Crimes trocados

Improbidade não é crime, mas ilícito civil, diz juíza

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21 de dezembro de 2007, 23h01

Não se pode dizer que quem responde por improbidade administrativa cometeu crime. O entendimento é da juíza Ana Carolina Vaz Pacheco de Castro, da 5ª Vara Cível de Pinheiros, em São Paulo, que condenou a Editora Abril e o jornalista Diego Escosteguy a pagar R$ 20 mil de indenização por danos morais ao ex-deputado federal Luiz Antônio Fleury. O jornalista é autor da reportagem Museu Vivo do Código Penal, publicada pela em 12 de junho de 2006 pela revista Veja, da Abril.

A reportagem afirma que “22% dos parlamentares estão sob suspeita de ter cometido algum crime, numa lista que incluiu seqüestro, extorsão, estelionato”, entre outros crimes. A foto de Fleury apareceu em um quadro que ilustrava o texto, ao lado de outros deputados. Na ação de indenização, Fleury alegou que improbidade administrativa não é crime, mas ato ilícito civil e o fato de ser apontado como criminoso, garante o pagamento de indenização por danos morais.

Já a defesa da Editora Abril e do jornalista, os advogados Lourival J. Santos e Alexandre Fidalgo, alegou que a Veja e Diego Escosteguy apenas exerceram o direito constitucional de informar e ofereceram para os leitores informação de interesse público, para mostrar quem eram os candidatos, à época, que foram investigados por eventual ilegalidade cometida. Outro argumento foi de que o texto se pautou pelo animus narrandi e criticandi e que a improbidade administrativa é tida pelos doutrinadores e juristas como matéria criminal.

A juíza Ana Carolina reconheceu que a reportagem se pautou no interesse público, mas ponderou que “embora a liberdade de imprensa esteja elevada à categoria de princípio constitucional, não se pode esquecer que por igual vigora outro princípio, da mesma hierarquia, que garante a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem do indivíduo”.

Segundo a juíza, Fleury assumiu que responde ação por improbidade administrativa no Supremo Tribunal Federal, mas foi apontado pela reportagem como autor de um crime, já que o próprio título da reportagem fez referência ao Código Penal e que este fato pode sim gerar indenização por danos morais. A juíza acolheu a tese. Para ela, revista e jornalista não observaram os deveres de cuidado e veracidade.

Ana Carolina explicou que a Constituição Federal afasta qualquer possibilidade de se considerar como infrações penais os atos previstos na Lei de Improbidade. É que o próprio artigo 37, parágrafo 4º, da Constituição, ao estabelecer como sanções a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos seus bens e a obrigação de ressarcir o erário quando houver dano, ressalva que a ação por improbidade administrativa não impede o ajuizamento de Ação Penal.

“Há, portanto, evidente separação de responsabilidades, permitindo-se que um mesmo agente, por um mesmo fato, receba punição na seara da lei de improbidade e na lei penal. Daí torna-se indevida e ilícita a inserção do autor no rol dos parlamentares que estavam sendo investigados”, disse a juíza. De acordo com ela, “muito embora não se possa negar a extrema gravidade do ato de improbidade administrativa, não há como qualificá-lo como criminoso à luz do Código Penal, como fez a matéria ora questionada, inadvertidamente, diga-se de passagem, ainda mais porque não há provas nos autos de que o autor responda a algum processo criminal ou possua qualquer condenação criminal”.

“Não há dúvidas de que é desonrosa a ligação do autor ao Código Penal e aos crimes nele previstos. Em conseqüência, devem os réus responderem pelos danos causados ao autor, sendo irrelevante que não tenham tido o intuito de ofender a honra, porquanto não se observaram os deveres de cuidado e de veracidade”, concluiu.

Procurada pela reportagem da Consultor Jurídico, a defesa da Editora Abril e do jornalista informou que vai recorrer da decisão.

