Moral, Justiça e política

Operação Condor não pode romper paradigmas legais

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30 de dezembro de 2007, 8h29

[Editorial publicado no jornal Folha de S. Paulo deste sábado (29/12)]

Moral, jurisprudência e bom senso político parecem estar em conflito no complexo caso da Operação Condor. A Justiça italiana pede a extradição de 11 policiais e militares brasileiros (quatro deles já estão mortos), sob a acusação de envolvimento naquela rede clandestina de repressão a atividades subversivas durante os anos de regime autoritário.

Horacio Campiglia, cidadão italiano e argentino, estava no aeroporto do Galeão, no Rio, quando foi seqüestrado, em 1980. Foi visto tempos depois numa prisão argentina, antes de desaparecer. Lorenzo Viñas, também ítalo-argentino, conheceu o mesmo destino num ônibus que fazia o trajeto Buenos Aires-Porto Alegre.

Não foram os únicos a cair nas garras de um sistema de repressão que, desde 1975, inspirava entendimentos entre organismos brasileiros e seus equivalentes em outros regimes militares da América do Sul.

Que não se ignore a vileza dos envolvidos na Operação Condor: os nomes dos responsáveis por ela devem ser conhecidos pelas gerações futuras. Que o intuito punitivo que despertam, contudo, não ultrapasse o limite da lei.

A Constituição proíbe a extradição de cidadãos brasileiros, e a vontade da Justiça da Itália é irrelevante, por questão de soberania, diante do que dispõe a Carta do Brasil. Além disso, estão prescritos os crimes de que os ex-agentes das forças de segurança são acusados. Do ponto de vista legal, pois, parece impossível levar alguém a julgamento.

Do ponto de vista político, as atitudes dos países envolvidos divergem. O Brasil, até porque a repressão resultou em menos assassinatos e desaparecimentos do que na Argentina, no Chile ou no Uruguai, tende a ver esse capítulo como página virada. A Lei da Anistia funcionou — e ainda funciona — aqui como instrumento de conciliação nacional.

Ponderados os ganhos e as perdas para o sistema democrático, percebeu-se que haveria avanço ao ignorar as responsabilidades individuais de quem tenha cometido crimes por motivação política no período. Foi um preço a pagar, como acontece em toda negociação desse gênero.

As vítimas do regime, vale lembrar, não poderiam considerar-se, na maioria dos casos, militantes da democracia. Alguns mataram inocentes em nome de um ideal que, quando realizado, nenhum respeito aos direitos humanos manifestou.

Condenar moralmente os envolvidos na Operação Condor, e conhecer seus abjetos pormenores, é iniciativa relevante do ponto de vista da educação democrática do continente. Mas, também nos interesses do sistema democrático brasileiro, seria erro grave romper o pacto político fundado na Lei da Anistia e ignorar a legislação sobre extradição e prescrição de crimes.

Sem complacência, mas com serenidade: é desse modo que cabe encarar o problema. O domínio da lei é o que diferencia as democracias das ditaduras.

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