Troca de favores

Escrivão é denunciado por trocar favores com desembargador

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27 de agosto de 2007, 14h04

A prestação de “favores” ao desembargador José Eduardo Carreira Alvim, ex-vice-presidente do TRF da 2ª Região (Rio e Espírito Santo), pode custar caro ao escrivão da Polícia Federal Marcello Jansen de Melo. Ele foi denunciado na 6ª Vara Federal Criminal do Rio pelos crimes de corrupção passiva e violação de sigilo funcional.

Para o Ministério Público Federal, o escrivão “teria favorecido, em tese, o desembargador Federal Carreira Alvim, então investigado pelo Supremo Tribunal Federal, através de fornecimento de informações sobre medidas investigativas em desfavor do magistrado. Em contrapartida, o escrivão teria obtido decisões de conteúdo favorável em ações judiciais em trâmite junto ao TRF da 2ª Região, que objetivavam ingresso na carreira de Delegado Federal”.

A denúncia, apresentada pelo MPF na 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, ainda não foi aceita: por ser servidor público, Jansen tem direito a defesa preliminar com base no artigo 514 do CPP. Mas o simples cruzamento dos dados levantados pela investigação da Operação Furacão com o andamento dos recursos do escrivão deferidos pelo desembargador mostram o entrelaçamento de interesses. A partir dos relatórios feitos pela Polícia Federal e dos despachos dados nos Agravos e Medidas Cautelares em tramitação no Tribunal, a Consultor Jurídico traçou a cronologia dos fatos.

No dia 19 de dezembro passado, por exemplo, Jansen ligou para o desembargador informando-o que o rastreamento feito nos telefones usados pelo juiz não havia encontrado nenhum grampo. Pelo jeito o serviço foi mal feito, pois esta conversa foi captada pelos agentes federais, que estavam monitorando – com autorização do Supremo Tribunal Federal, o celular de Carreira Alvim.

Coincidentemente, dois dias depois, em 21 de dezembro, Carreira Alvim concedeu liminar atribuindo “efeito suspensivo ao Recurso Extraordinário interposto nos autos Agravo de Instrumento (…) até o exame de sua admissibilidade”. O Recurso Extraordinário contra o indeferimento de um agravo pela 8ª Turma do TRF, só daria entrada no tribunal três meses depois, em 22 de março. Mas, com a liminar, o escrivão teve garantido sua matrícula no curso de delegados federais, no qual tinha sido reprovado na prova objetiva.

A briga de Jansen por esta matrícula para formar-se delegado federal começou em 17 de novembro de 2004. Reprovado na prova objetiva, ele não teve a sua prova discursiva corrigida, tal como previa o edital do concurso. Mesmo assim resolveu recorrer à Justiça ingressando com uma ação ordinária (2004.51.01.022090-5), distribuída à 23ª Vara Federal. Ali a juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho indeferiu o pedido de antecipação de tutela.

Por meio do advogado Jose Manuel Duarte Correia, o escrivão agravou a decisão da juíza junto à própria 23ª Vara Federal e, depois, no Tribunal Regional Federal (Agravo n° 2005.02.01.001609-5), que foi distribuído à 8ª Turma, tendo como relator o juiz convocado Guilherme Calmon. Em 6 de maio de 2005, ele rejeitou, liminarmente, o Agravo alegando que “eventual antecipação da tutela em favor do ora agravante representaria afronta ao sistema do concurso, porquanto vários candidatos com nota igual ou superior ao agravante – e não inseridos no triplo do número de vagas – seriam prejudicados”. Sua decisão foi confirmada pela unanimidade dos votos da 8ª Turma em 4 de dezembro.

Jansen resolveu bater na porta da vice-presidência do TRF-2, então ocupada por Carreira Alvim, com uma Medida Cautelar Inominada (n° 2006.02.01.014848-4), impetrada em 14 de dezembro de 2006. Pedia uma liminar em recurso que prometida ingressar contra a decisão da 8ª Turma.

