Presença do réu

Juíza observa decisão do STF e cancela tele-audiências

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18 de agosto de 2007, 0h00

Os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar que a videoconferência fere o direito à ampla defesa já começaram a ser sentidos nas instâncias inferiores. Nesta sexta-feira (17/8), a 3ª Vara Criminal de São Paulo cancelou seis tele-audiências de supostos envolvidos com a organização criminosa do Primeiro Comando da Capital (PCC).

O depoimento dos oito réus presos suspeitos de participar e comandar três ondas de ataques criminosos na cidade de São Paulo estava marcado para esta sexta-feira, no Plenário 7 do Fórum Criminal da Barra Funda. No começo da sessão, a juíza Mônica Sales pediu que os advogados das partes se manifestassem sobre a conveniência do depoimento por vídeo.

Os advogados de seis réus sustentaram que o direito de defesa de seus clientes estaria prejudicado, já que não poderiam orientá-los de forma precisa. A juíza acolheu o argumento e mandou expedir carta precatória para ouvir os acusados.

Só não se opôs ao procedimento a advogada Maria Odette de Moraes Haddad, que defende Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como líder do PCC, e Rogério Jeremias de Simone, vulgo Gegê, apontado como “vice-presidente” da organização. Ela foi até seus clientes para orientá-los.

A advogada acompanhou o depoimento sentada ao lado de seus clientes. Em uma sala adaptada da Penitenciária de Presidente Venceslau, no caso de Marcola. Depois do depoimento do primeiro cliente, ela pediu uma hora e se deslocou até o presídio de Presidente Bernardes, para acompanhar a oitiva de Gegê.

Maria Odette orientou seus clientes, inclusive para reforçar e corrigir partes de seus depoimentos. Outro advogado, que tem procuração no processo, estava na Barra Funda para acompanhar “ao vivo” todo o procedimento e, assim, evitar qualquer ato que pudesse dar espaço para que fosse argüida nulidade do processo.

Ao vivo e em cores

Quem é contra a tele-audiência afirma que é justamente este contato pessoal entre cliente/advogado e réu/juiz que faz diferença quando o depoimento não é tomado com corpo presente. “A videoconferência, apresentada sob o manto da modernidade e da economia, revela-se perversa e desumana, pois afasta o acusado da única oportunidade que tem para falar ao seu julgador. Pode ser um enorme sucesso tecnológico, mas configura-se um flagrante desastre humanitário”, defende o advogado criminalista Luiz Flávio Borges D’Urso, presidente da OAB paulista.

O argumento dos que defendem a videoconferência se baseia em dois pontos: economia processual e segurança pública. A idéia é, ao invés de gastar no transporte de presos perigosos, promover o depoimento em linha direta com o preso, que fica no próprio presídio.

A juíza Mônica Sales não era obrigada a seguir a decisão do Supremo Tribunal Federal, porque o entendimento se aplicou apenas ao pedido de Habeas Corpus julgado pela 2ª Turma. Mas, para evitar que futuramente todos os atos processuais pudessem ser anulados, quando os recursos deste processo começassem a chegar ao Supremo, seguiu a orientação.

O entendimento da 2ª Turma foi firmado nesta terça-feira (14/8). Os ministros anularam, por unanimidade, o processo e a condenação por causa do interrogatório feito por videoconferência. A ação vai retornar à origem para que se faça novo interrogatório, de corpo presente.

A Turma concedeu Habeas Corpus para Márcio Fernandes de Souza. Ele foi condenado a 14 anos de prisão pelo crime de extorsão mediante seqüestro pela 30ª Vara Criminal de São Paulo. Detido em flagrante delito, respondeu preso ao processo. De acordo com a defesa, sem citação alguma, foi apresentado, no dia 4 de outubro de 2002, para ser interrogado na sala de tele-audiência do Centro de Detenção Provisória Chácara Belém I, onde estava detido. O caso foi parar no Supremo, que anulou a condenação.

Os depoimentos

Marcola negou ser líder do PCC e qualquer envolvimento com os ataques criminosos em São Paulo. Disse que está preso por três condenações por roubo a banco e não por homicídio ou tráfico de drogas, apesar de haver ações contra ele por esses crimes. Marcola ainda contou que foi absolvido da condenação por formação de quadrilha.

“Nunca fui líder de organização nenhuma. O sistema penitenciário é muito dividido para ter apenas um líder”, disse. Marcola está preso há sete anos. Ele é acusado de comandar de dentro dos presídios a onda de ataques, por meio de aparelho de telefone celular.

Marcola se defendeu dizendo que passou muitos anos no Regime Disciplinar Diferenciado, sem contato com outros presos. “Até hoje não entendo como é que me culpam por esses atentados. Nesse país, quando falha alguma parte do sistema, a tendência é colocar a culpa em quem não tem nada a ver com o problema. É assim comigo. A Polícia acha que a culpa pelo caos no sistema penitenciário é minha”, afirma.

Também prestou depoimento a advogada Maria Cristina de Souza Rachado, defendida pelo advogado Mário de Oliveira Filho. Maria Cristina Rachado foi presa em julho de 2006. Ela é acusada de formação de quadrilha, tráfico de entorpecentes, associação para o tráfico e porte ou uso de arma de fogo de uso restrito.

As acusações foram feitas com base em interceptações telefônicas da Polícia. A advogada está em liberdade provisória. Ela também é acusada de pagar propina a um funcionário terceirizado da Câmara dos Deputados para obter cópias dos depoimentos sigilosos que dois delegados prestaram à CPI do Tráfico de Armas. Para a comissão, os CDs com a transcrição dos depoimentos foram adquiridos a mando de integrantes presos do PCC.

Maria Cristina negou as acusações. Disse que sua relação com Marcola era estritamente profissional e que nunca negociou com integrantes do PCC. Disse que é inocente inclusive da acusação de comprar cópias de documentos sigilosos da CPI do Tráfico de Armas.

Ainda prestaram depoimento, de corpo presente, os réus Leandro de Souza Queiroz, Robson Jesus da Silva, Adalberto Vivalva Melo, Alex Bonzo de Lima, Alexandre do Prado Rodrigues, Carla Patrícia de Andrade, Daniel José dos Santos, Eduardo Ferreira de Souza, Karine Bispo Ferreira, Oswaldo Cosmo da Cunha, Silva de Lima Bernardes e Wellington Lagares. Todos negaram participar da organização e dos ataques criminosos em São Paulo.

Foi marcado para o dia 7 de dezembro as audiências de Marilene Carlos Simões, Lucas Renato Moreira e Pedro Welington Santana Ribeiro. Enzo Morrone Lima não compareceu à sessão nesta sexta-feira, mesmo intimado, e por isso poderá ser considerado revel.

Por carta precatória serão ouvidos Alex Claudino dos Santos, Júlio Cesar Guedes de Moraes, Keneth de Omena Santos, Milton Davis Guimarães, Ronaldo José Simone e Vagner Ferreira de Lima.

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