Leia a sentença

Processo nº. 011.06.121.414-3 (CTR 2285/06) VISTOS. Trata-se de ação de indenização por danos morais pelo rito ordinário proposta por LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO contra EDITORA ABRIL S/A. e DIEGO ESCOSTEGUY, que tem por objeto a edição 1964 da revista VEJA, de 12 de julho de 2006, que apresenta reportagem assinada pelo co-réu intitulada “MUSEU VIVO DO CÓDIGO PENAL”, com sub-título destacando “ACREDITE: 22% DOS PARLAMENTARES ESTÃO SOB SUSPEITA DE TER COMETIDO ALGUM CRIME – NUMA LISTA QUE INCLUI SEQUESTRO, EXTORSÃO, ESTELIONATO…”.

Alega-se que embora o texto não mencione o nome do autor de forma expressa, ele está indissociavelmente ligado às fotos e suas legendas, as quais contêm os nomes dos parlamentares e os “crimes” por eles praticados e são altamente ofensivas ao autor. Isso porque, colocou-se uma eventual prática de ilícito civil atribuída ao autor no mesmo balaio em que mergulhou suspeitos por seqüestro, extorsão, estelionato, etc. Aduz-se que a mesma reportagem foi inserida em VEJA ON-LINE, a qual permite acesso até a presente data, prolongando-se no tempo o seu ofensivo efeito.


Ao final, requer o autor indenização por dano moral, por ter sido ofendido em sua honra, dignidade, caráter, bom nome e reputação, em valor a ser arbitrado pelo Juízo.

Citados, os réus apresentaram contestação, sustentando a improcedência da ação, ao argumento de que não se cometeu nenhum ilícito na divulgação da matéria jornalística em debate, agindo legitimamente no exercício do direito-dever de informar, assim oferecendo aos cidadãos informação verdadeira e de interesse público; que tal matéria tinha como objetivo informar aos leitores sobre Deputados e Senadores candidatos à reeleição que estão sendo ou foram “investigados pelo Ministério Público” por eventual ilegalidade cometida; que a matéria impugnada não cometeu ofensa ou inverdade, tampouco possui conteúdo ofensivo à honra do autor; que o autor não nega a existência de ação de improbidade administrativa contra si e reconhece que não há nenhuma menção ao seu nome no corpo da reportagem; que a matéria se pautou pelo animus narrandi e criticandi; que a improbidade administrativa é tida pelos doutrinadores e juristas como matéria criminal; que o autor não sofreu danos morais em decorrência da reportagem publicada e que eventual indenização deve ser fixada considerando os critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

Registre-se réplica. Instadas a especificar provas a serem produzidas, as partes pugnaram pelo julgamento antecipado da lide, independentemente de outras provas.

É o breve relatório.

F U N D A M E N T O E D E C I D O.

Com efeito, a ação comporta julgamento antecipado, na forma do artigo 330, inciso I do Código de Processo Civil, por versar apenas matéria de direito, satisfatoriamente elucidada pela prova literal já produzida. De prêmio, deixo de designar audiência de tentativa de conciliação, conforme permite o artigo 331, parágrafo 3º do Código de Processo Civil, ante o expresso desinteresse manifestado pelos réus. Não havendo preliminares a apreciar, passo direito à análise do mérito e, neste particular, a ação é procedente.

É sabido e ressabido que a responsabilidade civil da empresa jornalística é subjetiva, na medida em que depende da apuração do ato ilícito, do nexo de causalidade entre a conduta e o dano que se busca reparar, tal como se requer nas ações de índoles indenitárias do campo privado. Assim, a responsabilidade derivada da Lei de Imprensa não é objetiva, razão pela qual exige-se para o surgimento do dever de indenizar a prova robusta da conduta ilícita, do dano e do nexo causal, como sendo os três pressupostos essenciais da responsabilidade civil.

Nesse sentido, já se decidiu: “Responsabilidade civil – Exercício da liberdade de manifestação de pensamento e informação – Dano moral resultante de informação veiculada – Falta de prova de dolo ou culpa – Ação de indenização improcedente – Aplicação do artigo 49 da lei nº 5.250/67. O dano moral, reparável pelo exercício da liberdade de informação, tem fundamento na violação de direito ou no prejuízo mediante dolo ou culpa.”