Àquela altura, o desembargador Carreira Alvim já desconfiava de que estava tendo seus telefones monitorados. Creditava tal fato à juíza Ana Paula Vieira de Carvalho da 6ª Vara Federal, como ficou claro em uma “escuta” ambiental captada pela Polícia Federal, já no seio da investigação da Operação Furacão. No dia 25 de novembro, segundo relato da Polícia Federal, o vice-presidente do TRF comentou com o desembargador José Ricardo de Siqueira Regueira: “eu fui procurado e me contaram uma sacanagem que a tal da Ana Paula Vieira de Carvalho pediu ao STJ a quebra do meu sigilo bancário e o STJ indeferiu”.

No dia 19 de dezembro, o monitoramento da Polícia Federal capta a conversa de Jansen com o desembargador investigado que lhe garante que “todos os telefones dele (Carreira) estão limpos, tranqüilos”. Dois dias depois Carreira Alvim concede a liminar pedida na Medida Cautelar. A intimidade dos dois é demonstrada ainda pelo telefonema do escrivão, no dia 31 de dezembro, desejando “Feliz Ano Novo”.

Em janeiro, durante as férias do desembargador, o escrivão voltou a procurá-lo, falando com a sua secretária.. Mas foi em fevereiro que no diálogo entre os dois captado pelo monitoramento ficou evidente o favorecimento. Jansen reclamava de a Polícia Federal não estar cumprindo a decisão do desembargador ao não realizar exames físicos e psicotécnico. Ingressou com um requerimento. O desembargador, no dia 8 de fevereiro, deferiu determinando o cumprimento imediato e impondo multa de R$ 1 mil.


No dia seguinte, 9 de fevereiro, uma sexta-feira, em um telefonema o escrivão queixa-se ao desembargador e este lhe instrui a pedir ao seu advogado que ingresse com um pedido de multa que, àquela altura, já estava estabelecida em R$ 1 mil por dia. A nova petição foi impetrada em 12 de fevereiro, segunda-feira, e despachada no mesmo dia estipulando uma “pena de multa, agora, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso, a ser suportada pelo agente público” e ainda determinando a “pena de prisão por desobediência à ordem judicial, que fica, desde já, decretada”.

Carreira Alvim sofre a primeira grande derrota no dia 1° de março, quando o TRF rejeitou sua candidatura por antiguidade à presidência, elegendo o então corregedor Joaquim Antônio Castro Aguiar. No dia seguinte, Jansen lhe liga prestando solidariedade. Na época, o então vice-presidente já havia descoberto gravadores no forro do teto de seu gabinete e creditava aquela escuta – que ele entendia clandestina – à disputa pela presidência do TRF.

Com esta certeza, em 6 de março ele vai à Brasília, queixar-se no Conselho nacional de Justiça. Lá, convoca o escrivão – então freqüentando o curso para delegado – e lhe pede ajuda. Estava montando um dossiê contra outro desembargador e precisava recuperar gravações feitas, há mais de sete anos, com um ex-servidor do Tribunal que denunciava pagamentos indevidos que lhes tinham sido cobrados. Queria também identificar através das lojas especializadas quem tinha adquirido os aparelhos de escuta que encontrou no seu gabinete.

No dia 22 de março o escrivão finalmente ingressa com o recurso Extraordinário, cuja tutela antecipada já havia sido deferida em dezembro, três meses antes. O vice-presidente não apenas acata o recurso como ainda mantém a liminar até que o caso chegue ao Supremo Tribunal Federal, alegando “não ser conveniente ao interesse público que o servidor interrompa o curso já em andamento antes que venha, o recurso extraordinário, a ser julgado pelo STF”.

