Contra a ilegalidade

Ação da PM contra invasão da faculdade de Direito foi legítima

Autor

  • João Grandino Rodas

    é presidente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul diretor da Faculdade de Direito da USP mestre pela Harvard Law School e desembargador federal aposentado.

26 de agosto de 2007, 12h18

Afortunadamente vigora no Brasil o Estado Democrático de Direito. As instituições estão em funcionamento e há liberdade de expressão, diferentemente do que já houve no passado. Longe de ter o país atingido o nirvana, muitos são os problemas a serem solucionados, dentre os quais avulta a necessidade de melhor distribuição de renda e de redução das desigualdades sociais.

Mas não se terá um país mais justo pondo em xeque e solapando as instituições. Graças aos esforços de muitas gerações, a universidade pública brasileira detém índices acadêmicos e de pesquisa muito bons. Isso não obstante a baixa remuneração de professores e funcionários, que laboram em condições nem sempre razoáveis.

Algumas dessas universidades começam a galgar, firmemente, rankings globais de excelência. É aceitável que grupos alheios à universidade a usem como palco privilegiado de suas reivindicações, por mais justas que possam ser? Desacreditando a universidade pública, o Brasil tornar-se-á mais equânime? Os movimentos sociais, que são legítimos e contam com o respaldo de grande parte da população, devem ser os primeiros a respeitar a universidade, em cujos recintos se encontra o ambiente propício para discutir e fazer avançar os seus propósitos.

Relembremos os fatos ocorridos em 21 de agosto último no largo de São Francisco. Inopinadamente, já em curso as aulas do período noturno na Faculdade de Direito da USP, entram nela dezenas e dezenas de simpatizantes da Educafro, com suas bandeiras e tambores, seguidos por numerosos membros do MST, com seus colchões, víveres e insígnias, escudados em cerca de 25 crianças, além de outros movimentos ainda em busca de maior expressão. Corredores estratégicos são bloqueados com móveis e passam a ser controlados; funcionários, professores e alunos são, temporariamente, retidos; e portas são lacradas com correntes e cadeados pelos invasores.

Nada a ver com o 23 de junho de 1968, quando os estudantes da própria faculdade a ocuparam por 26 dias. Reivindicavam a reestruturação do curso, ao mesmo tempo em que protestavam contra a ditadura militar. Durante a ocupação, realizaram inúmeras atividades didáticas e contaram com o apoio de vários professores, entre eles Goffredo da Silva Telles Júnior e Dalmo Dallari. Saíram quando a Tropa de Choque invadiu o prédio e prendeu cerca de 40.

Agora, nenhum grupo estudantil reivindicou o protagonismo da invasão. Malogrado o intento, simpatizantes da UNE e a atual diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto — que chegara a se oferecer para mediar acordo entre a diretoria da faculdade e os ocupantes, o que, “per se”, implica não ser parte — passaram a brandir o argumento da presença estudantil.

A oferta de negociação constituía-se em eufemismo para a imposição de inaceitável fato consumado. Justamente por isso não houve, em nenhum momento, acordo que possibilitasse a permanência dos invasores nas dependências da faculdade.

Até porque bens públicos estão adstritos a regramento legal que não permite ao administrador usá-los a seu bel-prazer. Por outro lado, a faculdade tem objetivos-meios e objetivos-fins cuja busca não pode ser interrompida, sob pena de responsabilização civil e penal de seu diretor, a quem cabe, ademais, velar pela integridade de alunos, funcionários e professores.

Ante o esbulho possessório e o risco que corriam pessoas e o imóvel tombado, o pedido para que a Polícia Militar retirasse, com as cautelas devidas, os invasores foi não somente legal como também legítimo. Se, de um lado, não é usual nem desejável a entrada de polícia nas dependências da faculdade, de outro, não se tem notícia de uma invasão concertada de movimentos sociais nas centenárias arcadas. Daí soar falsa a invocação da democracia feita pelos porta-vozes de tais agrupamentos, quando os atos perpetrados no sagrado solo de são Francisco a desmentem cabalmente.

O território livre de são Francisco existe, sim, e continua preservado.

Está aberto para acolher debates de idéias que conduzam às mudanças sociais pelas quais o Brasil anseia. A polícia não entrou para sufocar tais discussões e mesmo protestos, ínsitos à democracia. Procurou apenas impedir a continuação de ilegalidades, como o cerceamento do direito de ir e vir dos que estudam e trabalham no local e a interrupção do processo educativo, garantindo, enfim, que a universidade continuasse a cumprir seu papel, para o qual é sustentada pelos impostos de todos os paulistas.

Artigo publicado, neste domingo (26/8), pela Folha de S. Paulo.

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    é presidente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul, diretor da Faculdade de Direito da USP, mestre pela Harvard Law School e desembargador federal aposentado.

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