“Indenização – Danos morais – (…) Havendo os pressupostos da responsabilidade civil, ou seja, culpa, o nexo de causalidade e o dano, exsurge clara a obrigação de indenizar que nada mais é do que a conseqüência jurídica do ato ilícito.”

“Dano moral – Indenização – Autor da pretensão que não conseguiu demonstrar que aquele que manifestou livremente o pensamento prestou declarações falsas e com a intenção de ofender a sua honra e denegrir a sua imagem – Verba indevida – Inteligência do art. 5, X, da CF.”

Desta forma, para a caracterização da responsabilidade civil dos meios de comunicação, e consequentemente do dever de indenizar, deve-se ter sempre presente – e esta prova, como visto, incumbe a quem alega (CPC, art. 333, I) – (i) uma ação ou omissão voluntária (dolo), ou decorrente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa); (ii) um dano injusto causado a outrem; e (iii) um nexo de causalidade que enlace o resultado danoso à ação deflagrada, constituindo-se, dessa forma, no vínculo que une o resultado à ação. A questão posta em julgamento nesta demanda envolve, de forma evidente, a colisão de dois direitos consagrados pelo texto constitucional pátrio, quais sejam, os direitos de personalidade e a liberdade de imprensa.

Sabe-se que “é assegurado a todos o acesso à informação” (art. 5º, XIV, CF) e que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social” (art. 220, § 1º, CF). Do texto constitucional vigente extrai-se também “ser livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura” (art. 5º, IX). Como conciliar, então, essa amplitude ao direito à informação, com a restrição imposta no inciso X do mesmo artigo 5º da Constituição Federal, no qual ficou garantido serem “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”?


Seria o caso, assim, de existir uma inescapável antinomia entre estes textos constitucionais, ou, mais precisamente, haveria inevitável tensão pela colidência entre estes dois princípios? ELÁDIO TORRET ROCHA citando TEORI ZAVASCHI, calcados nas lições de DWORKIN e ROBERT ALEXY, oferece a solução para a hipótese de ser impossível a coexistência, em dada hipótese, de dois princípios constitucionais, dizendo que cumpre ao aplicador do direito percorrer este caminho. Confira-se:

“1. Identificam-se, em razão de um determinado fato da vida, os princípios, não no plano abstrato, mas no caso concreto (o aludido magistrado sugere, inclusive, como exemplo para a hipótese, por coincidência, o princípio da liberdade de imprensa versus o do direito à privacidade); 2. mediante o que se chama de ‘regra de conformação ou de concordância entre princípios colidentes’, manda solucionar a questão, ponderando-se os valores em conflito a fim de identificar o que deve prevalecer no caso examinado; e 3. como conseqüência, salienta a restrição ou limitação de um ou de ambos os princípios, mas não elimina nem exclui qualquer deles do sistema jurídico enfocado.”

Com esteio nas lições de ROBERT ALEXY, o ilustre autor catarinense prossegue: “Ocorrendo a colisão entre dois princípios, dá-se valor decisório ao princípio que, no caso, tenha um peso relativamente maior, sem que por isso fique invalidado o princípio com peso relativamente menor.”

A propósito, ANTÔNIO CHAVES afirma que: “Nem sempre é fácil determinar se o direito da coletividade à informação deve prevalecer ou se o indivíduo tem também uma esfera que o público, consequentemente a imprensa, deve respeitar.” E arremata: “Assim, o direito de informação deve ser o mais amplo possível enquanto não conflitar com interesses considerados maiores. O interesse da coletividade em ser informada impõe a si mesma um limite, quando a divulgação de fatos venham a destruir a pessoa humana em sua dignidade e grandeza. O direito à informação existe em função do desenvolvimento da personalidade e não para a sua destruição.”

Dito isto, força é convir que, embora a liberdade de imprensa esteja elevada à categoria de princípio constitucional, não se pode esquecer que, pari passu a esta garantia, por igual vigora outro princípio, da mesma hierarquia, que garante a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem do indivíduo. Desta forma, apresentam-se como limites da liberdade de imprensa os direitos da personalidade, apenas como forma de salvaguardar outros interesses do Estado Democrático de Direito. Isso não significa censura em desfavor da imprensa livre, mas prova que a liberdade de imprensa é ampla, porém, não absoluta ou ilimitada.