Sete dias depois, o escrivão volta ao vice-presidente. Certamente prevendo que sua saída do cargo poderá criar futuros embaraços, ele solicita uma liminar que lhe garanta a posse como delegado, prevista apenas para 29 de junho, isto é, três meses depois. Oficialmente, Carreira Alvim nega, alegando que se a concedesse estaria usurpando poderes do STF. Mas, na decisão, lembra que a liminar mantida no dia 22 daquele mês, já garantia os direitos do policial até a apreciação do caso pelo STF – que certamente não aconteceria em três meses.

A liminar, porém, foi cassada em maio pelo novo vice-presidente e Jansen foi excluído do curso de delegado federal. Agora, se a denúncia for aceita, provavelmente responderá pelo crime de corrupção. Já o desembargador, ainda não foi acionado judicialmente por estes fatos.

A denúncia apresentada pelo Procurador Geral de República no STF limita-se à possível venda de sentença beneficiando os donos de máquinas caça níqueis, também através de liminar em Medida Cautelar para recurso a ser interposto. O que pode ocorrer é que a Procuradoria da República em Brasília, seguindo os passos dos procuradores Marcelo Freire, Orlando Monteiro da Cunha e Fabio de Lucca Seghese, também apresente denúncia junto ao Superior Tribunal de Justiça, por conta do foro especial que o desembargador tem direito.

Os procuradores queriam a prisão preventiva de Jansen. Mas a juíza negou o pedido. Ela entendeu que “a atuação de Jansen seria, em tese, pontual e exclusivamente relacionada ao desembargador Federal Carreira Alvim, mais especificamente através de um suposto auxílio na neutralização de medidas investigativas. Logo, dada à natureza episódica e periférica da atuação de Marcelo, a medida extrema parece desnecessária e desproporcional”. Por enquanto, no seu despacho, ela apenas admitiu a conexão destes fatos com os processos da Operação Furacão que já tramitam na 6ª Vara Federal. Seu novo passo será apreciar o recebimento da denúncia, o que está para ocorrer, pois o prazo de defesa prévia se ainda não expirou está próximo de acontecer.

Leia a cronologia e a decisão da juíza

Cronologia

17 de novembro de 2004 — O escrivão de Polícia Federal Marcelo Jansen Ingressa na 23ª Vara Federal do Rio de Janeiro com ação ordinária (2004.51.01.022090-5), pedindo antecipação de tutela, contra decisão do Departamento de Polícia Federal que não corrigiu sua prova descritiva por não ter atingido pontuação mínima na prova objetiva.

26 de novembro de 2004 — a juíza Maria Amélia Almeida Senos de Carvalho indefere a antecipação dos efeitos da tutela alegando que “o edital do concurso para provimento do cargo de Delegado de Polícia Federal elege como critério que a prova discursiva, realizada conjuntamente com a prova objetiva, só será corrigida se nesta última, de caráter eliminatório, o candidato houver logrado obter nota mínima”.


21 de fevereiro de 2005 — O autor ingressa com Agravo no Tribunal Regional Federal da 2ª Região (2005.02.01.001609-5), contra o indeferimento da antecipação de tutela.

24 de março de 2005 — O juiz convocado Guilherme Calmon, relator do processo na 8ª Turma Especializada, argumentando que não foi apresentada cópia da certidão de intimação da decisão agravada, negou seguimento ao agravo.

6 de maio de 2005 — O juiz convocado Guilherme Calmon, revê sua decisão, ante o fato de que a intimação da decisão em primeiro grau tinha sido feita no processo, e entra no mérito do pedido. Destaca que “eventual antecipação da tutela em favor do ora agravante representaria afronta ao sistema do concurso, porquanto vários candidatos com nota igual ou superior ao agravante – e não inseridos no triplo do número de vagas – seriam prejudicados”. Por fim nega a tutela.

28 de julho de 2005 — a mesma juíza volta a recusar a antecipação de tutela requerida através de agravo alegando que o pedido do autor foi feito “sem que porém tenha havido qualquer fato novo apto a ensejar reexame da questão, razão pela qual incabível”.

