Busca da igualdade

Brasil é campeão quando o assunto é homofobia

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20 de agosto de 2007, 18h56

São 18 milhões de cidadãos considerados de segunda categoria: pagam impostos, votam, sujeitam-se a normas legais, mas ainda assim são vítimas de preconceitos, discriminações, insultos e chacotas. Em se tratando de homofobia, o Brasil ocupa o primeiro lugar, com mais de cem homicídios anuais cujas vítimas foram trucidadas apenas por serem homossexuais.

Números tão significativos acabam ignorados porque a sociedade brasileira não reconhece as relações homoafetivas como geradoras de direito.

Se o Poder Público agarra-se a padrões conservadores, o dia-a-dia cria o fato, obrigando as instituições a acordarem. Um caso revelador dessa omissão aconteceu no Sul: após 47 anos de vida em comum, falecido o parceiro cujo patrimônio formara-se antes do vínculo, o estado reivindicou a herança, alegando não haver herdeiros legais. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, porém, reconheceu a relação afetiva do casal, assentando o direito do sobrevivente aos bens.

O Judiciário gaúcho sobressai pela modernidade, havendo sido o primeiro a julgar ações ligadas a vínculos homoafetivos na vara de família, não na cível. A diferença é significativa. No primeiro caso, reconhece-se o vínculo íntimo, de familiaridade; no segundo, o societário, e aí, findos os anos de convivência, os parceiros são tidos como sócios, dividindo-se o patrimônio adquirido. Se nada for obtido na constância da relação, nada será devido.

Tal postura mostra-se, no mínimo, injusta, porque não admite que a origem, a base da união é o afeto, não a vontade de compor sociedade. A jurisprudência vem avançando. Começa a firmar-se o entendimento de que essa parceria se equipara à união estável, sobretudo para evitar o enriquecimento de outrem — na maioria das vezes, parentes que costumam alijar do convívio o homossexual reclamam a herança por este deixada.

A Justiça vem admitindo o direito de casais homoafetivos à guarda e adoção de crianças. Na Bahia, há pouco estabeleceu-se o direito de visita da ex-parceira ao filho gerado pela outra. Em São Paulo, permitiu-se que dois parceiros adotassem quatro irmãos. Em geral, no entanto, só um adota — a lei permite que solteiros o façam —, em prejuízo do adotado, que perde o direito à proteção conjunta.

No rastro de decisões judiciais, o Executivo, compelido pela realidade e mediante atuação do INSS, estendeu aos homossexuais o reconhecimento do vínculo, a gerar o direito ao plano de saúde e à pensão.

Se, no âmbito federal, as mudanças vêm a fórceps, as legislações municipais e estaduais mostram-se mais adequadas às transformações sociais. Desde 1999, vige, em Salvador, a Lei 5.275/97, que proíbe a discriminação homofóbica.

Aguarda ainda apreciação pelo Senado o Projeto de Lei 5.003/2001, que enquadra a homofobia como crime, já aprovado na Câmara,onde tramita também projeto que proíbe os planos de saúde de limitar a inscrição de dependentes no caso de parcerias homossexuais.

Essa homofobia não deixa de ser curiosa, ante a tradição de tolerância dos brasileiros quanto à diversidade cultural e religiosa. E foi aqui que se realizou a maior parada gay do mundo, superando a pioneira São Francisco, na Califórnia.

É fato: nos últimos anos, alguns tabus foram por água abaixo, como a concepção de que homossexuais não poderiam adotar. Desde 1984, quando retirada a homossexualidade do rol das doenças, esse argumento deixou de respaldar práticas abusivas, como tratamentos psiquiátricos. A melhor notícia parece ser a censura social: hoje em dia é politicamente incorreto defender qualquer causa que se mostre preconceituosa. Se a discriminação racial e de gênero já são crimes, por que não a homofobia?

Felizmente, o aumento do número de pessoas envolvidas nas manifestações e nas organizações em prol da obtenção de visibilidade e, portanto, dos benefícios já conquistados pelos heterossexuais faz pressupor um quadro de maior compreensão no futuro. Mesmo a reboque dos países mais avançados, onde a união civil homossexual é reconhecida legalmente, o Brasil está vencendo a guerra desumana contra o preconceito, o que significa fortalecer o Estado Democrático de Direito, sem dúvida alguma, a maior prova de desenvolvimento social.

Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, no domingo 19 de agosto.

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