Nesse sentido, é preciso consignar o ensinamento do saudoso FREITAS NOBRE: “A liberdade ilimitada, distanciada do interesse social e do bem comum não é conciliável no mundo contemporâneo, porque se o pensamento é inviolável e livre, a sua exteriorização deve ser limitada pelo interesse coletivo, condicionado seu exercício ao destino do patrimônio moral da sociedade, do Estado e dos próprios indivíduos.”

E recordando os ensinamentos de CHASSAN, há que se registrar que a liberdade ilimitada da palavra e da imprensa é uma absurdidade que não pode existir na legislação de nenhum povo civilizado. Isto posto, a liberdade de imprensa deve ser exercida de forma livre, mas com responsabilidade e ética. Para tanto, deve haver o respeito a uma linha limítrofe entre os dois valores jurídicos contrapostos: o de informar e criticar de um lado e, de outro, o de resguardar a intimidade, a honra, vida privada e imagem.

CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY bem observa: “Se são direitos de igual dignidade e se para solução de seu conflito não há recurso possível” aos critérios “que tomam por base a hierarquia, cronologia ou especialidade dos dispositivos que o contemplam”, impõe recorrer ao critério eqüitativo, “juízo de ponderação que se faz entre a honra, privacidade, imagem da pessoa, de um lado, e a liberdade de expressão e comunicação, de outro.”

Quer dizer: em se tratando de conflito real entre normas constitucionais, de igual hierarquia, a relação de precedência na hipótese concreta será estabelecida a partir de um juízo de ponderação, sopesando os princípios, valores e interesses envolvidos. Frise-se:

“Assim pode-se afirmar, e a conclusão é natural, que o conteúdo essencial do direito fundamental à intimidade será sempre relativo, quando contraposto ao direito à informação, já que a tarefa de ponderação deve levar em conta que os bens jurídicos constitucionais encontram-se mútua e reciprocamente condicionados, visto que o seu ‘conteúdo essencial’ não tem dimensão abstrata, independente dos critérios hermenêuticos, do juízo valorativo do intérprete, nem está apto a significar uma medida determinada em si mesma, separada da totalidade da Constituição.”


Daí porque, sendo direitos de mesma hierarquia constitucional, a solução para esse aparente conflito está mesmo na hipótese concreta estabelecida a partir de um juízo de ponderação, sopesando os princípios, valores e interesses envolvidos. No entanto, levando sempre em conta os direitos da personalidade, a imprensa, como meio de comunicação que é, cumprindo seu dever constitucional de bem informar, deve sempre atuar, divulgando os fatos que envolvem, de alguma forma, a sociedade, procurando evidenciar notícias necessárias ao conhecimento de todos os cidadãos, mormente quando há evidente interesse público.

Sobre interesse público, GILBERTO HADDAD JABBUR esclarece que: “Só há interesse público genuíno quando a informação, pressupondo a verdade de seu conteúdo, é necessária, ou relevante à sociedade, útil, qualidade que indica o efetivo proveito profissional, político, cultural, artístico, científico, desportivo, ou para o lazer sadio da informação. Deve, além disso, ser veiculada de maneira adequada, sinônimo de harmonização entre a natureza e o conteúdo da informação e o local, espaço, amplitude e destaque que a ela se pretende destinar.”

Não se pode negar que o interesse público existe quando há interesse da comunidade acerca do conjunto dos valores que lhe são mais caros. É, pois, inquestionável o interesse público da matéria em questão. Não há dúvidas de que há interesse da sociedade em conhecer os Deputados e Senadores candidatos à reeleição no último pleito que estão sendo ou foram investigados pelo Ministério Público pela prática de crimes, de sorte que os eleitores poderiam melhor avaliar quem mereceria seu voto. Aliás, a sociedade tem o direito constitucional de conhecer fatos de relevância social (artigo 5º, inciso XIV da Constituição Federal). Em razão disso, a imprensa tem não só o direito, mas também o dever de prestar este tipo de informação de interesse público, não se esperando outro comportamento dos meios de comunicação responsáveis e comprometidos com o seu papel social.

