Retrospectiva 2007

Em 2007, Advocacia sofreu com truculência do Estado

Autor

  • Cezar Britto

    é advogado do Cezar Britto & Advogados Associados ex-presidente e membro vitalício do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

30 de dezembro de 2007, 23h00

Este texto sobre Advocacia faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

A advocacia nutre-se das conquistas da cidadania, sendo pivô de muitas delas. No Brasil, os avanços são lentos e freqüentemente marcados por recuos, que impõem estado de permanente alerta. Em 2007, vivemos circunstâncias assim.

Foi um ano de muitas lutas, que colocaram em destaque três temas recorrentes e fundamentais para a advocacia: o Estado Democrático de Direito, ameaçado pela truculência invasiva do Estado Policial, a reforma política e a banalização dos cursos jurídicos, que ameaçam a já de si precária prestação jurisdicional em nosso país.

O Estado Policial mostrou-se presente em operações que desrespeitaram o constitucional direito de defesa, não coincidentemente obtendo mais efeito cênico que resultados concretos. Nada contra o combate à corrupção. Ao contrário, a luta contra a corrupção, sobretudo a do colarinho branco, mobiliza há décadas a sociedade brasileira — a advocacia em particular.

Essa luta, no entanto, não pode — nem essa, nem nenhuma outra — dar-se ao arrepio da Constituição Federal. Seria admitir que a lei é impotente para combater o crime, o que implicaria reconhecer a supremacia do mal. Por essa razão, a advocacia, por intermédio da OAB, condenou os métodos que desrespeitavam o direito de defesa, utilizados em diversas operações policiais, várias delas com a infeliz e plena concordância do Estado-juiz e do Estado-Ministério Público.

É uma luta tão séria e indispensável que não pode ser comprometida por métodos inadequados. Quando o é, o resultado é conhecido: os atingidos obtêm reparação judicial, transformando-se de réus em vítimas, e os prejuízos são repassados ao contribuinte. Esse, no entanto, é o prejuízo menor. O maior é a tentação de instalar no país um estado policial.

A banalização dos procedimentos de espionagem, regulados por lei e admissíveis em determinadas circunstâncias, é desserviço à democracia — e, por extensão, à cidadania. Grampos ambientais em escritórios de advocacia, violando o sigilo que, segundo a lei, deve presidir as relações do advogado com seus clientes, tornaram-se rotineiros. Idem a tentativa de obstar o acesso do advogado aos autos dos processos, em nome do sigilo das investigações. Não pode haver sigilo para quem é detido. É direito elementar de quem está preso saber as causas de sua detenção. O contrário disso é o estado policial, descrito com maestria nas páginas de O Processo, de Franz Kafka.

Outro ponto a se destacar tem relação com a reforma política. A advocacia compreendeu que política é vida, não se confundindo com politicagem. Exatamente por assim pensar a OAB e mais de 40 entidades fizeram encaminhar ao Congresso Nacional proposta visando o aperfeiçoamento da democracia participativa e a valorização de institutos que dignifiquem a democracia representativa. Encontrou barreiras em suas proposições, especialmente daqueles que pensam mais nas próximas eleições do que nas próximas gerações.

A frustração a se registrar é no campo político-institucional, em que a proposta de reforma política que encaminhamos ao Congresso não avançou. Mas a OAB nunca desanimou, por isso debateu e organizou manifestações em centenas de cidades brasileiras. No campo da valorização da política, ampliou-se o alcance da mobilização população no combate à corrupção eleitoral, estimulando e criando Comitês 9840 em diversos pontos do país.

Com relação aos cursos jurídicos, outra batalha antiga da advocacia brasileira, registre-se o engajamento do Ministério da Educação. Tivemos diversas reuniões de trabalho proveitosas com o ministro Fernando Haddad, em que pudemos expor as razões que sustentam essa peleja. A OAB não pleiteia fechamento de instituições de ensino. Quer, isto sim, que se qualifiquem para o cumprimento da missão. Caso contrário, continuarão a frustrar o sonho de ascensão social pelo saber de milhares e milhares de brasileiros.

Dentro dessa questão, alguns segmentos, tomando a conseqüência pela causa, puseram em discussão a legitimidade do Exame de Ordem. Querem, assim, esconder que os índices expressivos de reprovação indicam que a qualidade do ensino jurídico fornecido por parte das instituições de ensino superior é má. Prova disso é que as aprovações são maciças entre os formados pelas boas instituições, avaliadas pela OAB. Mas, em relação àquelas que há anos são denunciadas como desqualificadas, dá-se o inverso: reprovação em massa. A eventual supressão do Exame de Ordem, sugerida por alguns oportunistas, tão-somente estimularia os mercenários do ensino e pioraria substantivamente a qualidade da prestação jurisdicional no país.

Eliminar o Exame de Ordem em face do número de reprovações seria como quebrar o termômetro para curar a febre. O Exame, tal como o termômetro, apenas constata uma anomalia — e é ela que precisa ser tratada. No caso, a indústria do ensino de má qualidade.

O Exame de Ordem é uma defesa para a sociedade e tem merecido da parte da OAB o máximo empenho para aprimorá-lo e preservá-lo de eventuais irregularidades. Medida decisiva adotada este ano — e assimilada por quase todos os conselhos seccionais da OAB — é a profissionalização e unificação dos Exames de Ordem.

O ano de 2007, o primeiro do triênio da diretoria que presido na OAB, evidenciou que as lutas da cidadania não cessam e dependem, para que não haja recuos, de permanente vigilância. O aprimoramento democrático do país exige de nós esta permanente vigilância, e dela não nos descuidaremos em 2008.

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