28 de agosto de 2006 — a juíza Adriana Alves dos Santos Cruz julgou improcedente o pedido e condenou o autor nas custas processuais e em honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa.

4 de dezembro de 2006 — A Oitava Turma, por unanimidade, acolheu o voto do relator, o juiz convocado Guilherme Calmon e negou os Agravo de Instrumento e Agravo Interno interpostos pelo escrivão da Polícia Federal.

14 de dezembro de 2006 — Jansen recorre ao Vice-presidente do TRF, desembargador Carreira Alvim, através da Medida Cautelar Inominada de n° 2006.02.01.014848-4, pedindo uma liminar em recurso a ser interporto contra a decisão da 8ªTurma.

19 de dezembro de 2006 (14H45M16) — Marcelo Jansen liga para o celular do desembargador Carreira Alvim dizendo que todos os telefones dele (Carreira) estão limpos, tranqüilos, inclusive os de Cuiabá, (localidade do bairro de Itaipava,em Petrópolis, região serrana do Rio, onde o desembargador tem uma casa de veraneio).

21 de dezembro de 2006 — Em Medida Cautelar ajuizada por Marcelo Jansen, incidental ao agravo de instrumento n° 2005.02.01.001609-5, o desembargador Carreira Alvim, como vice-presidente do TRF-2ª Região, “concedo, em parte, a liminar pretendida, para atribuir efeito suspensivo ao recurso extraordinário interposto nos autos agravo de instrumento (…) até o exame de sua admissibilidade, a fim de determinar que a prova discursiva de redação do requerente seja corrigida e, caso consiga a pontuação igual ou superior à mínima exigida pelo edital do concurso para provimento do cargo de delegado federal no Estado do Amapá (nº 25/2004 – DGP/DPF REGIONAL), seja incluído no próximo Curso de Formação Profissional de Delegados de Polícia Federal, sendo submetido a todas as suas etapas em igualdade de condições com os demais candidatos aprovados”.

31 de dezembro de 2006 (20H04M59) — Marcelo Jansen liga para o celular do desembargador Carreira Alvim, desejando-lhe Feliz Ano Novo.

18 de janeiro de 2007 — Luzinalva, secretária de gabinete da vice-presidência do Tribunal, diz que Dr. Marcelo Jansen ligou informando que o processo dele está com o Dr.Castro Aguiar (então corregedor do TRF-2), que ele fez a prova e chegou o oficio. Segundo Luzinalva, Marcelo irá ligar assim que Carreira Alvim chegar de férias.

8 de fevereiro de 2007 — Atendendo nova petição do escrivão de Polícia Federal, que reclamou de não ter sido submetido aos exames de capacidade física, psicotécnico e médico, que lhes garantiriam a conseqüente inclusão no curso de formação profissional de Delegados de Polícia Federal previsto para o próximo dia 12 de fevereiro, o desembargador Carreira Alvim deu novo despacho determinando que “o candidato Marcelo Jansen De Mello seja submetido aos exames de capacidade física, psicotécnico e médico, sendo incluído no curso de formação profissional de Delegados de Polícia Federal previsto para o próximo dia 12 de fevereiro de 2007, sob pena de multa de R$ 1.000,00 (mil reais) por dia de atraso, a ser suportada pelo agente público, sem prejuízo de incorrer no crime de desobediência por descumprimento de ordem judicial”.

9 de fevereiro de 2007 (19H51M36) — Marcelo Jansen liga dizendo que a decisão feita pelo desembargador Carreira está perfeita, clara e concisa, porém eles não vão convocar, irão desobedecer a decisão judicial. Carreira diz que o advogado de Marcelo tem que postular para que ele fixe uma multa para ver se eles cumprem. Marcelo diz que eles vão obedecer à ordem de classificação da primeira etapa, sabendo da decisão, que é impressionante. Carreira repete que é para o advogado pedir aplicação de multa. Marcelo diz que fará isso na segunda, agradece e diz que o Carreira mora em seu coração.