Sobre a atividade da imprensa, vale trazer à baila os ensinamentos de BRUNO MIRANGEM, especialmente sobre a observância de deveres específicos, que constituem limitações objetivas ao seu exercício, dentre eles o dever geral de cuidado, o dever de veracidade e o dever de pertinência. O dever de cuidado impõe o exame de todas as versões e abstenção em promover juízos de valor antecipados, em conseqüência do dever de não lesar, demonstrando uma preocupação com a solidez da versão.

Já o dever de veracidade decorre da idéia de que informar é divulgar fatos, estendendo-se à liberdade de crítica e à liberdade de pensamento, na medida em que seu exercício deve estar apoiado em informações verazes para garantir sua legalidade, porquanto não se tutela a mentira. Por fim, o dever de pertinência refere-se à adequação lógica entre os fatos e a crítica, assegurando que a manifestação do pensamento com a finalidade de causar impressão ao destinatário da mensagem esteja pautada em substrato real.

No caso em tela, além do interesse público já reconhecido quanto ao objeto da matéria veiculada, é preciso reconhecer também que verídica a informação de que o autor responde a um processo por improbidade administrativa, tramitando pelo Supremo Tribunal Federal, o que não foi por ele negado em momento algum. Nesse passo, a veiculação da informação de que o autor responde a um processo por improbidade administrativa não pode ser considerada indevida, mas ao contrário, por interessar à sociedade como um todo, está inserida no dever de informar próprio da atividade da imprensa.

No entanto, é preciso ter em vista que além de o título da reportagem fazer expressa referência ao Código Penal, legislação esta que traz em seu bojo a tipificação de crimes para os quais são previstas sanções penais, o sub-título da matéria deixa claro que o seu objetivo é trazer à tona os parlamentares suspeitos de terem cometidos crimes. Muito embora não haja destaque para o nome do autor e o texto da reportagem não cite o seu nome, é fato que dentre os 94 parlamentares relacionados, encontra-se o autor, identificado por uma fotografia, a quem foi atribuído o cometimento do ilícito denominado improbidade administrativa, conceituado como sendo o crime que o agente público comete quando desvia verba pública, fraude licitação ou usa o cargo em benefício próprio ou de outrem.

Daí se infere que o autor foi colocado no rol daqueles que integravam à época o Museu vivo do Código Penal, entendendo os réus, como enfatizaram em sua defesa, que a improbidade administrativa é tida pelos doutrinadores e juristas como matéria criminal. Com efeito, a palavra improbidade é derivada do latim improbitate e significa falta de probidade, desonestidade. Seria esforço em vão a busca de um conceito preciso para a improbidade administrativa, porém, em singelas palavras, é possível afirmar que se trata do desvirtuamento do exercício de uma função pública que traz em seu conteúdo uma carga relevante de má-fé.


Os agentes que realizam qualquer atividade considerada como de interesse público não o fazem em seu próprio benefício, mas, sim, em benefício de toda a coletividade que representam. O interesse perseguido pelo agente público, pois, não pode se afastar do interesse comum de todos os administrados. Neste diapasão, a preocupação do legislador, notadamente, o constituinte, foi a de proteger os interesses dos cidadãos em face de agentes públicos que, desviando-se do interesse público, passam a perseguir interesses meramente pessoais ou de terceiros. Em que pese o desrespeito à lei por parte do cidadão constituir conduta de todo reprovável, quando se trata de desrespeito à lei por parte do agente público a conduta assume maior proporção, pois este é o verdadeiro guardião dos interesses da coletividade.

É certo, ainda, que os administrados tem para si o direito subjetivo a uma administração honesta, eficiente e acordada para os problemas resultantes do dinamismo da evolução sócio-cultural. Não por outro motivo o estabelecimento de uma série de princípios e disposições atinentes às atividades da administração e, por conseqüência, as respectivas sanções pelo não atendimento daquele direito subjetivo mencionado em favor do administrado. A Lei de Improbidade Administrativa classificou em três dos seus artigos os atos praticados por agentes públicos que são passíveis de responsabilidade. Todavia, não o fez de forma compartimentada, vale dizer, é possível, e não são poucas as vezes, em que uma mesma conduta se enquadra nos três artigos.

