumerem-se os autos a partir de fls. 66. P. R. I.

Rio de Janeiro, 09 de janeiro de 2007.

JOÃO FELIPE NUNES FERREIRA MOURÃO

JUIZ DE DIREITO

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