12 de fevereiro de 2007 — O escrivão da Polícia Federal apresenta nova petição relatando que “as autoridades competentes se negam a cumprir a decisão judicial sob a alegação de que os exames de capacidade física, psicotécnico e médico teriam que ser feitos antes do início do curso de formação”. O desembargador Carreira Alvim diz que “dentro do regular andamento do concurso, essa seria a necessária seqüência dos fatos, não aplicável à controvérsia em tela, submetida que foi ao crivo do Judiciário”. E defere “o requerido para determinar que os exames de capacidade física, psicotécnico e médico, ou quaisquer outros que venham a ser exigidos, sejam feitos durante o curso de formação profissional de Delegados de Polícia Federal com previsão de início para esta data, sob pena de multa, agora, de R$ 10.000,00 (dez mil reais) por dia de atraso, a ser suportada pelo agente público, sem prejuízo da pena de prisão por desobediência à ordem judicial, que fica, desde já, decretada”.

2 de março de 2007 (13H16M48) — Marcelo Jansen liga para prestar solidariedade ao desembargador Carreira Alvim que, no dia 01 de março perdeu a eleição para presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região para o ex-corregedor desembargador Castro Aguiar.

6 de março de 2007 — O desembargador Carreira Alvim diz que precisa conversar com Marcelo pessoalmente, pois eles tomaram de assalto o Tribunal. Marcelo diz que está em Brasília (SQS 312 Sul) fazendo curso de formação e diz que irá ao encontro de Carreira no Hotel Meliá, em 30 minutos. Carreira Alvim foi contatar integrantes do Conselho Nacional de Justiça, visando à anulação da eleição para presidente do TRF e comunicação de descoberta de equipamento de captação ambienta (que tinha sido autorizada pelo ministro César Peluso do Supremo Tribunal Federal) em seu gabinete.

7 de março de 2007 (20H45M30) — Marcelo Jnsen liga para o desembargador Carreira Alvim e conversam sobre a eleição do TRF e a reunião no CNJ. Carreira Alvim diz que sua revolta, nojo e indignação irão perdurar por algum tempo ate que terminem de fazer as verificações destas questões. Carreira diz que quanto mais o tempo passa e os fatos vem à tona, aumenta a indignação, pois vêem que o problema é muito mais sério do que se pensa. Carreira Alvim fala sobre a possibilidade de contar com a ajuda de Marcelo para restaurar provas contra desembargadores.

8 de março de 2007 — A Advocacia Geral da União, através da procuradora Guida Helena Martins da Silva, entra com uma Suspensão de Liminar (processo n°2007.02.01.002641-3) junto ao então presidente do TRF-2ª Região, Frederico Gueiros, para cassar a decisão do desembargador Carreira Alvim. Gueiros destaca que “o sistema processual brasileiro, a toda evidência, não autoriza o Presidente de Tribunal a rever ou suspender provimento jurisdicional oriundo de integrante da mesma Corte (…) Por esta razão, ante a falta de competência para o exame do presente pedido de suspensão, indefiro a inicial”.

9 de março de 2007 — O escrivão ingressa com Apelação Cível contra a decisão da 23 ª Vara Federal no processo 2004.51.01.022090-5. Como o juiz convocado Guilherme Calmon tinha sido transferido para a 1ª Turma Especializada, o caso foi distribuído ao desembargador Poul Erik Dyrlund.

22 de março de 2007 — O Desembargador Carreira Alvim recebeu o recurso extraordinário interposto por Marcelo jansen contra a decisão da 8ª Turma que negou antecipação de tutela para a sua reintegração na 2ª etapa de concurso de Delegado Federal. Manteve ainda as decisões anteriores garantindo sua matrícula alegando não ser “conveniente ao interesse público que o servidor interrompa o curso já em andamento antes que venha, o recursos extraordinário, a ser julgado pelo STF”.