A divisão legal está sistematizada da seguinte forma: atos que importam enriquecimento ilícito do agente (artigo 9º), atos que são lesivos ao erário público e que importam enriquecimento ilícito de terceiro (artigo 10º) e atos que atentam contra os princípios da administração pública, ainda que não causem lesão ao erário ou não importem enriquecimento ilícito do agente (artigo 11º).

Feitas estas considerações preliminares e necessárias, e agora adentrando à questão que mais interessa ao deslinde da controvérsia, é mister consignar que a Constituição Federal afasta às escancaras qualquer possibilidade de se considerar como infrações penais os atos previstos na Lei de Improbidade. É que o próprio artigo 37, parágrafo 4º, ao estabelecer como sanções a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos seus bens e a obrigação de ressarcir o erário quando houver dano, ressalva que a ação por improbidade administrativa não elide a ação penal que for cabível àquela hipótese concreta.

Há, portanto, evidente separação de responsabilidades, permitindo-se que um mesmo agente, por um mesmo fato, receba punição na seara da lei de improbidade e na lei penal. Tal situação afasta o caráter penal das sanções por improbidade administrativa, que têm nítido caráter político, civil e administrativo. Daí se concluir que não configurando necessariamente um crime o ato de improbidade administrativa, posto que por este o agente não receberá sanção penal, torna-se indevida e ilícita a inserção do autor no rol dos parlamentares que estavam sendo investigados pelo Ministério Público pela prática de crimes e, assim, integravam o Museu vivo do Código Penal.

Muito embora não se possa negar a extrema gravidade do ato de improbidade administrativa pelo qual responde o autor, uma vez que o desrespeito à lei por parte do agente público assume maior proporção e merece maior repugnância, não há como qualificá-lo como criminoso à luz do Código Penal, como fez a matéria ora questionada, inadvertidamente, diga-se de passagem, ainda mais porque não há provas nos autos de que o autor responda a algum processo criminal ou possua qualquer condenação criminal. A par do ilícito pelo qual é processado, não há dúvidas de que é desonrosa a ligação do autor ao Código Penal e aos crimes nele previstos.

Em conseqüência, devem os réus responderem pelos danos causados ao autor, sendo irrelevante que não tenham tido o intuito de ofender a honra, porquanto não se observaram os deveres de cuidado e de veracidade. É sabido e ressabido que a doutrina pátria e a posição torrencial de nossos Pretórios funda-se, em linha de princípio, na razoabilidade da indenização, mormente na indenização por dano moral, fincando-se na restrição ao enriquecimento sem causa.

Registre-se a respeito: “Critérios para o arbitramento do dano moral: a) a reparação do dano moral tem natureza também punitiva, aflitiva para o ofensor, com o que tem a importante função, entre outros efeitos, de evitar que se repitam situações semelhantes, de vexames e humilhações (…) b) deve ser levada em conta a condição econômico-financeira do ofensor, sob pena de não haver nenhum caráter punitivo ou aflitivo; c) influem o grau de culpa do ofensor, as circunstâncias do fato e a eventual culpa concorrente do ofendido; d) é ponderada a posição familiar, cultural, social e econômico-financeira da vítima, e é preciso levar em conta a gravidade e a repercussão da ofensa.” (TJRS – Ap. 593133689 – 6ª Câmara – j. 8.2.1994 – JTJRS 164/312)


“O ressarcimento pelo dano moral decorrente do ato ilícito é uma forma de compensar o mal causado, e não deve ser usado como fonte de enriquecimento ou abusos, dessa forma a sua fixação deve levar em conta o estado de que recebe e as condições de quem paga.” (RT 744/255)

“Para se estipular o valor do dano moral devem ser consideradas as condições pessoais dos envolvidos, evitando-se que sejam desbordados os limites dos bons princípios e da igualdade que regem as relações de direito, para que não importe em um prêmio indevido ao ofendido, indo muito além da recompensa ao desconforto, ao desagrado, aos efeitos do gravame suportado. Recurso parcialmente conhecido e nessa parte provido.” (AASP 2211/1817).

