Política de saúde

DF deve entregar remédio a paciente com esquizofrenia

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31 de janeiro de 2007, 23h02

Um paciente do Distrito Federal, que sofre de esquizofrenia, deve continuar a receber da Secretaria de Saúde toda a medicação necessária para o tratamento da doença. A decisão é da juíza Erika Souto Camargo, da 2ª Vara da Fazenda Pública do DF. Cabe recurso.

A primeira instância mandou o Distrito Federal manter a entrega de 30 comprimidos ao mês do remédio Zyprexa 10 mg ao paciente. Para a juíza, o Judiciário não pode ficar inerte, aguardando uma definição do Poder Legislativo ou do Executivo a respeito da implementação de políticas de saúde.

De acordo com o processo, o paciente não tem condições financeiras para continuar com o tratamento. O Distrito Federal, para se defender, alegou “ilegitimidade passiva”, além de assegurar que em momento algum se recusou a fornecer o medicamento.

A juíza considerou que, apesar do entendimento de que o Estado tem a obrigação de assegurar condições para o pleno exercício da saúde, fornecendo medicamentos para aqueles que não têm condições, é notória a dificuldade encontrada pelo Poder Público para cumprir as determinações judiciais referentes ao fornecimento de remédios.

Ela afirmou que cabe aos juízes analisar as pretensões, exigindo provas sobre o quadro de cada paciente que ingressar com a ação na Justiça, para assegurar que os remédios fornecidos pela rede pública cheguem, de fato, às mãos dos que realmente precisam.

Processo 2006.01.1.004393-2

Leia a sentença:

Circunscrição: 1 – BRASILIA

Processo: 2006.01.1.004393-2

Vara: 112 – SEGUNDA VARA DA FAZENDA PUBLICA DO DF

Poder Judiciário

Justiça do Distrito Federal e dos Territórios

Segunda Vara da Fazenda Pública

Requerente: Roberto Luís Mamede da Silva

Requerido: Distrito Federal

Autos n.º: 4.393-2/06

S e n t e n ç a

Vistos etc…

Trata-se de ação cominatória, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por Roberto Luís Mamede da Silva, devidamente qualificado na inicial, contra o Distrito Federal, objetivando o fornecimento dos medicamentos denominados ZYPREXA 10 mg, 30 comprimidos ao mês.

Em breve síntese, aduz o autor ser portador de transtorno psiquiátrico esquizofrênico, cujo tratamento deve ser associado ao uso do medicamento Zyprexa 10 mg, um comprimido ao dia, por período indeterminado. Sustenta que suas condições financeira não permitem a aquisição de tais medicamentos, razão pela qual pugna pela concessão da antecipação da tutela, a fim de que seja determinado ao réu que forneça a referida medicação.

Acompanharam a inicial os documentos de fls. 10/20.

Às fls. 35/37, foi proferida decisão interlocutória deferindo a tutela antecipada.

Regularmente citado, o réu apresentou contestação às fl. 44/49, alegando, preliminarmente, a ilegitimidade passiva do Distrito Federal. No mérito, argumenta que o réu, em momento algum, se recusou a fornecer o medicamento pretendido pelo autor. Pugna pela improcedência do pedido.

Réplica às fls. 64/67.

O Ministério Público ofertou parecer às fls. 74/80, manifestando-se pela procedência do pedido.

É o relatório.

Decido.

Inicialmente, no tocante a alegação de que o Distrito Federal não teria legitimidade para figurar no pólo passivo da presente lide, não procedem os argumentos expendidos. Com efeito, os artigos 23, II e 24, XII da Constituição Federal, bem como o art. 207, XIV da Lei Orgânica do Distrito Federal dispõem que a proteção à saúde compete à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Rejeito a preliminar.

No mérito, é cediço que os Tribunais pátrios vêm pacificando o entendimento de que a saúde é direito de todos, razão pela qual o Estado teria a obrigação de assegurar condições para o seu pleno exercício, fornecendo os medicamentos necessários àqueles que não possuem condições financeiras para adquiri-los.

Este Juízo, no entanto, não desconhece as dificuldades encontradas pelo Poder Público para fazer cumprir as determinações judiciais referentes ao fornecimento de medicamentos. Sabe-se que a pretensão de atender a todos os reclamos formulados nesse tipo de ação, além de ser irrealista, fere o princípio do acesso universal e igualitário à saúde. Saliente-se, ainda, que a inexistência de um controle rigoroso por parte do Judiciário e da Administração pode dar ensejo a virtuais excessos, conforme noticiado recentemente pela imprensa.

Dentro desse contexto, constata-se que o Poder Judiciário encontra-se diante de uma situação delicada, pois, se por um lado garante a um jurisdicionado o acesso aos tratamentos médicos necessários, por outro, interfere no orçamento destinado às políticas públicas, prejudicando, indiretamente, o restante da população.

Em que pesem as considerações acima, o Judiciário não pode se quedar inerte, aguardando uma definição do Poder Legislativo ou do Executivo a respeito da implementação de políticas de saúde. Cabe aos juízes, portanto, analisar com cautela a idoneidade das pretensões, exigindo-se provas robustas acerca do quadro clínico dos postulantes, de forma a assegurar que os medicamentos fornecidos gratuitamente pela rede pública cheguem, de fato, às mãos daqueles que realmente necessitem.

No caso estritamente analisado, observo que a enfermidade do autor, bem como a sua impossibilidade de arcar com os custos do tratamento médico encontram-se devidamente comprovadas nos autos. Deste modo, uma vez demonstrado que as autoridades públicas locais não se mostram inclinadas ao cumprimento de suas obrigações constitucionais e infraconstitucionais, devem ser forçadas a fazê-lo, por intermédio da via jurisdicional eleita pelo postulante.

PAUTAPor assim entender, ratifico a antecipação de tutela alhures deferida e julgo procedente o pedido, para condenar o réu a continuar fornecendo ao demandante, por prazo indeterminado, os seguintes medicamentos: ZYPREXA 10 mg, 30 comprimidos ao mês.

Sem custas, nos termos do Dec-Lei 500/69. Fixo os honorários advocatícios em favor do patrono do autora em R$ 600,00 (seiscentos reais), com fulcro no artigo 20, parágrafo 4º, do Código de Processo Civil.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

Após o trânsito em julgado, remetam-se ao arquivo com as cautelas de praxe.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília-DF, 29 de novembro de 2006.

Érika Souto Camargo

Juíza de Direito Substituta

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