Guerra tributária

Fisco e grande contribuinte brigam; pequeno paga imposto

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23 de agosto de 2007, 0h00

Não é de hoje que Fisco e contribuinte vivem como gato e rato. A interminável guerra, que exige cada vez mais habilidade e criatividade de ambos os lados, traz conseqüências sérias para a vida do pequeno contribuinte.

Na ânsia de arrecadar mais e de cobrir o prejuízo com a sonegação, o fisco federal se vale de artifícios legais e conta com a colaboração do governo federal. Para o presidente da 7ª Câmara do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, Marcos Vinícius Neder de Lima, o enorme crescimento de contribuições – como a CPMF, Cofins e PIS e a excessiva tributação em cima dos assalariados é conseqüência direta da sofisticação dos grandes não-pagadores de imposto.

A tese foi exposta na durante o XI Congresso Internacional da Associação Brasileira de Direito Tributário, que acontece em Belo Horizonte de 22 a 24 de agosto.

Aí está a explicação para os recordes de arrecadação tributária que a Receita Federal tem batido a cada ano. “50% das 500 maiores empresas do país não pagam Imposto de Renda”, diz. Ou seja, quem pode não paga, quem não pode paga.

Neder de Lima, que tem experiência de muitos anos no conselho de contribuintes, culpa a elisão fiscal pela não-tributação daqueles que têm grande potencial arrecadatório. A elisão fiscal é uma ferramenta no jogo tributário permitida por lei. É um desafio que o empresário está liberado para enfrentar: se ele conseguir, dentro dos limites da lei, achar lacunas para pagar menos imposto, ponto para ele.

É, de fato, um jogo que, para Neder de Lima, resulta num “carnaval tributário”. As empresas se inovam para achar brechas na legislação tributária e o governo, a cada ano, muda a legislação para tentar preencher esses vácuos.

No Conselho de Contribuintes, por exemplo, os julgadores têm adotado novos critérios para decidir se determinada operação é lícita ou não. Segundo Neder de Lima, hoje, não importa apenas a licitude da operação. É analisada também a capacidade contributiva e a racionalidade do negócio judicial feito pela empresa. “Hoje, observamos o conjunto da operação e o seu motivo, não mais cada etapa separadamente.”

Segundo Neder, essa mudança de jurisprudência no Conselho de Contribuintes começou em 2002, com o novo Código Civil. A nova lei trouxe os princípios da moralidade e da boa fé e deu mais liberdade ao julgador para analisar o fato concreto, e não apenas o plano jurídico.

Quando se observa que metade das maiores empresas do país não pagam Imposto de Renda, a conclusão é de um certo equilíbrio entre a gana do Leão e a esperteza das empresas. No entanto, mais uma vez, quem sai perdendo é o pequeno contribuinte, que não tem poder para entrar em briga de cachorro grande.

De igual para igual

A professora francesa Marie-Christine Esclassan falou sobre as práticas do fisco na França. Para ela, a administração fiscal em seu país tem poder de mais. Isso porque pode aplicar multa ao contribuinte e o Judiciário não pode intervir.

Ao multar, o fisco francês não precisa respeitar a capacidade contributiva do contribuinte. Acredita que, se assim não fosse, a multa não teria o efeito punitivo desejado. No entanto, tem de observar determinadas proteções dadas ao contribuinte, como a proporcionalidade da multa ao fato gerador e a garantia de não ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Entretanto, quando uma dessas garantias é desrespeitada, o contribuinte francês não pode recorrer ao Judiciário. Em matéria tributária, o Judiciário só é competente para rever questões penais.

No Brasil, acontece situação semelhante. Ricardo Almeida, professor de Direito Tributário, explica que o Judiciário pode considerar uma multa tributária como confisco e suspendê-la, mas não pode reduzi-la. Não há um meio termo.

Emenda 3

Uma das discussões que permanece hoje sobre os limites do poder do fisco é a famigerada Emenda 3 do Projeto de Lei que criou a Super-Receita. A emenda foi vetada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, mas ainda continua sendo fonte de debates.

Pela Emenda 3, o fisco só poderia autuar empresa por fraude em relação de trabalho se a Justiça Trabalhista já tivesse reconhecido a fraude. Para alguns, como o advogado Raphael Frattari Bonito, a medida “amarraria as mãos” do INSS, por exemplo, que não poderia reconhecer relação de emprego.

Para outros, como Carlos Henrique Tranjan Bechara, advogado do Pinheiro Neto, a regra já existe e limita a autuação do fisco. “A competência para reconhecer vínculo empregatício é da Justiça do Trabalho. Isso não pode ficar a mercê do agente fiscal e previdenciário.”

A Emenda 3 aguarda ainda uma posição do Congresso Nacional, que ainda pode, ou não, derrubar o veto do presidente Lula.

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