“A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, não se justificando venha a constituir-se em verdadeiro enriquecimento indevido, considerando que se recomenda que o arbitramento deva operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte empresarial das partes, as suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há de orientar-se o Juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso.” (STJ – REsp. 171.084 – Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo).

“Cabe ao juiz, ao valor o dano moral, arbitrar uma quantia compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita e a gravidade do dano produzido, devendo tal valor ser moderado e eqüitativo para que não se converta o sofrimento em móvel de captação de lucro.” (RT 753/345).

“A indenização por dano moral não deve ser tão elevada a ponto de enriquecer uma das partes, nem tão ínfima que seja indiferente ao ofensor.” (JTJRS 182/360)

Das ementas acima conferidas, depreende-se a preocupação de coibir que floresça no Brasil uma indústria do dano moral, como para cercear os exageros, no tocante aos valores de indenização, que afastam a aplicação da verdadeira justiça, acabando – quando concedidos – por premiar o lesado, ao revés de simplesmente reparar, adequadamente, o alegado sofrimento moral.

Para o arbitramento da indenização, a avaliação do dano moral dispensa o auxílio de especialistas, mas a responsabilidade do juiz na sua apuração é das mais árduas, pois terá que levar em consideração várias circunstâncias de natureza objetiva e subjetiva para formar a sua convicção e para arbitrar um valor que pareça justo e equânime, a fim de recompensar o lesado e ao mesmo tempo punir a conduta do lesionador, coibindo novas práticas. A indenização deve ter por fim evitar a perspectiva de lucro fácil e generoso por parte do ofendido e desestimular condutas ilícitas por parte do ofensor.

Ademais, é mister registrar que antiga jurisprudência não admitia a indenização do dano ante a ausência de comprovação do reflexo patrimonial. No entanto, após a Constituição Federal, tornou-se definitivamente assentado o entendimento de que o dano moral é indenizável por si só, sendo dispensável qualquer perquirição quanto a eventuais danos patrimoniais. Em outras palavras, não há que se confundir o dano moral com o patrimonial, sendo que mesmo inexistentes ou não demonstrados os danos materiais, é reparável o dano moral puro.

Outrossim, a causação de dano moral independe de prova, ou melhor, comprovada a ofensa moral o direito à indenização desta decorre, sendo dela presumido, ou seja, in re ipsa. Significa, em resumo, que o dever de reparar é corolário da verificação do evento danoso, dispensável ou mesmo incogitável a prova do efetivo prejuízo material. Por isso, desnecessária a comprovação do dano moral suportado pelo autor, porquanto ele é evidente e presumido, sendo devida sua reparação ainda que não tenha havido prejuízo material.

Levando tudo isso em conta, e também o fato de o autor responder a um processo por ato de improbidade administrativa, entendo que a indenização deve ser arbitrada no importe de R$ 20.000,00, que possibilita uma satisfação compensatória ao autor da sua dor íntima, buscando uma recompensa pelos dissabores sofridos em razão da ação ilícita do lesionador e, ao mesmo tempo, pune a conduta dos réus, reprimindo-os de práticas semelhantes.

Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO contra EDITORA ABRIL S/A. e DIEGO ESCOSTEGUY, para o fim de condenar os réus ao pagamento da indenização por moral arbitrada na quantia de R$ 20.000,00, incidindo atualização monetária desde a data da propositura da ação pela Tabela Prática do Tribunal de Justiça e juros de mora legais de 1% (um por cento) ao mês desde a citação. Em razão da sucumbência, condeno os réus ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios da parte contrária, que ora fixo em 10% sobre o valor da condenação atualizado. P.R.I.C.

São Paulo, 05 de novembro de 2.007.

ANA CAROLINA VAZ PACHECO DE CASTRO

JUÍZA DE DIREITO

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