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Juíza de SP aponta ilegalidades em julgamento administrativo

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19 de agosto de 2007, 0h00

Uma juíza federal de São Paulo colocou em dúvida o respeito à ampla defesa e ao contraditório nos julgamentos na primeira instância administrativa, das impugnações apresentadas pelos contribuintes contra autuações da Receita Federal. A juíza Cláudia Mantovani Arruga, da 5ª Vara Federal Cível de São Paulo, anulou um julgamento da Delegacia Regional de Julgamento de São Paulo.

Cláudia considerou que há ilegalidades nos julgamentos administrativos da Receita. Entre elas, a falta de publicidade dos atos administrativos e as sessões fechadas, sem a presença do contribuinte e de seu advogado.

A juíza ressaltou que o direito ao contraditório e à ampla defesa estão assegurados na Constituição Federal. Portanto, o processo, ainda que administrativo, tem de observar os direitos constitucionais.

“O princípio da ampla defesa deve ser observado pelo processo administrativo, sob pena de nulidade, e manifesta-se através da oportunidade concedida ao contribuinte de opor-se a pretensão”, afirmou a juíza. Ela suspendeu a decisão do conselho de contribuintes e determinou um novo julgamento, dessa vez com a ciência prévia do contribuinte e de seu advogado, para que eles possam estar presentes.

O contribuinte autor da ação foi representado pelos advogados Vitor Werebe e Maristela Ferreira de Souza Migliori, do Werebe & Associados — Advogados e Consultores Legais.

Veja a decisão

5ª. VARA FEDERAL CÍVEL DE SÃO PAULO

PROCESSO NÚMERO 2007.61.00.022921-7

MANDADO DE SEGURANÇA

IMPETRANTE:……………………

IMPETRADO: DELEGADO DA RECEITA FEDERAL DE JULGAMENTO EM SÃO PAULO

Trata-se de mandado de segurança, em que a Impetrante objetiva provimento jurisdicional liminar que suspenda o prazo para interposição do recurso ordinário ao Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, no Processo Administrativo n o. ; pleiteia, outrossim, que seja declarado sem efeito o julgamento ocorrido em de março de 2007 e a respectiva decisão, por ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa; que seja determinado à Delegacia da Receita federal de Julgamento em São Paulo II que promova novo julgamento daquele processo, cientificando-se a Impetrante da hora e local do mesmo, sendo permitida a presença da Impetrante à nova sessão de julgamento, além de permitir-se à sua defesa o exercício pleno da mesma, assim entendido como a entrega de memoriais, sustentação oral, requisição de produção de provas, participação em debates e todos os atos necessários ao exercício de tal direito.

Em prol de seu pedido, sustenta a impetrante que apresentou impugnação à autuação por suposta omissão de rendimentos na qual requereu sua notificação quanto à hora e local da realização da sessão de julgamento, para que pudesse entregar memoriais e sustentar oralmente sua defesa; insurge-se contra o indeferimento de seu pleito pela Delegacia de Julgamentos.

Entendo presente o “fumus boni juris” a amparar a pretensão da impetrante.

Primeiramente, sustenta a impetrante a violação ao devido processo legal nos julgamentos proferidos pelas Delegacias de Julgamento, uma vez que: as sessões de julgamento são realizadas em recinto fechado; não é dada publicidade prévia às pautas das sessões de julgamento; não é permitido ao contribuinte adentrar e assistir a sessão de julgamento de matéria de seu interesse; não é permitido o acesso às sessões de julgamento de advogados e o exercício de sua atividade profissional, sendo-lhe, portanto, vedada a sustentação oral, a entrega de memoriais e outras ações inerentes ao exercício do direito de defesa de seu constituinte.

Nesse sentido, o artigo 25,I do Decreto 70.235/72, que rege o Processo Administrativo Fiscal, não faz menção às sessões de julgamento, nem tampouco rege como deverá se dar a presença do contribuinte e a possibilidade de sua manifestação durante o ato.

É sabido que no Direito Administrativo encontramos vários princípios que, por sua vez, estão lastreados na Constituição Federal. Estes princípios são os mesmos que norteiam o processo administrativo em geral.

Coma Constituição de 1988 restou garantido, no art. 5 o. LV, o contraditório e a ampla defesa a todos os litigantes, seja no processo judicial, seja no administrativo.

Na lição de José Afonso da Silva, destaca-se, resumidamente:

“O princípio do devido processo legal entra agora no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta Inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (Art. 5 o. LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5 o., XXXV) e o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5 o., LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e “quando de fala em “processo”, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais, conforme autoriza a lição de Frederico Marques”

Porém, o sistema adotado no Brasil, no que tange ao Processo Administrativo Fiscal, onde os órgãos julgadores não dispõe de jurisdição, e não encerram o conflito, não existe total independência ao julgar, pois normalmente estão obrigados a cumprir atos normativos expedidos pelo próprio ente; assim, muitas vezes a legalidade e a constitucionalidade são contestáveis.

Também assiste ao contribuinte o direito de opor-se, nos termos previstos em lei, sobre toda e qualquer pretensão do Estado, em todas as suas formas de manifestação: informações, pareceres, decisões, e documentos formulados para serem apresentados ao órgão fiscal.

O princípio da ampla defesa deve ser observado pelo processo administrativo, sob pena de nulidade, e manifesta-se através da oportunidade concedidas ao contribuinte de opor-se a pretensão, devendo ser conhecidas e apreciadas todas as suas alegações de caráter processual e material, bem como as provas com que pretende provas as suas alegações.

Dentro desse conjunto probatório, amparado constitucionalmente, entendo fundamental a presença, inclusive, do contribuinte e seu patrono, mesmo na primeira instância de julgamento, par que possa opor-se, integralmente, à pretensão estatal.

Friso, também, a ilegalidade gritante expressa na não publicidade dos atos administrativos, uma vez que a autoridade administrativa fiscal realiza a sessão de julgamento sem dar ciência à parte interessada.

Presente se faz o “periculum in mora”, posto que já começou a fluir o prazo para a impetrante interpor seu recurso ao Conselho de Contribuintes.

Ante o exposto, DEFIRO A LIMINAR, para determinar que a autoridade impetrada: declare sem efeito o julgamento ocorrido em de março de 2007, por ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa; que promova novo julgamento desse mesmo processo, cientificando a Impetrante da hora e local do mesmo, permitindo sua presença mesmo como de seu advogado; permita ao patrono da Impetrante a aplicação do exercício de ampla defesa, como a entrega de memoriais, sustentação oral, participação nos debates e todos os demais atos necessários ao exercício de tal direito; e por fim, suspenda o prazo para a interposição do recurso ordinário ao Conselho de Contribuintes no processo………., até o julgamento final desta ação.

Notifique-se a autoridade impetrada para que preste suas informações no prazo legal. Após, ao MPF para parecer. Por fim, voltem conclusos para sentença.

Intime-se. Oficie-se.

São Paulo, 10 de agosto de 2007.

CLAUDIA MANTOVANI ARRUGA – Juíza Federal

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