Crime e companhia

Ninguém escapa do crime de formação de quadrilha

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29 de agosto de 2007, 0h00

Dos 40 denunciados por participar do mensalão, esquema milionário de compra de apoio parlamentar ao governo federal, 24 vão responder pelo crime de formação de quadrilha. O fato revela uma tendência do Ministério Público, da Polícia Federal e do Judiciário: três ou mais pessoas, quando praticam o mesmo crime juntas, também respondem por um outro, o de formação de quadrilha.

O crime está previsto no artigo 288 do Código Penal, que diz: “Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crime. Pena — reclusão de um a três anos”. No Supremo, o entendimento que prevaleceu durante o julgamento do mensalão é o de que a tipificação é clara do sentido de ser formação de quadrilha. A denúncia, no entanto, causou acalorada discussão.

O ministro Ricardo Lewandowski foi contra a enquadramento dos denunciados no crime. “Fico sem saber se a denúncia imputa aos acusados o crime de formação de quadrilha, de organização criminosa ou associação criminosa. São três figuras diferentes”, afirmou o ministro.

Os outros nove ministros não concordaram com Lewandowski. O ministro Cezar Peluso afirmou que no momento do julgamento não se faz um julgamento de mérito. Peluso lembrou que, obviamente, este tipo de grupo não costuma deixar registros oficiais de sua formação. “Como no momento somente se julga os indícios, a descrição do procurador é suficiente para se aceitar a denúncia”, disse.

Segundo ministro Carlos Britto, o procurador usou as expressões organização criminosa e formação de quadrilha no contexto de informalidade, como a imprensa usaria. Ele foi seguido pelos demais ministros.

A tendência

Para alguns especialistas, o Ministério Público e a Polícia Federal abusam ao denunciar por formação de quadrilha. Para o advogado Fernando Goulart, no Brasil, o legislador acaba por “pegar uma carona” no crime de quadrilha para passar a população uma impressão de que está combatendo as famigeradas organizações criminosas, sendo que na verdade nem ele sabe o que venha a ser uma “organização criminosa”.

Goular explicou também que a elasticidade dada ao conceito de quadrilha para alcançar o as organizações criminosas acabou colocando ambos no mesmo patamar. “As autoridades responsáveis pela persecução penal não têm mais a mínima preocupação em distinguir o que é crime de quadrilha ou o que venha a ser crime organizado”.

E completou: “Ao assim agir, elas ignoram um dos princípios mais importantes do Direito Penal, qual seja a proporcionalidade. Dois crimes com potenciais lesivos bem distintos são tratados da mesma forma, diria, com as mais odiosas medidas de execração pública”.

De acordo com o advogado Marcello Cerqueira, não há como denunciar alguém como “chefe de quadrilha” de acusados diversos, como no mensalão.

“Em uma denúncia contra dezenas de pessoas acusadas de delitos diferentes, como elas podem ter um chefe?”, questionou o advogado em seu artigo <a href="http://www.conjur.com.br/static/text/58761,1" "O Judeu e o Ciclista, publicado no jornal O Globo, em 18 de agosto.

No artigo, o advogado ressaltou que o MP abusa do tipo penal (crime de quadrilha) para indiciar ou denunciar pessoas quando não encontra para eles um efetivo tipo penal descrito nas leis. Na Lei de Crimes Organizados, por exemplo, não há uma definição do que venha a ser organização criminosa.

Cerqueira entende que a denúncia contra José Dirceu por sua participação no mensalão, mesmo sem intenção, resgatou conceitos da ditadura onde havia incriminação para qualquer tipo de reunião. Para alguns advogados, o zelo do MP com este tipo de crime leva a crer que, por segurança, é sempre conveniente imputá-lo.

Para o presidente da OAB-MS, Fábio Trad, a tendência no moderno Direito Penal é evitar a criação de tipos penais de perigo, concentrando-se nos tipos penais de dano. Para ele, na ausência de tipificação penal do crime de organização criminosa, é razoável e legítimo que se respalde a forma como o tipo de formação de quadrilha que está redigido.

Ele admite que o legislador não se limitou a criminalizar aquele que comete crime idealizado pelo grupo reunido. A lei, vai além, e estabelece que a simples associação é suficiente para a consumação do delito de quadrilha ou bando, independentemente da prática do crime ou crimes combinados pelos integrantes do grupo.

“Sendo assim, a punição de simples associação para a prática de crime não pode ser vista como seqüelas da ditadura, mas legítima intervenção punitiva estatal que se antecipa para impedir a própria associação dos membros” explicou.

O criminalista Arnaldo Malheiros, advogado de Delúbio Soares no inquérito do mensalão, sustentou que o erro dos acusadores nesta matéria consiste em transformar co-autores de um crime em autores. “Há muito tempo o MPF deixou de fazer a pergunta: o que diferencia a co-autoria da quadrilha?” Para ele o MP faz um desvirtuamento de conceito quando tenta tipificar como crime de quadrilha qualquer delito com o concurso de mais de uma pessoa.

Formação de quadrilha, afirma, existe quando uma organização criminosa se reúne com um fim específico que é o de cometer crimes. “Agora para todos os casos de co-autoria eles (MP) denunciam por formação de quadrilha”, reforçou.

De acordo com Malheiros, o enquadramento no artigo 288 nos casos fiscais virou moda. “Se um grupo de empresários de uma empresa lícita por algum motivo deixar de pagar o imposto deposto, além de denunciados por crime contra a Ordem Tributária, com toda certeza serão denunciados também por formação de quadrilha”, contou.

O correto nesses casos, segundo o advogado, seria que os envolvidos respondessem apenas pelos crimes que cometeram e não por um crime separado deste. “O MP ignora o fato de que ainda existem pessoas que se reúnem licitamente”.

Em seu afã de aplicar o artigo 288, segundo Malheiros, o Ministério Público se esforça em conseguir quórum na prática do crime. “Um casal foi denunciado por fraudar o vestibular. Como faltava um integrante para imputar o crime de quadrilha, o MP denunciou o motorista que estava cumprindo apenas com a sua obrigação profissional que era a de dirigir o carro para o casal” conta Malheiros.

Os membros do Ministério Público, por razões de ofício e de princípios, rejeitam a idéia de abuso na aplicação do dispositivo. A procuradora da República Janice Ascari sustenta que denunciar é dever do MP. Segundo ela, a partir do momento que o MP constata que três ou mais pessoas se associaram para cometer um ilícito, tem indícios para enquadrá-los no artigo 288 do Código Penal.

E que não há uma predisposição de seus colegas do MP contra o direito constitucional de livre associação: “Ilegal é associar-se para cometer crimes”, afirma.

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