Erros persistentes

Prorrogação da CPMF é inconstitucional e criminosa

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10 de dezembro de 2007, 8h20

A sabedoria popular registra que errar é humano, mas persistir no erro é burrice. Pois é justamente isso que se verifica na questão hoje tão debatida em relação a CPMF — Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira — tributo que teve origem num erro que ainda persiste. E que, como qualquer erro, deve ser eliminado, como adiante demonstramos.

A tentativa de “prorrogação” da CPMF por si só já autoriza a responsabilização criminal das autoridades que a promovem.

A maior dessas autoridades, Sua Excelência o senhor presidente da República, está a cometer o crime definido no artigo 85 da Constituição Federal quando, em diversas manifestações públicas, atenta “contra o livre exercício do Poder Legislativo” (inciso II do artigo 85) ou ainda quando vai contra “o cumprimento das leis” (inciso VII do mesmo artigo).

Ora, claro está que Sua Excelência falta ao juramento feito quando de sua posse, onde todo o País ouviu sua promessa de cumprir a Constituição, o que ele deixa de observar quando pressiona o Congresso a “prorrogar” a CPMF, sob o pretexto de que não pode abrir mão de receita.

A CPMF não está inserida no texto da Carta da República ao lado de qualquer imposto. O sistema tributário é regulado nos artigos 145 a 162, num texto que compreende “apenas” 250 artigos.

A CPMF está prevista apenas no artigo 74 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e deve ser extinta no próximo dia 31, caso Sua Excelência pretenda honrar seus juramentos e ser fiel ao voto de mais de 50 milhões de brasileiros, inclusive o do autor deste artigo.

Muitos brasileiros se emocionaram quando um homem simples, de origem humilde, alcançou maior cargo da República. Mas é muito triste que essa pessoa tenha passado por tamanha “metamorfose” a ponto de faltar a seus juramentos, a ponto de trair a memória das pessoas que arriscaram suas vidas para que ele estivesse onde está.

Todos sabemos que em qualquer país civilizado só três elementos econômicos estão sujeitos aos tributos: a renda, o consumo e o patrimônio. E os tributos constituem um gênero que compreende três espécies: impostos, taxas e contribuições.

Esses conceitos fundamentais estão muito bem definidos em nosso Código Tributário Nacional, a Lei 5.172 de 25/10/1966 e cujo 40º aniversário comentamos aqui no ConJur (ver artigo Código Tributário Nacional: Velho e acabado aos 40 anos)

O artigo 1º do ADCT, que vem logo após o último artigo da Constituição é muito claro:

“Art. 1º – O Presidente da República, o Presidente do Supremo Tribunal Federal e os membros do Congresso Nacional prestarão o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição”.

Mas não é isso que vemos hoje. Em lugar de “manter” querem passar por cima da CF e para isso alteram a verdade dos fatos! Tudo isso por um preço salgado: supostos R$ 40 bilhões que seriam arrecadados com essa “coisa”, que não é imposto, não é taxa e nem é contribuição, mas é, pura e simplesmente, um achaque contra o povo.

Uma das melhores definições da CPMF foi dada pelo ex-secretário da Receita Federal, doutor Osíris Lopes de Azevedo Filho, hoje advogado e que foi aprovado ao meu lado no concurso de Técnico de Tributação do Ministério da Fazenda em 1970, juntamente com o nosso saudoso professor Celso Bastos.

O doutor Osíris sabe o que fala e disse (jornal O Estado de S. Paulo, 19 de setembro de 2007, página A-7):

“A CPMF é um tributo enganador. Foi introduzida há 11 anos para acrescentar recursos para a saúde. Nem isso ocorreu, desviada da sua finalidade. Melhor que morra, como previsto,em 31 de dezembro deste ano.”

O atual Secretário da Receita Federal, senhor Jorge Rachid, alegou (jornal Valor Econômico, 30 de novembro de 2007) que a CPMF é importante para combater a sonegação, mesmo “discurso” lido por Sua Excelência, o senhor presidente da República, num dos seus recentes “improvisos”, quando caluniou todas as pessoas que são contra esse “tributo enganador”.

Sonegação é crime, nos termos da lei vigente. Assim, quando alguém diz que outrem é sonegador estará cometendo o crime de calúnia (Código Penal, artigo 138) caso não consiga provar o alegado.

Outrossim, afirmar que a CPMF não pode ser sonegada é um engano. Há muitas formas de terceirização de operações financeiras, que ocorrem nas operações de gerenciamento de recebíveis e contas a pagar. Isso acontece até no varejo, quando se paga conta com cheque de terceiro. Embora o termo “sonegação” devesse aí ser substituído por “elisão”, o fato demonstra que é possível reduzir o pagamento da CPMF, o que torna relativa a afirmação.

