Rito moroso

Supremo Tribunal Federal, uma corte quase inviável

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30 de agosto de 2007, 17h20

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento dos denunciados no inquérito do mensalão. As sessões de quarta, quinta e de sexta-feira foram inteiramente consumidas no exame dessa única questão. Todo esse esforço para saber se o tribunal recebe ou não a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal. Se recebida, o feito prosseguirá como ação penal. A partir daí os denunciados passam a responder à acusação como réus. Será uma longa jornada a ser percorrida. Tratando-se de matéria da competência exclusiva do plenário, isso quer dizer que todos os 10 ministros — Pertence se aposentou recentemente — se ativeram, exclusivamente, a esse tema.

O STF reiniciou as atividades no dia 1º de agosto — após o término das férias de julho. Considerando que, novamente, o tribunal entrará de férias no dia 20 de dezembro, é preciso saber quantas sessões plenárias ainda serão realizadas até essa data, sabendo-se que tais sessões são pré-designadas para as quartas e quintas-feiras.

Nas terças, os ministros se reúnem em sessões de turmas, quando julgam feitos não sujeitos à competência do plenário. Nas segundas e terças-feiras, trabalham nos gabinetes ou em casa. Pois bem. Se são duas sessões plenárias por semana, isso significa que, daqui até o final do ano, restarão — no máximo — 32 sessões plenárias a serem realizadas pela corte. Nesse total já estão somadas, por estimativa, duas sessões extraordinárias, que poderão ser convocadas no final de dezembro, destinadas a julgamento de matérias urgentes.

Feito isso, enfatize-se que, se não houver alteração no modelo constitucional das competências do Supremo Tribunal Federal, pode-se afirmar que a mais alta Corte de Justiça do país ficará — ou já está — praticamente inviável. Os advogados que nela militam estão padecendo na carne do absurdo congestionamento de processos. Matérias da mais alta relevância não são apreciadas por falta de tempo. Pedidos de vista não são julgados. As partes atormentam os advogados em busca de solução de suas causas que, por sua vez, dependem dos ministros. Sofrem quando têm que pedir preferência para seus feitos. Às vezes quando não compreendidos, passam por inoportunos e inconvenientes. Essa a dura realidade.

A continuar a corte com o ônus de processar e julgar os crimes dos que detêm foro por prerrogativa de função — como é o caso de senadores, deputados federais e outros agentes públicos —, os demais temas que reclamam definição constitucional ficarão a mercê da existência de tempo. O julgamento do mensalão é exemplar. Distribuídos os autos ao relator no dia 1º de agosto de 2005, somente agora, completados dois anos, é que o julgamento se iniciou.

Se para saber se recebe ou não a denúncia foram gastos dois anos, quanto tempo ainda será necessário para julgar o mérito? Por certo o relator não disporá de tempo para tratar dos milhares de outros processos que abarrotam seu gabinete. Recentemente, a Associação dos Magistrados Brasileiros divulgou estudo no qual destacou que, desde 1988, não houve condenação de nenhum acusado nas 130 ações existentes contra os que gozam de foro privilegiado.

Os parlamentares eleitos só podem ser julgados pelo STF. Essa a razão por que todos os processos que envolvem parlamentares federais, quando não instaurados perante o próprio Supremo, são a ele automaticamente remetidos, e só por ele podem ser julgados. Ocorre que, diante do volume de processos e o rito moroso de procedimentos, o deputado ou senador completa o mandato, e seu caso não é julgado. Se não se reelege, perde o foro privilegiado. Nesse caso, retornam os autos à instância originária. Nesse vai-e-vem, fica o processo fadado à prescrição. É a impunidade.

Obviamente que o Supremo não é culpado. Culpado é a irracionalidade do sistema adotado que entupiu — esse o termo correto — a capacidade de absorção de nossa mais alta Corte de Justiça. Não é possível dizer quantos processos estão em tramitação no momento na casa. Sabe-se que, a cada instante, centenas de novos feitos chegam ao seu protocolo. É algo surrealista. Pode-se concluir que nem os detentores de foro privilegiado são julgados, nem tampouco são julgados os outros milhares de processos de relevância constitucional. Os mecanismos criados pela EC 45 não mostraram a eficiência que seus autores esperavam. Falharam. Acabou o entusiasmo dos que achavam que o CNJ, abrindo a caixa-preta, resolveria tudo.

É incontestável o caótico quadro de exaustão de que padece o STF. Seu papel deve se restringir aos temas constitucionais. Seria urgente o caso de se pensar em passar o encargo de julgar processos como o do mensalão para outro órgão — ou outros órgãos — do Judiciário. Suas demais competências têm também que ser reduzidas, reservando-lhe somente o julgamento das questões de magnitude constitucional. Essa a única forma de salvá-lo do abismo em que se precipita.

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