29 de março de 2007 — Em, novo requerimento, o escrivão da Polícia Federal pedia antecipação de tutela “com o objetivo de assegurar eventual nomeação e posse, caso aprovado no curso de formação profissional de delegados da Polícia Federal, junto com os demais candidatos, cuja conclusão se encontra prevista para o dia 29 de junho de 2007”. O desembargador Carreira Alvim considerou ter se “esgotado a competência desta Vice-Presidência, especialmente com relação ao requerimento formulado, pois a admissibilidade do RE já foi examinada, tendo sido admitida”. Entendeu que uma decisão sua “significaria invadir a competência do STF”. Mas não deixou de destacar que “a eficácia da liminar deferida nestes autos foi estendida até o reexame pelo tribunal de destino do RE (STF), como se depreende da decisão cuja cópia se encontra acostada às fls 242/243”.

12 de maio de 2007 — Toma posse a nova direção do TRF da 2ª Região, sem a presença do ex-vice-presidente desembargador Carreira Alvim.


13 de abril de 2007 — Desencadeada a Operação Furacão I. A Polícia Federal, com base em mandados de prisão e de busca e apreensão assinados pelo ministro César Peluso, do Supremo Tribunal Federal, faz buscas no apartamento, na casa de veraneio e no gabinete de trabalho do TRF do desembargador Carreira Alvim e o leva preso e algemado para Brasília. Nas buscas foram encontrados alguns “dossiês” que estavam sendo preparados contra outros desembargadores do Tribunal. Também foi preso o desembargador José Ricardo de Siqueira Regueira.

21 de abril de 2007 — O ministro César Peluso assina o alvará libertando os desembargadores presos. Em seguida, Carreira Alvim entra em férias, estendida até julho, quando no dia 31, o Conselho Nacional de Justiça determinou o afastamento dos juízes envolvidos na Operação Furacão I.

11 de maio de 2007 — O novo vice-presidente do TRF da 2ª Região, desembargador Fernando Marques, cassa a liminar anteriormente dada, ao rever a decisão no Agravo 2005.02.01.001609-5. Ele conclui que “verificando-se que, in casu, já foi prolatada, nos autos principais, decisão relativa ao juízo de admissibilidade do recurso excepcional lá interposto, segue-se a conclusão de que, esgotado o ofício jurisdicional desta Vice-Presidência, não há como, validamente, pretender-se preservar os efeitos da medida liminar concedida, initio litis, na presente ação cautelar, sob pena de usurpação de competência do tribunal ad quem. Assentadas tais premissas, julgo prejudicada a presente ação cautelar, revogando, por conseguinte, o provimento liminar concedido pela anterior Vice-Presidência”.

Leia a decisão

2007.51.01.806890-3 26005 — PROCEDIMENTO CRIMINAL COM DENUNCIA

AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL

PROCURADOR: MARCELO DE FIGUEIREDO FREIRE E OUTROS

RÉU: MARCELLO JANSEN DE MELLO

ADVOGADO: ANTONIO CARLOS DA GAMA BARANDIER E OUTROS

6ª VARA FEDERAL CRIMINAL DO RIO DE JANEIRO

JUÍZA: ANA PAULA VIEIRA DE CARVALHO

Vistos, etc.

O MPF ofereceu denúncia em desfavor de MARCELLO JANSEM DE MELLO, Escrivão de Polícia Federal, pelo cometimento dos crimes de corrupção passiva e violação de sigilo funcional, em decorrência de fatos apurados durante a chamada OPERAÇÃO FURACÃO.