Outro equívoco é dizer que a CPMF é indispensável para combater a sonegação. Basta ler os jornais econômicos e o próprio site da Receita Federal para verificar que as maiores operações que detectaram sonegação nos últimos anos não tiveram origem e nem passaram perto dos “cruzamentos” com a CPMF, mas tiveram origem em fraudes no setores cambial (evasão de divisas), de combustíveis (venda de liminares relacionadas com Cofins e PIS) , importações (sub-faturamento), operações com empresas fantasmas (“laranjas”) e documentos inidôneos (“notas frias”). Os verdadeiros sonegadores são mais criativos que a Receita e isso é assim no mundo todo.

Falar em “cruzamento” de CPMF também não justifica a manutenção de tributo que a Constituição ordena deva ser extinto. Isso gerar apenas presunções ou indícios de irregularidades, o que um bom advogado destrói com o uso adequado dos meios jurídicos e alicerçado em uma perícia contábil bem feita.

Cruzamento é coisa de pecuária, não de tributação. Se cruzar boi com vaca, dá bezerro. Se cruzar cavalo com égua dá potro. Mas se cruzar CPMF com imposto pago só pode dar espaço para corrupção ou lucro para advogados.

A sonegação se combate com inúmeros outros mecanismos muito mais corretos, mais eficientes e precisos. Por exemplo: a retenção do imposto de renda na fonte, as informações de fornecedores, as declarações do contribuinte, as operações imobiliárias, os pagamentos de dividendos, os registros na Junta Comercial, as notas fiscais eletrônicas, etc.

Não impressiona a ninguém a tentativa de desqualificar lideranças empresariais que se manifestam contra a CPMF. Mesmo que alguém seja apenas líder de si próprio o que ele diz deve ser ouvido se for verdadeiro. E todos os representantes de empresas, eleitos por pessoas que movimentam a economia, sabem que pagamos tributos demais e que a CPMF deve ser extinta.

Não se deve levar a sério as ameaças de ministros. Ministro não dá ordem ao legislativo. Ministro dá ordem a seus subordinados. Além do mais, por mais culto e inteligente que seja o ilustre professor que hoje comanda o Ministério, o que se sabe é que sua experiência em comandar empresas e administrar negócios não é relevante. Como se vê de seu “curriculum”, sempre foi professor ou assessor de governos. Ou seja, é uma pessoa brilhante, mas no campo da teoria. Vive de salário, de honorário, com as garantias normais que se dá a esses trabalhadores. Não ostenta, ao que se sabe, a experiência de correr riscos, de ter de correr atrás do cliente que não pagou ou do fiscal que queira “cruzar” suas contas.

Também soam ridículas as palavras de profissionais de outras áreas que, movidos por excesso de vaidade ou de ignorância, chegam a sustentar que os ricos não pagam impostos.

Um respeitado médico chegou a afirmar, sem a mínima noção do assunto, que a CPMF precisa ser mantida porque não se cobra imposto sobre herança, riqueza, patrimônio e renda. Fica difícil comentar a afirmação, tamanha sua ignorância nesse assunto. Não podemos debater com ele as técnicas cirúrgicas ou as enfermidades que com tanto talento ele combate.

Qualquer pessoa que tenha estudado um mínimo de tributação sabe que herança se tributa pelo imposto sobre transmissão causa mortis (Estados) mesmo depois de incidir o IR ; riqueza paga imposto à União (imposto de renda), patrimônio sofre a incidência de vários impostos ( renda, ITBI, IPTU, IPVA, ITR, etc.) e a renda é alcançada por vários impostos (IR, ISS, Cofins, PIS, etc.).

Cirurgiões, professores, jornalistas, sociólogos e leigos em geral deveriam abster-se de opinar sobre assuntos que desconhecem.

A CPMF não pode ser “prorrogada” porque a Constituição não permite. O “governo” (ainda existe isso em Brasília?) já sabia da vigência dessa aberração tributária, que se extingue no próximo dia 31. Porque não se preparou? Afinal, já estamos no segundo mandato de Sua Excelência. Não teve ele, nem qualquer um dos seus quase 40 ministros, tempo para ler o já citado artigo 74 do ADCT?

A Constituição tem 250 artigos e o tal Ato tem 94, totalizando 344 artigos. Não dá nem um artigo por dia! No primeiro mandato Sua Excelência teve quatro anos! Daria para ler a CF e o Ato pelo menos quatro vezes. Fez o quê? Ficou viajando? E aqueles quase 40 ministros, servem, para quê? E os milhares de “aspones”? Ninguém em Brasília sabe ler a Constituição?

Prorrogar a CPMF é inconstitucional. Violar o texto da Carta Magna é crime.

Governadores não podem “pressionar” o legislativo. Devem respeitar os representantes do mesmo povo que os elegeu. Como diz a música do Gilberto Gil: “cada macaco no seu galho, chô, chuá…

A CPMF não é mais necessária. Basta ver o crescimento das receitas dos impostos. Nossa carga tributária é uma das maiores do mundo e cresce mais que o PIB.

A Constituição proíbe confisco. Quando se cobra imposto sem se dar o retorno em benefícios para o povo, ocorre confisco.

Abaixo a CPMF! Chega de Confisco!

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