Retrospectiva 2007

O ano em que advogados trabalhistas ficaram em dúvida

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22 de dezembro de 2007, 23h01

Este texto sobre Direito do Trabalho faz parte da Retrospectiva 2007, série de artigos em que são analisados os principais fatos e eventos nas diferentes áreas do direito e esferas da Justiça ocorridos no ano que termina.

O ano de 2007, para a advocacia trabalhista, poderia, talvez, ser batizado como “o ano no qual ficamos em dúvida”. Com efeito, o advento da Emenda Constitucional 45 continuou a gerar intensa polêmica jurisprudencial, produzindo embriagadora dosagem de insegurança jurídica. Grande número de questões regidas pelo Direito Civil, mas oriundas da relação de trabalho, foram transferidas para a competência de um tronco do Poder Jurisdicional especializado em resolver questões regidas pelo Direito do Trabalho.

A migração desta massa crítica de novos desafios deixa os operadores do Direito num campo minado porque ainda não há consolidação jurisprudencial sobre muitos itens. Tais como a prescrição das ações em que a pretensão é fundada no Direito Civil ou das ações que já corriam na Justiça Civil e foram transferidas para o território trabalhista, a determinação da competência, a inversão do ônus da prova em ações de indenização por acidente do trabalho. Por outro lado, poucas vezes, num mesmo ano, tantos novos ministros foram nomeados para o Tribunal Superior do Trabalho. Apesar do discurso que é próprio da magistratura, em prol da estabilidade da jurisprudência (“stare decisis”), inevitavelmente, novas maiorias vão se formar, gradativamente, em relação a temas antes consolidados.

No território das normas, os grandes deslocamentos que vem mudando a face da Justiça do Trabalho são oriundos, principalmente, de paisagens vizinhas: o processo eletrônico e a assim chamada Nova Execução. A introdução do uso da internet para dar acesso às informações sobre os processos, a substituição do Diário Oficial em papel pelo Diário Eletrônico, o acesso a sentenças e acórdãos, o peticionamento, tudo através da rede, são novas realidades extremamente extraordinárias.

O gargalo continua a ser a falta de pessoal porque não basta dispor de um grande parque de informática. É preciso o ser humano para alimentar o sistema com informações e operar seus mecanismos. Assim, muitos órgãos não utilizam adequadamente o sistema justamente pela falta de servidores. Noutros pontos, o entusiasmo gerado pelo êxito tem criado problemas. A vertigem do êxito levou o TRT da 8ª Região a tentar impor a obrigatoriedade do peticionamento eletrônico, impondo à Associação dos Advogados Trabalhistas do Pará que recorresse ao Mandado de Segurança. A modernidade tem de ser implantada gradativamente, na medida das possibilidades concretas da sociedade em cada região.

Como é sobejamente sabido, a execução é o grande gargalo do Judiciário Trabalhista, razão pela qual as grandes novidades sobre este tema, vindas no campo do Processo Civil, poderiam exercer grande influência para cortar este nó que amarra as execuções trabalhistas. Novidades como a possibilidade de citar o devedor para a execução através do advogado, as multas por não pagar espontaneamente ou por não apresentar bens à penhora, etc., vem sendo aplicadas por alguns juízes, negadas por outros e, muitas vezes, cassadas pelos TRTs.

O artigo 475-0, parágrafo 2º, inciso II, por exemplo, poderia dar fim a dezenas de milhares de agravos de instrumento procrastinatórios interpostos contra decisões que indeferiram recurso de revista em execução. Com efeito, aquele dispositivo permite o levantamento do depósito pelo credor, sem caução, quando o recurso pendente é agravo de instrumento para o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça. Infelizmente, não se fala no TST, mas, por analogia, o dispositivo poderia ser utilizado. Também neste território, a dúvida é a senhora de todos os domínios, já que campeia intensa polêmica sobre a aplicabilidade destes dispositivos.

A esta altura, o leitor nos perguntaria, ansioso: e o Direito do Trabalho? Neste campo, propriamente dito, poucas são as novidades. O governo implantou através de medida provisória o acordo por ele mediado entre o Comércio e os Comerciários a respeito do trabalho nos domingos, sendo que o Congresso aprovou o respectivo projeto de conversão, tudo chegando ao final feliz da Lei 11.603 de dezembro. A Lei 11.496 de 22 de junho, extinguiu os embargos no TST fundamentados em violação da lei e transportou os embargos (infringentes) previstos na lei 7701/88 para uma nova alínea a do artigo 894 da CLT. A lei 11.495, também de 22 de junho, introduziu a exigência de depósito prévio de 20% do valor da causa em caso de ação rescisória. Em boa hora porque a falta de tal exigência levou a um paroxismo na utilização desta ação, transformada (na prática) num novo e último recurso eminentemente procrastinatório.

Finalmente, vale mencionar o perverso instituto da transcendência tão repudiado pelos advogados porque cria um requisito subjetivo para admissibilidade do recurso de revista (artigo 896-A da CLT). Apesar de instituída em 2001, esta ameaça estava em suspenso há longos anos, adormecida no aguardo do julgamento da ADI 2.527 movida pela OAB. Entra no cenário de 2007 porque no dia 23 de novembro foi publicada decisão do STF que negou a medida cautelar pretendida contra o referido instituto. Agora, a serpente ameaça deixar seu ninho e é bem provável que esta decisão do Supremo produza mais um estrepitoso embate sobre o instituto da “transcendência” no ano próximo.

A advocacia contém a arte de navegar neste tecido complexo de interpretações contraditórias, de dúvidas implacáveis e redemoinhos de polêmica. O ano de 2007 premiou os advogados com uma enorme conjugação de temas novos que, com certeza, produziram grandes alegrias e grandes dissabores. Esperemos que do turbilhão de insegurança jurídica assim retratado cada um de nós tenha recebido uma parcela maior de alegria do que de frustração.

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