Segundo o Parquet, a atuação do ora denunciado teria favorecido, em tese, o Des. Federal Carreira Alvim, então investigado pelo Supremo Tribunal Federal, através de fornecimento de informações sobre medidas investigativas em desfavor do magistrado. Em contrapartida, o Escrivão teria obtido decisões de conteúdo favorável em ações judiciais em trâmite junto ao TRF 2a Região, que objetivavam ingresso na carreira de Delegado Federal. Segundo a inicial, o denunciado teria ainda, em tese a pedido do aludido magistrado, implementado medidas investigativas direcionadas a outros magistrados do TRF da 2a Região, supostamente em represália à atuação dos mesmos quando da eleição para presidência daquela Corte.

Passo inicialmente a apreciar a competência do juízo.

2. DA COMPETÊNCIA

A OPERAÇÃO FURACÃO iniciou-se com investigação sobre corrupção policial capitaneada, em tese, por Delegados Federais lotados na Delegacia Fazendária da Polícia Federal no Rio de Janeiro. Através de depoimento prestado por um advogado, que se dizia vítima de concussão por parte do Delegado Federal OSVALDO FERREIRA, foram autorizadas medidas de interceptação telefônica e ambiental, que objetivavam apurar um suposto “balcão de negócios” na Delegacia Fazendária.

O prosseguimento das investigações levou à constatação de interação em tese ilícita entre os hoje denunciados DPF OSVALDO, MARCUS (espécie de secretário particular do Delegado, atuando dentro da DELEFAZ) e MARINILDE FÁTIMA (sua esposa) com o co-denunciado ARAÚJO, Escrivão de Polícia Federal também lotado na Delegacia Fazendária, o que resultou na inclusão de ARAÚJO como alvo das investigações.

A atuação de ARAÚJO em tese descortinada, porém, não se restringiria a supostos atos ilícitos praticados em conluio com o DPF OSVALDO. Com efeito, o prosseguimento das apurações apontou ainda para uma relação em princípio estreita com FLÁVIO FURTADO, Delegado Federal também lotado na Fazendária, bem como com lobistas relacionados a Casas de Bingo investigadas em inquéritos em trâmite naquela Delegacia.

Assim, o DPF FLÁVIO FURTADO, o Escrivão de Polícia Federal ARAÚJO e o APF SEBASTIÃO, também denunciados, foram apontados como parte de uma estrutura de “blindagem investigativa” em benefício dos denunciados JAIME GARCIA DIAS, EVANDRO DA FONSECA, JOSÉ RENATO GRANADO e JOSÉ LUIZ DA COSTA REBELLO, interessados em inquéritos referentes a Casas de Bingo em curso na Fazendária.



Na seqüência das investigações, já perante o Supremo Tribunal Federal, a polícia federal colheu provas em princípio robustas de que a Associação dos Bingos do Estado do Rio de Janeiro seria utilizada como uma central de arrecadação de dinheiro das casas de bingo e operadoras de máquinas de vídeo-bingo, dinheiro este que se destinaria posteriormente, na versão da denúncia no processo 2007.51.01.802985-5, ao pagamento de propinas a policiais civis, militares, federais, Delegados de Polícia, Delegados Federais, e até mesmo, em tese, a Desembargadores e um Ministro do Superior Tribunal de Justiça.

Acompanhada a suposta quadrilha por mais de um ano pela polícia federal, foi observada movimentação intensa de agentes públicos (policiais civis, militares, federais, delegados de polícia e federais) em um imóvel situado na Avenida Conde de Bonfim, na Tijuca, apelidado nas interceptações telefônicas de “preta”, local onde posteriormente foi apreendida a fantástica quantia de cinco milhões de reais ocultos em parede falsa, quando da deflagração da fase ostensiva da investigação. Interceptações telefônicas e informações policiais apontam que o suposto operador do esquema de distribuição de propinas no meio policial, o policial civil MARCOS BRETAS, enquanto distribuía convites, camisas, troços e negócios a policiais que o procuravam insistentemente em seu celular, buscava ou pedia a pessoas a ele ligadas que buscassem envelopes na Aberj, acompanhado de forte proteção.

