Diálogo e retaliação

Ives Gandra: não se tributa dinheiro, e sim o que ele pode comprar

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16 de dezembro de 2007, 9h46

Adversário histórico da CPMF, cuja constitucionalidade já questionou em tribunais superiores, o tributarista Ives Gandra da Silva Martins acredita que o governo tem duas saídas diante do fim do tributo: ou parte para a retaliação, criando impostos e aumentando alíquotas, ou começa um diálogo com a sociedade.

Na entrevista que o advogado deu para o jornal O Globo, ele afirma que há “falcões” no governo favoráveis à retaliação. Para ele, deixar de arrecadar os R$ 40 bilhões do imposto não é nada impactante nas contas públicas.

O advogado ainda dá a receita para o Brasil crescer. De acordo com ele, “cabe àqueles que têm visão de competitividade dentro do governo encontrar alternativas de desenvolvimento e não de burocratização. Hoje há uma corrente favorável ao crescimento do país, através do segmento privado, e outra que entende que o Estado deve controlar tudo dentro do próprio governo. E o Lula administra as duas correntes.”

Leia a entrevista

O Globo — Como ficam as contas do governo com o fim da CPMF?

Ives Gandra da Silva Martins — O Orçamento está em discussão no Congresso. Vejo a possibilidade de o governo reformular principalmente despesas de administração. Há duas soluções. Uma é partir para a retaliação e aumentar a contribuição social sobre o lucro, atacar o sistema “S”, alterar o IPI e o IOF, o que acho ruim, porque teremos um confronto com a sociedade. O que houve foi uma reação da sociedade através do Senado, que disse: “Não agüentamos mais”. Todo ano o governo bate recorde de arrecadação tributária e diz que precisa, precisa… E a sociedade?

O Globo — A sociedade não é ouvida?

Gandra — Não. O governo diz que o país está crescendo, mas não como deveria. Nossos pontos referenciais são Rússia, China e Índia. O Brasil cresceu 5,7% neste trimestre, a Rússia 7,6%, a Índia 8,9% e a China 10,2%. Estamos atrás por quê? Excesso de carga tributária e burocrática. Se o governo criar um sistema de desburocratização e atingir a carga burocrática, não vai precisar de uma carga tributária tão grande. A sociedade sinalizou: “Nós é que somos sacrificados, nós é que somos tributados, nós é que temos pago mais para sustentar uma máquina em que não há nenhum esforço”. A máquina cresce mais que a inflação e mais que o PIB todo ano.

O Globo — Os R$ 40 bilhões que deixarão de ser arrecadados farão falta?

Gandra — O Orçamento é de R$ 704 bilhões. Os R$ 40 bilhões representam 6% do Orçamento. Não considero nada impactante. Até porque este ano tiveram arrecadação superior ao que estavam desejando, o equivalente a uma CPMF pelo menos.

O Globo — Por que o senhor sempre foi contra a CPMF?

Gandra — Entrei com ação no Supremo porque é um tributo muito ruim. Por que, em 200 países, só três têm? Brasil, Argentina e Colômbia. Por que a União Européia, os Estados Unidos, os países desenvolvidos não adotam? Por que Ana Krueger, que foi vice presidente do FMI, diz que é o pior tributo do mundo? Porque ninguém tributa o próprio dinheiro. Dinheiro é instrumento de circulação. Tributa aquilo que o dinheiro pode comprar, a renda que obtemos com o dinheiro, a mercadoria que compramos. Nenhum país do mundo tributa além das operações, o patrimônio, a renda, a prestação de serviços e a circulação de bens.

O Globo — Com o fim da CPMF, o senhor crê em aumento de impostos?

Gandra — O governo pode dizer que vai au mentar tributos, a contribuição social sobre os lucros. Mas teria que ser por projeto de lei; ou aumentar o IPI, o que pode ser feito por decreto; ou aumentar o IOF, que não precisa de lei, e atacar o sistema “S” como forma de vingança à Fiesp, que brandiu mais a bandeira contra a CPMF. Tenho a impressão de que seria a pior das formas. A melhor, claro, seria uma composição do governo com a sociedade. Tenho a esperança de que o Lula, que sempre teve sensibilidade política, parta para esse cenário, mas sei que há falcões e pombas dentro do governo. Os falcões são favoráveis à retaliação.

O Globo — Quem são os falcões e as pombas?

Gandra — Todos aqueles que não querem a redução da máquina administrativa precisam de mais receita tributária. Esses vão tentar tirar mais da sociedade. A sociedade tem que sustentar o governo. O interesse público está acima do interesse privado. O interesse dos detentores do poder estão acima dos interesses da sociedade. As pombas defendem o diálogo com a sociedade e a oposição.

O Globo — Como sair desse impasse?

Gandra — O Brasil tem mais carga tributária que a China, a Rússia e a Índia e o menor desenvolvimento econômico. Temos que competir com essa gente. Cabe àqueles que têm essa visão de competitividade dentro do governo encontrar alternativas de desenvolvimento e não de burocratização. Hoje há uma corrente favorável ao crescimento do país, através do segmento privado, e outra que entende que o Estado deve controlar tudo dentro do próprio governo. E o Lula administra as duas correntes.

O Globo — Fora do diálogo, então, não há salvação?

Gandra — Fora do diálogo vamos sofrer mais. O Brasil está no efeito maré da economia, mas crescendo menos. Até agora os burocratas definiram tudo e a sociedade é obrigada a seguir, sem discutir. Ela sempre perdeu no Congresso. Agora ganhou pela primeira vez. Então, é um momento de reflexão.

O Globo — O diálogo poderia começar com o projeto de reforma tributária que o governo está para mandar ao Congresso?

Gandra — Pode, mas não da forma como tem sido apresentado. Se não houver um brutal entendimento prévio, antes de se mandar qualquer coisa reforma tributária ao Congresso, a reforma tributária não vai sair, como não saiu até hoje. Tentar no Congresso fazer com que os governadores se entendam, quando todos têm interesses diferentes, é muito difícil. Estamos falando de reforma tributária desde 1990. São 17 anos e até hoje não há um só projeto encaminhado, esquecendose os que foram discutidos e rejeitados no passado.

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