Acesso à Justiça

Crise nas prisões está ligada a deficiências da Defensoria

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29 de dezembro de 2007, 23h01

A estrutura pública que permite o acesso à Justiça para a população carente apresenta inúmeras deficiências no país. O debate freqüente está relacionado com polêmicas que superam a própria situação carcerária caótica.

A abordagem está na crítica de profissionais do ramo e representantes de entidades jurídicas, que se pronunciaram também, durante os casos recentes, que se tornaram públicos em todo o país ao revelar mulheres presas com homens ou menores em cadeias comuns, em cidades do Pará e Pernambuco, ou presos acorrentados no pátio da delegacia, em Santa Catarina .

Para o presidente da OAB Cezar Britto, o papel das Defensorias Públicas no país é determinante para a discussão do assunto. Segundo Britto, o debate atual, pela grave situação revelada, é assunto que, pela sua recorrência no cenário nacional, mostra a falência total do sistema penitenciário brasileiro. E isso só acontece pela dificuldade de acesso à Justiça que a camada mais necessitada da sociedade enfrenta.

O preceito constitucional determina que a Justiça é um bem essencial de todos. Advém desse fundamento a criação das Defensorias Públicas., mais precisamente do artigo 5°, inciso LXXIV, da Constituição de 1988. O trecho da Lei diz: “o estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.

Já no artigo 134, a Constituição prega que “a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados”. “Os governantes, no entanto, não entendem isso”, diz Britto.

As deficiências do trabalho das Defensorias Públicas no Brasil passam por problemas estruturais das entidades e dos profissionais. Para o presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos da União, Hanan Tabosa Córdova a categoria discute e briga por melhorias. Córdova lembra que a Proposta de Emenda Constitucional 487/2005, que tramita no Congresso Nacional, propõe que as defensorias federais estejam no mesmo patamar do Ministério Público, reconhecendo implicitamente a situação de abandono da instituição dentro do sistema de Justiça.

Outro Projeto de Lei Complementar, o PLP 28/07, de iniciativa do Executivo, que reorganiza as defensorias públicas da União e dos estados, tramita na Câmara. O projeto altera a Lei Complementar 80/94 e traz como propostas ampliação das funções institucionais; regulamenta a autonomia funcional, administrativa e orçamentária.

O projeto propõe que as Defensorias possam impetrar Habeas Corpus, Mandado de Injunção, Habeas Data e Mandados de Segurança, individuais ou coletivos, ou qualquer outra ação em defesa de seus órgãos de execução. Prevê, ainda, a ampliação de seu público, podendo atuar em defesa de idosos, deficientes, mulheres vítimas de violência doméstica e familiar, e outros grupos sociais necessitados.

Segundo o presidente da ANDPU, os 200 profissionais da Defensoria Pública Federal são absolutamente insuficientes para desempenhar a missão que lhes é confiada. Como exemplo, conta que o estado de Tocantins conta com apenas um defensor público da União. Além de poucos, são mal pagos, acredita Córdova: “A visão do governo ainda é a de pagar mal os defensores. Lutamos para mudar a situação da estrutura das defensorias”, diz.

Bom exemplo

Para o presidente da ANDPU, o Rio de Janeiro dá bom exemplo de Defensoria Pública. A diferença começa pelo número de defensores. O rio conta com 700 defensores públicos estaduais. “O Rio de Janeiro não tem rebelião como em São Paulo, e isto se deve, em grande parte, ao trabalho dos defensores naquele estado”, afirma. Para Córdova o trabalho de acompanhamento e controle das penas dos presos ajuda no funcionamento do sistema carcerário.

Mau exemplo

Em Santa Catarina não há Defensoria Pública nos moldes da Constituição. Essa realidade fez com que surgisse um movimento no estado, que teve início em 2005, mas ganhou força no final de 2006. O movimento Defensoria Pública Direito Sonegado foi criado a partir de uma pesquisa de mestrado da professa Maria Aparecida Lucca Caovilla, da faculdade de Direito da Universidade Regional de Chapecó.

A professora constatou que o estado não previa em lei a existência da Defensoria Pública. Muito pelo contrário. A Lei Complementar 155, de 15 de abril de 1997, do estado, estabelece que a Defensoria Pública seja substituída pelas defensorias dativas, organizadas pela seccional estadual da OAB, a partir de listas de advogados dispostos à prestação de serviços jurídicos gratuitos.

Segundo a professora, as defensorias dativas se limitam ao atendimento jurídico de casos, o que é diferente da assistência jurídica integral prevista na Constituição Federal. “O aceso à Justiça é mais amplo do que aceso ao poder judiciário. Há o papel da informação, da educação, de esclarecimento ao cidadão dos seus direitos”, afirma a professora.

Os organizadores do movimento pela criação da Defensoria Pública em Santa Catarina querem amplia-la para toda sociedade e já criou um site em que expõe suas razões e recebe adesões:

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