Especificamente no que tange a corrupção policial, há a notícia nos autos das ações penais 2007.51.01.802985-5 e 2007.51.01.804865-5 de que o esquema operado via Associação de Bingos pagasse propina mensal a várias dezenas de policiais. Esta propina, segundo noticiam os relatórios policiais e indiciam os diálogos interceptados, não se destinaria exclusivamente a policiais encarregados da repressão aos jogos de azar e contrabando, mas também a policiais da ativa e aposentados que pudessem antecipar o conteúdo de ações policiais futuras, permitindo assim à quadrilha, em tese, frustrar os objetivos das operações, mediante troca de peças ou retirada de máquinas dos locais a serem objeto das medidas, ou retirada do dinheiro de dentro das máquinas.

Como já noticiado, segundo indícios trazidos no inquérito este esquema também seria sofisticado o bastante para interferir em decisões prolatadas pelos mais altos escalões do Poder Judiciário. Valendo-se de arrecadações via Associação dos Bingos, mencionadas em alguns diálogos (ver, por exemplo, diálogos de fls. 167 e 169 do vol 1), a quadrilha contrataria lobistas que, mesmo sem exercer diretamente a advocacia, teriam como função precípua cooptar magistrados de primeiro grau, Desembargadores e Ministros, mediante pagamento de propina, para obter decisões judiciais favoráveis.

Neste contexto, o Desembargador Federal JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM foi implicado na OPERAÇÃO FURACÃO porque teria sido o prolator de decisões tidas como suspeitas, em benefício de casas de bingo e operadoras de máquinas de vídeo-bingo, supostamente em troca do recebimento de vantagem patrimonial indevida. Por esta razão, foi autorizada, dentre outras medidas investigativas e por ordem do Exmo. Min. Cezar Peluso, a interceptação ambiental de conversas realizadas no gabinete do referido Desembargador.

Com a deflagração da fase ostensiva da aludida operação policial, houve desmembramento do feito junto à Suprema Corte ( fls. 3155, 3157 a 3159 do vol 13 do IPL 2424), tendo sido transferido a este juízo o processo e julgamento de todos os investigados sem prerrogativa de foro. Nesta linha, o MPF tem oferecido inúmeras denúncias, ora por corrupção, ora por lavagem de dinheiro, cujo recebimento tenho condicionado à presença de suporte probatório mínimo e à conexão com o objeto principal da investigação ( corrupção de agentes públicos lotados na delegacia fazendária e atuação de suposta organização criminosa especializada na exploração de jogos ilegais).

Segundo a tese ministerial, a atuação do ora denunciado resumir-se-ia ao fornecimento de auxílio ao Des. CARREIRA ALVIM para que tomasse contra-medidas em relação às investigações, das quais naquele momento já suspeitava. Também segundo o Parquet, caberia ao Escrivão fornecer informações, de dentro do corpo policial, que permitissem o rastreamento das suspeitas.

Em sendo assim, há clara conexão destes fatos — suposto auxílio na realização de contra-medidas no curso das investigações- e a investigação em si, nos termos do art. 76, II e III do CPP.

3. DO PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA

Requer o MPF, ainda, a decretação da prisão cautelar do denunciado.

Não me parece, porém, assistir-lhe razão. Deveras, a despeito de graves os fatos narrados na inicial, não há indicativo de relação entre o denunciado, na qualidade de policial, e a organização criminosa em questão, tanto que sequer lhe é imputado o delito de quadrilha. Ao revés, a atuação de JANSEM seria, em tese, pontual e exclusivamente relacionada ao Des. Federal CARREIRA ALVIM, mais especificamente através de um suposto auxílio na neutralização de medidas investigativas. Logo, dada a natureza episódica e periférica da atuação de MARCELO, a medida extrema parece desnecessária e desproporcional.

Indefiro, pois, o pedido de prisão formulado.

Notifique-se o denunciado para os fins do art. 514 do CPP.

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